Futuro da neutralidade da rede nos EUA está em lugar incerto e não sabido
14 de janeiro de 2025, 12h32
Vítima de uma decisão aparentemente fatal de um colegiado de três juízes conservadores-republicanos do Tribunal Federal de Recursos da 6ª Região, em Ohio, a neutralidade da rede nos Estados Unidos está agonizando na UTI. Mas ainda não está morta e enterrada. Sua existência depende, como tem sido há décadas, de que partido está no poder. E depende, sobretudo, do Congresso e de iniciativas estaduais.
No momento, o Partido Republicano já tem nas mãos o Senado e a Câmara dos Deputados. Em breve, terá a Presidência e o controle da Federal Communications Commission (FCC), órgão encarregado de administrar os serviços de telecomunicações. Nesse cenário, a neutralidade de rede está marcada para morrer.
O partido também poderá contar com a Suprema Corte, que tem uma maioria de seis ministros conservadores-republicanos, contra três ministras liberais-democratas. Afinal, foi a Suprema Corte que disponibilizou fundamentos ao Tribunal Federal de Recursos para derrubar o regulamento da FCC.
Na decisão de Loper Bright Enterprises v. Raimondo, de 2024, a Suprema Corte revogou um precedente de 40 anos, chamado de Chevron Deference, que criou a Doutrina Chevron. Tal doutrina estabelecia que os juízes federais devem acatar a interpretação (ou a regulamentação), pelos órgãos governamentais, de leis que são ambíguas ou omissas — desde que a interpretação seja razoável.
Em outras palavras, os juízes deviam dar “deferência” aos atos de órgãos governamentais, porque eles estavam mais bem equipados para regulamentar leis ambíguas ou omissas — isto é, o Congresso não precisava detalhar especificamente nas leis o que os órgãos reguladores podiam ou não podiam fazer.
Em sua decisão, o colegiado de juízes do tribunal se apoiou em Loper Bright para declarar: “A FCC não tem autoridade legal para impor suas políticas desejadas de neutralidade da rede. Aplicar Loper Bright significa que podemos pôr um fim aos vacilos da FCC, como o de restabelecer regras que impedem as provedoras de banda larga de desacelerar ou bloquear o acesso a conteúdo da internet”.
E é nisso que a “morte” da neutralidade da rede pode resultar. As provedoras de serviço de internet (ISPs) podem criar “pacotes” diferentes de serviços de internet, com preços variáveis para os assinantes, como o fazem os canais de TV a cabo. Se quiser um serviço melhor, é fácil: só pagar mais. Do contrário, o acesso será limitado, desacelerado ou bloqueado.
Elas podem ainda criar planos para hospedar sites, também com preços variáveis. Por exemplo, sites com serviços de streaming de filmes, esportes, notícias ou entretenimento que quiserem oferecer alta velocidade aos assinantes deverão pagar mais. As ISPs que têm seu próprio serviço de streaming podem bloquear concorrentes.
As regras da FCC enquadram as provedoras de serviços de internet (ISPs) na categoria de serviços de utilidade pública (tais como telecomunicações, eletricidade, gás, água e esgoto). E as submetem, portanto, a um certo nível de autoridade reguladora da FCC, de acordo com a Lei das Comunicações. Além disso, as obrigam a manter a neutralidade de rede.
Esperança de sobrevivência
Mas a esperança é a última que morre. E a esperança de sobrevivência da neutralidade da rede se sustenta em duas possibilidades: 1) Os estados podem mantê-la em seu território; 2) O Congresso pode aprovar alguma lei federal que restabeleça a quase extinta neutralidade da rede.
A decisão do tribunal federal não afeta leis estaduais sobre o tema. Três estados democratas — Califórnia, Washington e Colorado — já aprovaram leis que salvaguardam essa neutralidade. Se esse for o último recurso, a legislação sobre o assunto será uma colcha de retalhos: existirá nos estados democratas, não existirá nos estados republicanos.
O Congresso, por sua vez, poderá matar a disputa por meio de legislação, com duas possibilidades: pode aprovar uma lei federal que institua a neutralidade da rede, válida para todo país; ou pode remendar a atual legislação, para conceder a autorização específica e detalhada à FCC para regulamentá-la.
Uma ação do Congresso, em que o Partido Republicano tem maioria no Senado e na Câmara dos Deputados, bem como o presidente na Casa Branca, não pode ser esperada para tão cedo.
Existem possibilidades. Uma delas é a de que haverá eleições parlamentares em 2026. Se o Partido Democrata recuperar a maioria nas duas casas, o Congresso poderá aprovar tal lei federal. Mas o presidente ainda será Donald Trump, que poderá vetá-la. Nesse caso, os democratas precisarão de uma maioria de dois terços dos votos para derrubar o veto.
Haverá eleições parlamentares e presidenciais em 2028. O Partido Democrata terá de recuperar a maioria nas duas casas do Congresso e colocar seu candidato na Casa Branca. Se isso não acontecer, a única reação dos defensores da neutralidade da rede será a de expressar a esperança de “quem sabe um dia, em um futuro distante…”.
Até lá, pode ser que, destituídas da Doutrina Chevron, a Federal Aviation Administration perderá o poder de supervisionar as empresas aéreas; a Environmental Protection Agency (EPA) não poderá proteger o meio ambiente e combater a mudança do clima; o Department of Health and Human Services (HHS) e o cirurgião-geral serão destituídos da capacidade de regulamentar o atendimento de saúde no país etc.
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