Termo de ajustamento de conduta no CNJ e seu cabimento para processos disciplinares em curso
12 de janeiro de 2025, 11h13
A base normativa para a adoção de métodos consensuais em procedimentos disciplinares foi estabelecida pela Recomendação CNJ 21/2015, que introduziu a possibilidade de conciliação e mediação em procedimentos preliminares e processos administrativos disciplinares no âmbito do Poder Judiciário.
A referida norma estabeleceu dois pressupostos fundamentais para a autocomposição na esfera administrativo-correcional:
- a limitação do potencial ofensivo da conduta, que deve apresentar baixo grau de lesividade ao interesse público; e
- a natureza dos fatos envolvidos, que devem estar circunscritos predominantemente à esfera privada dos envolvidos.
Reconhecendo a eficácia do termo de ajustamento de conduta (TAC) como mecanismo consensual para resolução de conflitos disciplinares, o Conselho Nacional de Justiça formalizou sua aplicação através da Resolução CNJ 536/2023, que incorporou o instituto ao Regimento Interno. Posteriormente, a Resolução CNJ 548/2024 ampliou seu escopo, expandindo as hipóteses de cabimento em relação às penalidades passíveis de substituição pelo acordo.
Uma das novidades, que abarcou o entendimento consolidado pelo plenário, foi a possibilidade de celebração do acordo para processos com a possível aplicação de pena disponibilidade pelo prazo de até 90 dias. Na redação original, só cabia TAC para processos com a possível aplicação de advertência ou censura.
Inovações
A matéria evoluiu significativamente com a edição da Resolução CNJ nº 612/2024, que trouxe duas inovações substanciais ao regime jurídico do TAC:
- possibilidade de celebração após a instauração do processo administrativo disciplinar (PAD); e
- a necessidade de submissão do acordo ao referendo do Plenário.
A obrigatoriedade de submissão do termo de ajustamento de conduta ao referendo do Plenário, após a homologação pelo Corregedor Nacional de Justiça, uma das inovações trazidas pela Resolução 612/CNJ, amplia a transparência do processo de autocomposição disciplinar e permite uma avaliação mais abrangente dos termos acordados, garantindo que o interesse público seja adequadamente preservado nas soluções consensuais.
Temos, portanto, a seguinte evolução normativa no CNJ:
- Resolução CNJ 536/2023: Incorporação do TAC ao Regimento Interno;
- Resolução CNJ 548/2024: Ampliação das hipóteses de cabimento; e
- Resolução CNJ 612/2024: Inovações substanciais no regime jurídico
Jurisprudência do tempo
Referente à segunda inovação trazida pela Resolução CNJ 612/2024, a possibilidade de TAC para processos em curso, é importante fazer uma digressão dos normativos e da jurisprudência no tempo.
O Provimento nº 162, publicado em 11 de março de 2024, passou a autorizar a possibilidade de proposta de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a Corregedoria Nacional de Justiça e magistrados, servidores e serventuários do Poder Judiciário ou delegatários de serventias extrajudiciais.
Em 12 de março de 2024, quando ocorreram os primeiros julgamentos após a publicação do Provimento 162/CNJ, o plenário do CNJ definiu que a celebração de TAC apenas poderia se dar antes da instauração do PAD. Nesse sentido:
(…) Nos termos do art. 47-A do Regimento Interno do CNJ, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) constitui medida prévia de não persecução disciplinar e que antecede a própria autuação do respectivo PAD. Inexiste previsão normativa no âmbito deste Conselho que estabeleça a possibilidade de celebração de TAC após a instauração do processo disciplinar, como no presente caso.
(…)
(CNJ – PAD – Processo Administrativo Disciplinar – 0002094-42.2023.2.00.0000 – Rel. JOÃO PAULO SCHOUCAIR – 3ª Sessão Extraordinária de 2024 – julgado em 20/08/2024)
(…) Definido, pelo Plenário do CNJ, que a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) só pode ocorrer antes da instauração do PAD, afigura-se incabível o pleito de formalização do ajuste neste momento. (…). 6. Imputações julgadas procedentes, para aplicar ao magistrado a pena de censura. (CNJ – PAD – Processo Administrativo Disciplinar – 0006209- 09.2023.2.00.0000 – Rel. JOSÉ ROTONDANO – 8ª Sessão Ordinária de 2024 – julgado em 25/06/2024)
Em 18 de setembro de 2024, todavia, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus nº 185.913/DF[1], fixou novas teses para a celebração de Acordo de Não Persecução Penal:
(…) Compete ao membro do Ministério Público oficiante, motivadamente e no exercício do seu poder-dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno;
2. É cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei nº 13.964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado;
3. Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais, em tese, seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo;
4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo Ministério Público, ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura, pelo órgão ministerial, no curso da ação penal, se for o caso.
ANPP é inspiração
O ANPP, importa consignar, foi a inspiração para a criação do TAC no âmbito administrativo do Poder Judiciário. Isso porque ambos os institutos compartilham a mesma natureza jurídica consensual e privilegiam medidas alternativas à punição tradicional, decorrendo dessa natureza teleológica, naturalmente, a aplicação de regras comuns aos dois institutos, especialmente quanto à possibilidade de incidência retroativa aos procedimentos em curso e ainda não definitivamente julgados.
Assim, considerando as novas balizas, o Ministério Público passou a opinar pela possibilidade da proposta de TAC em processos disciplinares que já estavam em curso antes do Provimento 162/CNJ, dentre eles citamos o PAD nº 0008334-47.2023.2.00.0000. No referido feito, após o requerimento da defesa e da Associação de Magistrados, a qual representamos, o Ministério Público Federal refluiu de seu parecer anterior, dado nos autos, e opinou pela formulação da proposta de TAC, em 29 de novembro de 2024.
Seguindo essa linha de entendimento, em 19/12/2024, por ocasião da 8ª Sessão Virtual Extraordinária, nos autos Consulta nº 0003712-85.2024.2.00.0000, o CNJ reformou seu posicionamento anterior respondendo à consulta pela possibilidade de celebração de TAC em procedimentos disciplinares pendentes de julgamento e instaurados antes da edição do Provimento CN nº 162/2024.
Conforme acórdão, a alteração da jurisprudência preserva a finalidade do mecanismo, qual seja, a solução consensual de uma controvérsia administrativa que resultaria na aplicação de penalidade leve, bem como impede a adoção de soluções diferentes para sujeitos de direito que estão em idêntica situação jurídica. Confira-se o teor da ementa:
menta: Direito Administrativo. Consulta. Provimento CN n. 162/2024. Procedimentos disciplinares. Termo de Ajustamento de Conduta. Artigo 47-A do RICNJ. Aplicação retroativa. Possibilidade.
1. Caso em exame
1.1 Consulta relacionada ao alcance do Provimento CN n. 162/2024, norma que disciplina o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) previsto pelo artigo 47-A do RICNJ.
2. Questões em discussão
2.1 Possibilidade de propositura do TAC em procedimentos disciplinares instaurados antes da edição do Provimento CN n. 162/2024.
3. Razões de decidir
3.1 O mecanismo instituído pelo artigo 47-A do RICNJ está em congruência com as medidas que buscam solucionar conflitos por meio de acordos e com a imposição de medidas não punitivas, em especial do Acordo de Não Persecução Penal previsto pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal.
3.2 No julgamento do HC n. 185.913/DF, o Supremo Tribunal Federal admitiu a aplicação da norma que institui o ANPP em processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei n. 13.964/2019.
3.3 Considerando que o ANPP foi a inspiração para a criação do TAC no âmbito administrativo do Poder Judiciário e que ambos os institutos têm como finalidade a resolução de conflitos com o cumprimento de medidas não punitivas, é natural que possuam regramento comum quando possível, como é o caso da aplicação retroativa aos procedimentos disciplinares ainda não julgados.
3.4 A possibilidade de celebração de TAC em procedimentos disciplinares pendentes de julgamento e instaurados antes da edição do Provimento CN n. 162/2024 preserva a finalidade do mecanismo, qual seja, a solução consensual de uma controvérsia administrativa que resultaria na aplicação de penalidade leve, bem como impede a adoção de soluções diferentes para sujeitos de direito que estão em idêntica situação jurídica.
4. Dispositivo e Tese de Julgamento
4.1 Consulta respondida.
4.2 Tese de julgamento: “1. É possível a propositura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) previsto pelo artigo 47-A do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça em procedimentos disciplinares instaurados antes da edição do Provimento CN n. 162/2024 e ainda não julgados. 2. A celebração e a homologação dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) em processos não julgados e instaurados antes da edição do Provimento CN n. 162/2024 são de competência exclusiva do Corregedor Nacional de Justiça ou dos Corregedores Gerais e obedecem, no que for aplicável, às regras da norma regulamentadora.”
Dispositivo e precedente relevantes citados: Provimento CN n. 162/2024; STF, HC n. 185.913/DF.
A decisão foi importante para sedimentar o entendimento sobre a matéria no âmbito do CNJ, porquanto a resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, possui caráter normativo geral.[2]
Essa característica confere à decisão especial relevância, pois seus fundamentos e conclusões devem ser observados em todos os processos administrativos em tramitação, uniformizando as decisões sobre a matéria e garantindo segurança jurídica e isonomia no tratamento de situações similares, seja no CNJ ou nos tribunais pátrios.
A força normativa da cConsulta, ao estabelecer parâmetros interpretativos que vinculam a atuação administrativa do CNJ, contribui para a consolidação de uma jurisprudência administrativa coesa e previsível, evitando decisões conflitantes sobre questões idênticas.
Portanto, o posicionamento adotado na consulta representa não apenas a solução de um questionamento específico, mas verdadeira diretriz interpretativa que deve nortear a análise de todos os processos administrativos que versem sobre a mesma matéria, conferindo maior efetividade e uniformidade à atuação do Conselho Nacional de Justiça.
Processos não julgados
A proposta de celebração de TAC para processos disciplinares em curso, todavia, possui uma exceção: apenas será possível para aqueles processos não julgados e instaurados antes da edição do Provimento CN nº 162/2024.
Contudo, é possível avançar ainda mais na regulamentação do TAC, especialmente considerando sua inspiração no instituto do acordo de não persecução penal (ANPP). Uma evolução natural seria permitir a celebração do TAC mesmo após a instauração do processo disciplinar, em qualquer fase processual antes do trânsito em julgado.
Esta possibilidade encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, especificamente no precedente firmado no HC 185.913-DF, que autorizou a formalização do ANPP até o trânsito em julgado da sentença penal. Sendo o TAC administrativo inspirado no ANPP, é coerente que siga a mesma lógica temporal, permitindo a autocomposição enquanto não definitivamente julgado o processo disciplinar.
A ampliação do momento processual para celebração do TAC atenderia aos princípios da eficiência administrativa e da razoável duração do processo, além de fortalecer os mecanismos consensuais de resolução de conflitos no âmbito disciplinar.
[1] https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15372176987&ext=.pdf
[2] RICNJ. Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência.
§ 1º A consulta deve conter indicação precisa do seu objeto, ser formulada articuladamente e estar instruída com a documentação pertinente, quando for o caso.
§ 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral.
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