Da hipótese de incidência da CBS e do IBS regulamentados na reforma tributária
4 de janeiro de 2025, 6h32
Com a aprovação da Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023 — a reforma tributária —, o Congresso passou a regulamentar os novos dispositivos constitucionais.
Eis os dispositivos constitucionais, ora regulamentados:
IBS
“Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
§ 1º O imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte:
I – incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços;
II – incidirá também sobre a importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja sujeito passivo habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;”
CBS
“Art. 149-B. Os tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, observarão as mesmas regras em relação a:
I – fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos”
Assim, foi aprovado o PLP 68/2024 — Lei geral do IBS, CBS e do IS, que substituíram os cinco impostos sobre consumo: ICMS, ISS, IPI, PIS e a Cofins.
Fato gerador
O objetivo do presente artigo visa a abordar os aspectos materiais das hipóteses de incidências tributárias dos novos CBS e IBS.
Dentro dessas premissas, vale lembrar que a designação “fato gerador”, introduzida pelo publicista Gaston Jèze, é vocábulo de múltiplas significações.
Na primeira delas, bastante utilizada, fato gerador significa a hipótese de incidência tributária, isto é, aquela classe de acontecimentos que compõe o antecedente da regra matriz de incidência tributária. Assim, por exemplo, diz-se que o fato gerador do Imposto Sobre Serviços é a prestação de serviços para indicar que a “prestação de serviços” é a classe de acontecimentos que faz irradiar a incidência do tributo.
Em uma segunda acepção, o termo “fato gerador” indica o acontecimento concreto que se subsume à hipótese de incidência tributária, dando vez ao surgimento da obrigação tributária.
Assim, enquanto a primeira acepção lida com a abstração, a segunda já convive com a dimensão do concreto, do individual.
Há ainda um terceiro sentido da designação “fato gerador”, bastante utilizado, que é o critério temporal da regra matriz de incidência.
Aqui, diz-se que o fato gerador do ICMS é a saída da mercadoria do estabelecimento contribuinte, podendo dar a errada impressão que tal saída se confundiria com a hipótese de incidência do tributo, que, na verdade, tem como hipótese a realização de operação de circulação de mercadorias.
Geraldo Ataliba utiliza o termo “hipótese de incidência” para designar a previsão abstrata do antecedente da norma tributária e “fato imponível” para se referir à situação concreta.
Já Paulo de Barros Carvalho emprega o termo “hipótese tributária” para indicar o antecedente da norma geral e abstrata e “fato jurídico tributário” para designar “os enunciados proferidos em linguagem competente do direito positivo, articulados segundo a teoria das provas”, na viva ideia inspirada pelo giro linguístico de que a linguagem constitui a realidade.
Seja como for, convenhamos, a distinção conceitual e o fato de que o direito tributário, por força do artigo 110 do Código Tributário Nacional, é um direito de superposição, fica evidente um dos motivos que levou a uma “superlitigância” e falta de consensualidade no direito tributário contemporâneo.
Consensualidade de nova tributação
Fica a pergunta: a reforma trouxe consensualidade com os novos IBS e CBS?
A resposta passa inequivocamente pela análise da hipótese de incidência tributária do novo tributo que, obrigatoriamente, deverá ser analisada em conjunto com o artigo 110 do Código Tributário Nacional.
Vejamos, agora, o que o legislador complementar aprovou como aspecto material da hipótese de incidência tributária para o IBS e a CBS.
“Art. 3º Para fins desta Lei Complementar, consideram-se:
I – operações com:
a) bens todas e quaisquer que envolvam bens móveis ou imóveis, materiais
ou imateriais, inclusive direitos;
b) serviços todas as demais que não sejam enquadradas como operações
com bens nos termos da alínea “a” deste inciso;II – fornecimento:
a) entrega ou disponibilização de bem material;
b) instituição, transferência, cessão, concessão, licenciamento ou
disponibilização de bem imaterial, inclusive direito;
c) prestação ou disponibilização de serviço;”“CAPÍTULO II
DO IBS E DA CBS SOBRE OPERAÇÕES COM BENS E SERVIÇOS
Seção I
Das Hipóteses de Incidência
Art. 4º O IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou com
serviços.
§ 1º As operações não onerosas com bens ou com serviços serão tributadas
nas hipóteses expressamente previstas nesta Lei Complementar.
§ 2º Para fins do disposto neste artigo, considera-se operação onerosa com
bens ou com serviços qualquer fornecimento com contraprestação, incluindo o
decorrente de:
I – compra e venda, troca ou permuta, dação em pagamento e demais
espécies de alienação;
II – locação;
III – licenciamento, concessão, cessão;
IV – mútuo oneroso;
V – doação com contraprestação em benefício do doador;
VI – instituição onerosa de direitos reais;
VII – arrendamento, inclusive mercantil; e
VIII – prestação de serviços.”
Vejam que a identificação, no caso concreto, da hipótese de incidência depende dos conceitos de institutos de outros ramos do direito: onerosidade, doação, arrendamento, etc.
O artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN) é de extrema relevância no direito tributário, pois trata da relação entre o direito tributário e outras áreas do direito, especialmente o direito privado. O dispositivo dispõe o seguinte:
Art. 110 do CTN:
“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas constituições dos Estados, ou pelas leis orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
A superposição, nesse contexto, pode ser entendida como a interferência ou o uso de conceitos de outras áreas do direito, como o direito privado, pelo direito tributário.
O artigo 110 busca evitar que essa apropriação seja feita de maneira que modifique o sentido original dos institutos de direito privado.
Direito privado
O direito tributário pode utilizar conceitos do direito privado (como propriedade, contrato, renda, entre outros), mas deve fazê-lo sem alterar o conteúdo ou a essência desses conceitos.
A norma veda que o legislador tributário altere os institutos de direito privado para ampliar, restringir ou modificar competências tributárias previstas na Constituição.
O artigo preserva a autonomia do direito privado frente ao direito tributário, garantindo que as regras tributárias não distorçam conceitos amplamente consolidados na área privada.
A superposição de conceitos pode gerar conflitos:
-
1) Quando o direito tributário tenta usar conceitos do direito privado de maneira inadequada, pode ocorrer uma disputa sobre qual conceito deve prevalecer
-
2) Judicialização com litígios tributários surgem da tentativa de ampliar ou restringir conceitos privados para arrecadação tributária, dentre outros.
Assim, superada a fase legislativa, agora inaugura a fase de interpretação adequada dos aspectos da hipótese de incidência da CBS e IBS tudo em harmonia com o artigo 110 do CTN que visa a evitar a superposição inadequada entre direito tributário e privado, protegendo a harmonia entre as áreas jurídicas, atuando como um limitador para que o legislador tributário respeite as definições preexistentes, evitando abusos e mantendo a segurança jurídica no sistema tributário.
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