Honorários sucumbenciais e a vedação à compensação devidos aos advogados públicos
14 de janeiro de 2025, 19h15
A temática dos honorários sucumbenciais, especialmente na advocacia pública, tem ocupado papel de destaque no cenário jurídico brasileiro, à medida que decisões judiciais vêm reafirmando sua natureza constitucional e autonomia. Em uma importante decisão, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), ao julgar o processo nº 0813312-28.2023.4.05.0000, de relatoria da desembargadora federal Cibele Benevides Guedes da Fonseca, reconheceu a impossibilidade de compensação dos honorários sucumbenciais com débitos do ente público, contribuindo para a consolidação de um entendimento protetivo em relação a essa verba de natureza alimentar.
O acórdão do TRF-5 não apenas aplicou o disposto no artigo 85, §14º, do Código de Processo Civil (CPC), que veda expressamente a compensação em situações de sucumbência parcial, mas também reiterou o posicionamento já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a titularidade exclusiva e a essencialidade dessa verba para a dignidade da advocacia pública.
Veja-se trecho da ementa do mencionado acórdão:
(…)
- Firmou-se, no STF, a orientação no sentido da impossibilidade de compensação dos honorários de sucumbência devidos aos advogados públicos com eventuais débitos havidos pelo ente representado com o devedor da sucumbência.
- Se o CPC estabelece que a verba honorária pertence ao advogado público, consistindo, consequentemente, em verba autônoma e destacada de eventual direito material do ente representado, e que possui natureza salarial, não há mais como considerar a possibilidade de utilização dessa verba para compensação com eventuais créditos do devedor dos honorários com o ente público que o advogado representa, na medida em que a relação de crédito e débito envolve titularidades diversas.
(…)
Essa decisão surge como um pilar da proteção jurídica que envolve os honorários sucumbenciais, consolidando-os cada vez mais como instrumentos essenciais para garantir a independência profissional e a remuneração adequada das advogadas e advogados públicos.
A densidade constitucional atribuída aos honorários sucumbenciais pelo STF e pelos tribunais reflete o reconhecimento de seu caráter alimentar. A discussão sobre sua compensação, portanto, ultrapassa aspectos meramente processuais e adentra o campo das garantias fundamentais, resguardando direitos essenciais para o pleno exercício da advocacia e para a promoção da justiça no âmbito das relações entre Estado e sociedade.
O acórdão e a proteção dos honorários sucumbenciais
No caso julgado pelo TRF-5, a corte destacou que os honorários sucumbenciais possuem titularidade exclusiva das advogadas e advogados públicos, sendo verbas de natureza privada e alimentar, e, por isso, não se confundem com os recursos do ente público. Essa distinção é importante para evitar a desvirtuação da finalidade desses valores, que têm como objetivo remunerar diretamente o trabalho do advogado pela sua performance.
A controvérsia teve origem em decisão de primeira instância que autorizava a compensação de honorários advocatícios com créditos de precatórios devidos pelo município a particulares. Ao reformar essa decisão, o TRF-5 enfatizou e reforçou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Precedentes relevantes sobre a impossibilidade de compensação
O acórdão do TRF-5 não é um caso isolado e encontra respaldo em uma série de precedentes do STF que tratam dos honorários da advocacia pública. Dentre eles, destacam-se:
- ADIs 6.053, 6159, 6162, 6165, 6169, 6178, 6181, 6197: o Pleno do STF, ao declarar a constitucionalidade do artigo 85, §19º, do CPC e do artigo 23 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reconheceu a titularidade dos honorários sucumbenciais às advogadas e aos advogados públicos.
- ARE 1464986 AgR: o Pleno do STF entendeu pela vedação de compensação de honorários advocatícios dos procuradores e das procuradoras com verbas devidas pelo ente público. Transcreve-se a ementa:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POR ADVOGADOS PÚBLICOS. POSSIBILIDADE. ADI 6053. VEDADA A COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS, A ELES PERTENCENTES, COM VALORES DEVIDOS PELO ENTE PÚBLICO QUE INTEGRAM.
- No julgamento da ADI 6053, em que constei como redator para acórdão, DJe. 30/7/2020, o Plenário desta SUPREMA CORTE assentou a possibilidade de recebimento de verba de honorários sucumbenciais por advogados públicos, cumulada com o subsídio, desde que respeitado o teto constitucional do funcionalismo público.
- O referido precedente paradigma projeta os seguintes entendimentos: i) o pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos é constitucional; ii) os honorários de sucumbência fixados na sentença favorável ao ente público pertence a seus advogados ou procuradores, consistindo verba autônoma e destacada de eventual direito material do ente representado; iii) o recebimento da verba é compatível com o regime de subsídios, nos termos do art. 39, § 4º, da Constituição; e iv) os honorários sucumbenciais, somados às demais verbas remuneratórias, devem estar limitados ao teto constitucional disposto no art. 37, XI, da Constituição.
- Assim, na forma da parte final do § 19 do Art. 85, do Código de Processo Civil, não há mais falar em compensação dos honorários de sucumbência devidos aos procuradores públicos, com o valor que o ente que integram deve pagar, a esse título, para a parte adversa.
- Agravo e Recurso Extraordinário com Agravo providos, afastando a compensação de verba honorária estabelecida nas instâncias de origem.
(ARE 1464986 AgR, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO (Presidente), Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 21-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 06-03-2024 PUBLIC 07-03-2024).
- ARE 1470466 AgR-ED, Rcl 65774 AgR, Rcl 70422, ARE 1499211, ARE 1491620, ARE 1509089, ARE 1509255, ARE 1499079, Rcl 65762, ARE 1507305: O STF, através de decisões monocráticas e de órgãos fracionários, vem reiterando a impossibilidade de compensação de honorários devidos às advogadas e aos advogados públicos. Seguem ementas dos acórdãos da 2ª Turma:
EMENTA Embargos de declaração em agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. Advogados públicos. Honorários advocatícios sucumbenciais. Recebimento. Possibilidade. Compensação. Vedação. Embargos acolhidos com efeitos infringentes.
- No julgamento do ARE nº 1.464.986/RS, red. do ac. Min. Alexandre de Moraes, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que, “regulamentado o direito ao recebimento de honorários de sucumbência por advogados públicos, na forma da parte final do § 19 do Art. 85, do Código de Processo Civil, não há mais que se falar em possibilidade de compensação dos honorários de sucumbência devidos aos advogados públicos com eventuais débitos havidos pelo ente representado com o devedor da sucumbência”.
- Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes para dar provimento ao agravo regimental e prover o recurso extraordinário, a fim de se afastar a compensação de verba honorária estabelecida nas instâncias de origem.
(ARE 1470466 AgR-ED, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 20-05-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 22-05-2024 PUBLIC 23-05-2024).
EMENTA Agravo regimental em reclamação. ADI nº 6.053. Advogados públicos. Constitucionalidade do direito ao recebimento de honorários de sucumbência. Verba autônoma e destacada de eventual direito material do ente representado. Aderência estrita entre a decisão reclamada e o paradigma apontado como violado. Agravo regimental não provido.
- Segundo a firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os honorários de sucumbência fixados na sentença favorável a ente público pertencem a seus advogados ou procuradores, consistindo em verba autônoma e destacada de eventual direito material do ente representado (ADI nº 6.053-DF).
- Regulamentado o direito ao recebimento de honorários de sucumbência por advogados públicos, na forma da parte final do § 19 do art. 85 do Código de Processo Civil, não há mais que se falar em possibilidade de compensação dos honorários de sucumbência devidos aos advogados públicos com eventuais débitos havidos pelo ente representado com o devedor da sucumbência.
- Existência de aderência estrita entre a decisão reclamada e o paradigma apontado como violado. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido.
(Rcl 65774 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 11-06-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 13-06-2024 PUBLIC 14-06-2024)
Esse repertório de decisões demonstra a integridade e coerência da jurisprudência estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que a tentativa de compensação dos honorários sucumbenciais da Advocacia Pública, além de violar direitos fundamentais dos procuradores e procuradoras, compromete a higidez do regime jurídico e a segurança jurídica necessária para o exercício pleno da advocacia.
A relevância da advocacia pública para as políticas públicas e os honorários como instrumento de valorização
A advocacia pública desempenha papel crucial na implementação e manutenção de políticas públicas e na realização dos direitos fundamentais, atuando, ao lado e conjuntamente com as demais funções essenciais à Justiça, para que os entes federativos cumpram os objetivos previstos na Constituição.
Gustavo Machado Tavares e Elisa Albuquerque Maranhão Rego [1] escrevem:
Enquanto função essencial à Justiça, ela não restringe sua atividade ao controle interno de juridicidade das posturas administrativas, à representação judicial e à função estritamente arrecadatória fiscal em favor da Administração Pública, a qual, por si só, já se configuraria como instrumento indireto de viabilização das políticas públicas e ao progresso social, já que propicia a arrecadação do respaldo orçamentário essencial para subsidiá-los
À Advocacia Pública Municipal é possível ultrapassar a barreira da atuação voltada à arrecadação fiscal, enquanto meio indireto de realização de direitos fundamentais, para concretizá-los diretamente no meio social, através de suas funções públicas, em especial no que toca aos direitos de segunda e terceira dimensões, quais sejam, os direitos sociais (direitos à saúde, educação, trabalho, habitação, previdência social, assistência social, dentre outros) e os transindividuais (p.e. direito ao meio ambiente, ao desenvolvimento/progresso, dentre outros).
Nesse contexto, os honorários advocatícios são um instrumento indispensável de valorização da advocacia pública, reforçando sua independência funcional e incentivando a excelência na performance e a eficiência na prestação de serviços jurídicos. Sua natureza autônoma e alimentar assegura melhores condições de trabalho às advogadas e aos advogados públicos, além de reconhecer seu papel estratégico na defesa do interesse público e na promoção da justiça social.
Conclusão
A decisão do TRF-5 é mais um marco na consolidação de uma jurisprudência que protege a autonomia e titularidade dos honorários sucumbenciais. Ao vedar a compensação desses valores, o tribunal reforça a dignidade da advocacia pública, preserva a segurança jurídica e promove a valorização da advocacia como função essencial ao Estado de direito.
Os honorários sucumbenciais, além de prerrogativa inerente à carreira, são fundamentais para a independência das advogadas e dos advogados públicos, permitindo que exerçam plenamente os deveres e a missão de uma função essencial à Justiça. Esses valores garantem as condições adequadas para que os procuradores e procuradoras desempenhem, com eficiência e comprometimento, seu papel na defesa do interesse público e na concretização das políticas públicas, em alinhamento aos princípios constitucionais que regem o Estado democrático de Direito.
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