Opinião

Adicional de acúmulo de função: (in)segurança jurídica e necessidade de regulamentação

Autores

9 de janeiro de 2025, 15h11

O acúmulo de funções ocorre quando o empregado, além de suas atribuições habituais, assume também as responsabilidades parciais ou integrais de outro cargo existente na empresa. Essa situação gera um desequilíbrio entre as tarefas exigidas e a remuneração previamente acordada, podendo ocasionar enriquecimento sem causa por parte do empregador. Contudo, a execução eventual de algumas atividades não descaracteriza a identidade do cargo original nem configura, por si só, o acúmulo de funções.

O parágrafo único do artigo 456 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que, na ausência de cláusula expressa, presume-se que o empregado se compromete a desempenhar qualquer atividade compatível com sua condição pessoal. Isso significa que ele deve executar tanto as tarefas vinculadas ao cargo quanto aquelas consideradas razoáveis e condizentes com suas habilidades. Assim, cabe ao empregador, dentro de seu poder diretivo, determinar o cumprimento de tarefas compatíveis com as condições do trabalhador, sem que isso implique, necessariamente, em reajuste salarial.

Embora a CLT não trate especificamente do acúmulo de funções, a jurisprudência tem identificado elementos que ajudam a configurar tal situação. Normalmente, a Lei 6.615/78 é utilizada como referência para o cálculo de eventual adicional salarial, aplicando-se um percentual entre 10% e 40% sobre o salário, dependendo do caso.

Assim, para que seja caracterizado o acúmulo de função pelo empregado, é requisito que sejam exercidas pelo colaborador funções não acessórias ou tangenciais à sua função contratada (também denominada “principal”), e de modo concomitante, demandando maior dispêndio de energia laborativa pelo funcionário, sem que haja uma compensação adequada pelas atividades adicionais.

Alteração de contrato deve ter acordo mútuo

Contudo, não se tratando de conceito expressamente descrito na CLT, sua aplicabilidade pode gerar controvérsias. Neste sentido, o artigo 442 da CLT conceitua o contrato de trabalho como acordo tácito ou expresso entre as suas partes, significando que, a alteração de cláusulas também deve ser resultado de acordo mútuo, também em observância ao artigo 468 da referida legislação.

Ainda, em observância ao princípio da comutatividade, aplicável ao direito trabalhista, as prestações contratuais não podem ser, em hipótese alguma, desequilibradas, inclusive nas relações entre empregador e empregado.

Desta forma, quando o empregado, além de cumprir as funções pelas quais foi contratado, realiza funções extras, essas com maiores atribuições de complexidade e sem majoração salarial, de modo não eventual, é qualificado o mencionado acúmulo.

Spacca

Deve, inegavelmente, haver um acréscimo de responsabilidades em função diversa da originária, sendo gerado pela parte empregadora, em seu exclusivo benefício, um desequilíbrio contratual e, em virtude dele, a doutrina e jurisprudência entendem que o acúmulo de funções deve implicar, necessariamente, em uma majoração salarial (como forma de contraprestação remuneratória).

Importa salientar que, no direito do trabalho, o ônus da prova cabe a quem alega, em consonância com o artigo 818 da CLT e artigo 373 do Código de Processo Civil. Nesse sentido, incube ao empregado a obrigação.

Direitos do trabalhador

Na hipótese de procedência de tal pedido em caso de propositura de ação judicial, o trabalhador faz jus aos seguintes direitos: remuneração proporcional ao acréscimo de tarefas, com aumento salarial; pagamento de horas extras, caso o acúmulo de funções resulte em aumento significativo da carga horária do trabalhador. Em consequência, o reconhecimento do acúmulo de funções pode ocasionar a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do artigo 483 da CLT, com a possibilidade, inclusive, de requerer as diferenças salariais pelo acúmulo; e o reenquadramento do funcionário em cargo diferente do que fora contratado, além do recebimento das diferenças salariais.

Porém, a jurisprudência atual tem se posicionado, muitas vezes, de forma contrária ao reconhecimento do acúmulo, em casos como: exercer cargos de fiscal e segurança de supermercado (Processo 0010488-12.2022.5.03.0106), motorista e ajudante de descarga de mercadorias (Processo 21878-97.2015.5.04.0331), técnica de enfermagem e profissional de limpeza (RRAg-21332-81.2015.5.04.0027), cobrador e motorista de ônibus de transporte público urbano (Processo 100740-59.2017.5.01.0052), caixa de supermercado e empacotador de mercadorias (ARR-935-54.2014.5.20.0006) e serviços gerais e agente de tratamento de água (Processo 0012667-62.2022.5.15.0015).

Para que se reconheça o direito ao adicional por acúmulo de funções, é necessário comprovar que o trabalhador realiza atividades estranhas ao cargo para o qual foi contratado. Essas novas atribuições devem implicar maior carga horária, esforço adicional e exigência de capacidades que extrapolem as tarefas originalmente pactuadas. O grande volume de ações judiciais sobre o tema revela uma confusão frequente entre os conceitos de cargo e função. Enquanto o cargo se refere à unidade funcional dentro da organização, a função abrange o conjunto de tarefas compatíveis com a condição pessoal do empregado. Assim, acumular tarefas não equivale, necessariamente, a acumular funções.

Conclusão

Portanto, o pagamento de adicional salarial por acúmulo de funções somente se justifica quando há alteração contratual ou quando o trabalhador é incumbido de tarefas alheias àquelas originalmente previstas para seu cargo. Essas atividades devem ser desempenhadas de forma habitual e técnica, caracterizando o exercício de uma segunda função distinta, que normalmente exigiria a contratação de outro profissional. Dessa forma, o empregador estaria utilizando um único trabalhador para realizar funções que, em condições regulares, demandariam dois ou mais empregados.

Diante do aqui exposto, é possível inferir que se trata de matéria polêmica, a qual, por falta de regulamentação específica, demanda análise do Judiciário caso a caso, para verificação do cumprimento dos requisitos, doutrinários e jurisprudenciais, para seu enquadramento. Esta situação contribui para interpretações divergentes e insegurança jurídica, o que reforça a necessidade de avanços legislativos no tema.

Autores

  • é sócia e advogada no escritório Pádua Faria Advogados na área de Direito do Trabalho, graduada e mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), especialista em gestão de pessoas pelo Instituto de Pesquisas e Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Universidade de São Paulo (Pecege-USP/Esalq), e pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela USP, campus de Ribeirão Preto.

  • é graduada em direito pela Faculdade de Direito de Franca.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!