A subjetividade na avaliação do adimplemento substancial
3 de janeiro de 2025, 21h18
A conservação do negócio jurídico constitui característica fundamental da função social do contrato e, a fim de preservá-la, doutrina e jurisprudência admitem a teoria do adimplemento substancial como forma de se flexibilizar o rigor contratual, permitindo-se a manutenção do contrato parcialmente adimplido (Morais, 2024, Cap. 03).
O instituto atua como instrumento de equidade colocado à disposição do intérprete, impondo, nas hipóteses em que a extinção da obrigação pelo pagamento esteja próxima do fim, a exclusão da possibilidade de resolução do contrato, mostrando-se coerente, razoável e sensata a preservação do pacto celebrado [1]. Evidente que seu uso não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que assenta o integral e regular cumprimento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações.
Um dos principais desafios enfrentados pelos operadores do direito para aplicação da teoria é a subjetividade na avaliação do adimplemento substancial. Isso porque as partes podem ter expectativas diferentes sobre o que, de fato, constitui uma substancial performance, gerando conflitos e insegurança jurídica.
No julgamento do Recurso Especial nº 1.581.505/SC, ocorrido em agosto de 2016, sob relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a aplicação da teoria do adimplemento substancial exige que o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio. Neste ponto, como poderíamos definir determinada quantia como ínfima?
Não há, atualmente, parâmetro objetivo fixado para considerar determinado valor como ínfimo. Em verdade, o julgamento sobre a aplicação da teoria do adimplemento substancial não se prende ao exclusivo critério quantitativo, devendo ser considerados outros elementos que envolvem a contratação em exame qualitativo.
Expectativas geradas pelas partes
Ainda em 1995, alguns critérios foram elencados pelo próprio Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 76.362/MT, como: a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes e deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários.
Já em 2019, no julgamento do Recurso Especial 1.236.960/RN, a Corte Especial reforçou os seguintes requisitos:
- o grau de satisfação do interesse do credor;
- comparação entre o valor da parcela descumprida com o valor do bem ou do contrato;
- o esforço e diligência do devedor em adimplir integralmente;
- a manutenção do equilíbrio entre as prestações correspectivas;
- a existência de outros remédios capazes de atender ao interesse do credor com efeitos menos gravosos ao devedor; e
- ponderação entre a utilidade da extinção da relação jurídica obrigacional e o prejuízo que adviria para o devedor e para terceiros a partir da resolução.
Como podemos notar, esses fatores destacam a subjetividade e complexidade da aplicação da teoria do adimplemento substancial, de modo que sua aplicação é controversa, ora com julgados acolhendo-a, ora impondo maiores restrições. Portanto, a suscitação do instituto exige uma análise cuidadosa e, muitas vezes, uma mediação das partes envolvidas para resolver possíveis conflitos.
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Referências
MORAIS, Ezequiel. A Boa-Fé Objetiva Pré-Contratual – Ed. 2024. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais. 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/a-boa-fe-objetiva-pre-contratual-ed-2024/2905594953. Acesso em: 31 de dezembro de 2024.
STJ – REsp: 1581505 SC 2015/0288713-7, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 18/08/2016, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/09/2016. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/862933393. Acesso em 29 de dezembro de 2024.
STJ – REsp: 76362 MT 1995/0050635-1, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 11/12/1995, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.04.1996 p. 9917. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/547089. Acesso em 30 de dezembro de 2024.
STJ – REsp: 1236960 RN 2011/0031232-8, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 19/11/2019, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2019. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/860016982. Acesso em 30 de dezembro de 2024.
[1] TJ-GO – APL: 00503186720178090162, Relator: EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES, Data de Julgamento: 13/04/2020, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 13/04/2020.
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