Opinião

A quem interessa a inconveniente Lei de Acesso à Informação?

Autor

10 de janeiro de 2025, 17h15

A Lei nº 12.527, de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação e doravante chamada apenas de LAI, entrou em vigor há pouco mais de uma década, rodeada de grandes expectativas. Os mais otimistas viam aquele momento como o início de uma nova era na administração pública brasileira, historicamente acostumada com uma cultura de segredos e conchavos. A nova lei seria uma ponte entre o antigo e o novo; entre o individualismo e o coletivismo.

É verdade que mesmo antes da entrada em vigor da LAI já vigorava o princípio constitucional da publicidade, previsto no caput do artigo 37 da Constituição. Tal princípio, todavia, devido à abstração própria deste tipo de norma, mostrou-se insuficiente para mudar a secular cultura do sigilo enraizada nos corredores da administração pública brasileira.

A cultura da transparência pública, a longo prazo, possui aptidão para revolucionar a atividade administrativa do Estado, reduzindo a corrupção no seio da máquina pública e, consequentemente, tornando os serviços públicos mais eficientes e democráticos. E é assim porque a transparência pública está intimamente associada ao controle social da coisa pública, que, por sua vez, permite ao gestor o alcance de melhores resultados para a sociedade. Rememorando as palavras de Louis Brandeis (1856-1941), juiz da Suprema Corte Americana, “a luz do Sol é o melhor detergente”.

Diante de expectativas tão positivas que foram criadas relativamente à Lei de Acesso à Informação, então porque e para quem seria a LAI inconveniente, como indica o título deste ensaio? Primeiramente, é preciso reconhecer que mesmo alguns bons servidores públicos entendem que a LAI é, em certa medida, inconveniente. Uma lei “chata”. Explica-se: o bom servidor, que é maioria esmagadora no serviço público, rotineiramente se vê obrigado a paralisar suas atividades habituais para responder a pedidos de acesso à informação, que possuem tramitação prioritária e se não forem atendidos, em regra, no prazo legal de 20 dias (artigo 11, § 1º da LAI), podem sujeitar o agente público a um processo sancionatório. Daí a má vontade de alguns em relação à LAI. Na verdade, esses bons servidores que nutrem alguma antipatia pela LAI ainda não perceberam que referida norma tem o nobre objetivo de fortalecer a Administração e, em consequência, os próprios agentes estatais.

Mas a LAI também é inconveniente para aqueles servidores públicos que vivem acorrentados a um passado de segredos que sempre marcou a administraçãopública brasileira. Os adeptos dessa cultura atrasada e personalista acham um exagero – na verdade, quase um acinte – ter que prestar contas à sociedade. Não sabem eles que seus cargos foram criados para servir à sociedade.

Para além disso, a Lei de Acesso à Informação é ainda mais inconveniente aos agentes com reduzido espírito público, pois estes, quase sempre, ocupam cargos públicos não com o propósito de servir à coletividade, mas a si próprios ou a terceiros.

Mas a Lei de Acesso à Informação é particularmente inconveniente a alguns agentes políticos descompromissados com o bem comum. Estes sempre preferiram atuar nas sombras, já que a transparência pública é uma vigorosa barreira contra a prática de desvios e outros ilícitos.

Mauro Sérgio dos Santos, procurador

A quem interessa?

Como se vê, a Lei de Acesso à Informação é inconveniente para várias classes de agentes públicos, fato que, por si, permite explicar uma certa má vontade para com a Lei, bem assim a insistente ginástica interpretativa que algumas autoridades públicas fazem com propósito de esvaziar a normatividade da LAI.

Mas se a Lei de Acesso à Informação é inconveniente para tantos agentes públicos, o que fazer com ela? A resposta é simples: prestigiá-la, fortalecê-la e divulgá-la a não mais poder. A LAI deve ser fortalecida e valorizada pelo poder público e pelo setor privado até que as estruturas arcaicas da velha administração comecem a ruir e a cultura da transparência adentre, finalmente, em todos os órgãos e entidades da Administração Pública brasileira.

E deve ser assim porque a transparência pública, como dito, é um elemento decisivo para o exercício do controle social da função administrativa e consequentemente para o fortalecimento da democracia. Não há democracia forte sem transparência, pois este sistema exige efetiva participação popular no controle da coisa pública. E, quando se fala em controle e transparência, não há dúvidas de que a LAI é hoje o principal instrumento colocado à disposição das pessoas para a fiscalização dos serviços públicos a ela prestados. Portanto, a LAI é fundamental para o alcance do interesse público, assim entendido como “o conjunto de interesses abstratos a que o poder público deve satisfazer como condição para a existência de uma sociedade democrática e politicamente justa” [1].

Se a Lei de Acesso à Informação é um tanto inconveniente para alguns agentes públicos, conforme demonstrado, a quem então interessaria tal norma? Esta é a indagação feita no título deste ensaio e cuja resposta agora parece bastante óbvia: a LAI interessa, e muito, ao conjunto da sociedade brasileira.

Para os administrados a LAI não tem nada de inconveniente; é, na verdade, uma norma essencial à consecução do bem comum. Trata-se de uma lei moderna e democrática, cuja técnica legislativa oferece medidas punitivas que imprimem a ela uma característica essencial às boas leis, que é a efetividade. Hoje já não há dúvidas de que a LAI veio para ficar, não obstante Administração, aqui e acolá, tente sabotá-la com interpretações equivocadas e conflitantes com o interesse público.

Assim, se é fato que a LAI satisfaz plenamente ao interesse público, todos aqueles que por qualquer razão a acham inconveniente devem, ainda que irresignados, cumpri-la de forma precisa e sem improvisos, pois a supremacia do interesse público sobre o particular é uma das vigas de sustentação do Direito Público.

Uma administração pública moderna, transparente, democrática e eficiente é o que a sociedade atual precisa e reclama. E este modelo de administração só pode ser alcançado com a prestação de contas por parte de todos os agentes públicos. Todos! E, para isso, a LAI é imprescindível e deve ser exaustivamente defendida, seja pela academia e pela imprensa, seja por outras entidades da sociedade civil, de modo a incutir naqueles que ainda insistem em virar as costas para a realidade, a ideia de que a transparência pública é um caminho sem volta para a modernização do Estado brasileiro.

Noutras palavras, a construção de uma administração pública avançada e orientada à satisfação do interesse público primário, assim entendido como interesse dos administrados e não de órgãos ou agentes públicos, passa necessariamente pela mudança de cultura que a LAI se propôs a fazer há mais de uma década. Essa mudança cultural ainda não se consolidou, mas, não há como negar, tem avançado a passos largos desde a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação.

 


[1] SANTOS, Mauro Sérgio dos. Curso de Direito Administrativo. 4ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2022, p. 7.

Autores

  • é doutor em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Portugal), mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, especialista em Direito Público pelo Icat/AEUDF, procurador federal da Advocacia-Geral da União, professor de Direito Administrativo na Universidade Católica de Brasília e no Centro Universitário Processus (Brasília) e autor de diversos artigos e livros jurídicos, com destaque para a obra Curso de Direito Administrativo” (4ª edição, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2022).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!