Iniciativa privada

Sites noticiosos dos EUA tomam a iniciativa de implementar o direito ao esquecimento

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7 de janeiro de 2025, 11h53

Progressivamente, sites noticiosos dos Estados Unidos estão implementando, por iniciativa própria, políticas internas que adotam o direito ao esquecimento. Estão expurgando de seus arquivos notícias antigas de pessoas que cometeram certos tipos de crime, mas já pagaram por eles.

Os sites estão deletando notícias ou as editando para eliminar delas dados pessoais e fotos, para que desapareçam dos sistemas de busca na internet. Em alguns casos, com a ajuda do Google.

Essa é uma medida expressiva nos EUA por algumas razões. Uma delas é o fato de que mais de 75 milhões de residentes no país (aproximadamente um terço da população) têm “ficha suja”, não só pela prática de crimes, mas também por pequenos delitos — ou até mesmo por terem sido presos pela polícia, mas não terem sido condenados pela Justiça.

homem preso

Nos EUA, a pessoa pode cumprir a pena, mas seu antecedente criminal continua constando em cadastros

São “fichas” que dificilmente se limpam, porque os estados não reconhecem o direito ao esquecimento (right to be forgotten), apesar do empenho de organizações de direitos civis, que querem institucionalizar esse conceito na legislação do país, e do exemplo de outros países civilizados.

Há uma forte oposição política ao direito ao esquecimento nos EUA. O principal argumento é o de que tal conceito contraria os princípios constitucionais da liberdade de expressão e da livre troca de informações. Mas também há uma convicção dos conservadores de que é preciso ser duro no crime. No caso, quem errou tem de pagar.

Assim, a pessoa pode cumprir a pena, se reabilitar, mas seu nome e seus dados pessoais continuam condenados a uma espécie de prisão perpétua. O popular mantra social no país, de que “todos têm direito a uma segunda chance”, não se emprega a essa situação.

Outra razão da importância da medida: no país, é indispensável obter um atestado de bons antecedentes para muita coisa — pode se dizer, para viver. Uma “ficha limpa” é requerida para se ter acesso a emprego, à habitação, à educação e a certas licenças profissionais ou empresariais (para abrir o próprio negócio).

Normalmente, as empresas pesquisam nomes e dados pessoais de candidatos em registros públicos, em bancos de dados terceirizados, nos mecanismos de busca da internet e nas redes sociais. Às vezes, utilizam o “sistema de rastreamento de candidatos” (ATS – applicant tracking systems).

Alguns programas de reinserção de ex-prisioneiros na sociedade aliviam a situação para alguns e, assim, evitam a condenação permanente ao desemprego.

Cinco dos 50 estados dos EUA (Califórnia, Virginia, Colorado, Connecticut e Utah) aprovaram leis que apenas minimizam (muito pouco) a situação de não esquecimento.

Esforço não organizado

Na maioria dos casos, a situação de não esquecimento se agravou com o advento da internet. As notícias em publicações impressas costumam desaparecer rapidamente — salvo por casos famosos, em que recortes das notícias permanecem em um arquivo.

Na era da internet, as notícias vão para arquivos eletrônicos (ou para a nuvem) e ficam por lá indefinidamente, a não ser que sejam apagados a pedido ou por iniciativa da publicação eletrônica. Mas cada site noticioso define, isoladamente, uma política interna que respeite o direito ao esquecimento. Não há um esforço organizado (ou centralizado) para implementá-la.

De uma maneira geral, os sites estabeleceram alguns parâmetros para decidir o que deve ou não ser eliminado dos arquivos. Não devem ser apagados, por exemplo, crimes classificados como violentos, contra a liberdade sexual, contra crianças ou corrupção.

A notícia só pode ser deletada ou editada decorridos quatro anos da publicação. O site deve criar um grupo de trabalho para checar os fatos e avaliar se deve eliminar ou editar a notícias ou, ainda, pedir para o Google desindexá-la.

Direito constitucional brasileiro

No Brasil, o direito ao esquecimento tem proteção constitucional e legal, derivada dos princípios de direito à privacidade, intimidade e honra, assegurado pela Constituição. Pode ser entendido também como uma decorrência da dignidade da pessoa humana.

Porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2021, que o direito ao esquecimento não pode ser fundamento para impedir a divulgação de fatos verídicos pelos órgãos de imprensa, por causa da passagem do tempo. Isso é incompatível com a Constituição.

Abusos ou excessos da liberdade de expressão devem ser examinados caso a caso, com base nos parâmetros constitucionais e da legislação penal e civil.

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