Licitações e Contratos

Licitações e contratos: processo não tramita por WhatsApp

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  • é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

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10 de janeiro de 2025, 18h03

Em 8 de abril de 2022 [1] e em 13 de dezembro de 2024 [2], este autor publicou na revista eletrônica Consultor Jurídico artigos abordando a impossibilidade de tramitações processuais de licitações e contratos ocorrerem fora de autos e de sistemas oficiais.

Nesta sequência, tem-se um novo texto, mas com o foco específico no uso indevido do WhatsApp em licitações e contratos administrativos.

Pode-se imaginar alguns exemplos hipotéticos, a seguir detalhados.

Primeiro, em pregão eletrônico, representante de empresa envia mensagem de WhatsApp ao pregoeiro perguntando se pode “mandar” documentos adicionais por e-mail. O pregoeiro, pressionado pelo tempo, concorda, mas não no “chat” da licitação.

Em outro cenário, um representante de fornecedor trata com o fiscal de contrato assunto de mudança de marca de produto ou prorrogação de prazo de entrega, via WhatsApp, para obter aceite, com base na ideia de que, adiante, as coisas serão resolvidas no processo.

Por fim, um representante de empresa pede que o fiscal de contrato autorize uma alteração de algum material na execução de obra pública, isso apenas por mensagens de WhatsApp.

Tais situações, aparentemente inofensivas e práticas, exemplificam violações a princípios da Administração Pública (artigo 37 da Constituição Federal) e os específicos de licitações e contratos administrativos (artigo 5º da Lei nº 14.133/21).

A fragilidade dos ‘prints’ de WhatsApp para fins de prova

O Superior Tribunal de Justiça e outros tribunais têm rejeitado “prints” de conversas de WhatsApp como meio de prova “válido”, devido à “falta de autenticidade” (falta de alguma ata notarial que, em tempo hábil, documente informações), além do risco de alterações ou manipulações, exclusões e conversas programadas como temporárias, que “se apagam”.

Jonas Lima Tarja

Embora a jurisprudência tenha admitido o “espelhamento” de aplicativo web para fins de apuração criminal, há que se destacar casos com pontos emblemáticos, como esse que replica posição anterior do próprio STJ: “…..é invalida a prova obtida pelo WhatsApp Web, pois “é possível, com total liberdade, o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas (registradas antes do emparelhamento) ou recentes (registradas após), tenham elas sido enviadas pelo usuário, tenham elas sido recebidas de algum contato. Eventual exclusão de mensagem enviada (na opção “Apagar somente para Mim”) ou de mensagem recebida (em qualquer caso) não deixa absolutamente nenhum vestígio, seja no aplicativo, seja no computador emparelhado, e, por conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em processo penal, tendo em vista que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em razão da tecnologia de encriptação ponta-a-ponta, não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários” (…) (RHC 99.735/SC, rel. ministra Laurita Vaz, 6ª Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 12/12/2018) (…)”. (AgRg no RHC n. 133.430/PE, relator ministro Nefi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 26/2/2021.)”.

Quando a discussão chegar aos temas de licitações e contratos, no STJ, serão adicionados mais elementos, como os de formalidades e de segurança jurídica em processos públicos.

Por oportuno, lembre-se que o STJ, como intérprete final da legislação federal, nos termos do artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, dará a palavra final.

Violação a princípios constitucionais e legais

O uso do WhatsApp para comunicações em licitações e contratos administrativos viola princípios constitucionais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, previstos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. Além disso, contraria dispositivos da Lei nº 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e da Lei nº 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo Federal), notadamente, porque essas e tantas outras leis e regulamentos administrativos não autorizam tratativas oficiosas sobre processos que exigem formalidades específicas.

Riscos à integridade e ao compliance

A utilização de meios informais de comunicação apresenta sérios riscos à integridade e ao compliance por empresas e agentes públicos, até pela mistura de assuntos profissionais e pessoais, falta de registro oficial das comunicações e dificuldade de controle e auditoria. Pode-se adicionar um exemplo: proprietário de empresa perguntando a gestor de contrato quando será paga fatura de serviço contratado e, logo em seguida, perguntando como foi a viagem daquele gestor público “à Disney”, em Orlando. Isso é impensável, mas não seria impossível ocorrer em algum caso bem remoto.

Conclusão: a necessidade de formalização e transparência

É imperativo que todos os atos relacionados a licitações e contratos administrativos sejam formalizados por meios oficiais (os previstos em lei). E os sistemas eletrônicos de compras públicas devem ser utilizados para todas as comunicações entre os atores do processo, inclusive, pelo dever de transparência e a publicidade dos atos administrativos, sendo que o uso de mensagens via aplicativos, ainda que prático e ágil, não cabe nessas finalidades específicas, sob pena de quebra da integridade dos procedimentos da Administração.

 


Notas:

[1] Processo não tramita por e-mails  – https://www.conjur.com.br/2022-abr-08/licitacoes-contratos-processo-nao-tramitar-meio-mails/

[2] Em licitação eletrônica os atos devem estar no sistema – https://www.conjur.com.br/2024-dez-13/em-licitacao-eletronica-os-atos-devem-estar-no-sistema/

Autores

  • é advogado, sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia, ex-assessor da Presidência da República, especialista em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e autor de cinco livros, incluindo "Licitação Pública Internacional no Brasil".

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