Sustentabilidade financeira, equilíbrio orçamentário e dívida pública
25 de fevereiro de 2025, 8h00
A Constituição de 1988 não previu expressamente que o orçamento devesse ser equilibrado, o que passou a ser normativamente exigido no ano 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao definir que a responsabilidade fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas (artigo 1º, §1º), estabelecendo ainda que as Leis de Diretrizes Orçamentárias anuais devessem dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas (artigo 4º, I, “a”). Apenas em 2021, por meio da Emenda Constitucional 109, foi incluído o artigo 163, VIII, ordenando que lei complementar disponha sobre sustentabilidade da dívida pública, com cinco incisos especificando seu conteúdo.
Qual a noção jurídica de equilíbrio orçamentário, de sustentabilidade financeira e de sustentabilidade da dívida pública? Serão conceitos equivalentes?
Observada a teoria econômica clássica, equilíbrio orçamentário implica que receitas e despesas devem ser idênticas, impedindo o surgimento de déficits públicos. Pode haver superávits, segundo esta corrente, porém jamais déficits. Todavia, a dinâmica da atividade orçamentária nos leva a dois diferentes momentos: o da previsão e o da execução. Pode ocorrer que a previsão orçamentária esteja equilibrada, mas será que a execução seguirá este caminho?
Por outro lado, a teoria keynesiana, que se opõe ao classicismo econômico, indica a possibilidade de existirem orçamentos deficitários para combater as crises econômicas que periodicamente assolam a economia. Para esta corrente, orçamentos desequilibrados visam combater as crises e se constituem em um elemento poderoso para o soerguimento econômico. Para estes teóricos, existir uma norma que obrigue a obtenção de equilíbrio orçamentário é uma camisa de força a ser evitada, pois o desequilíbrio conjuntural ajuda a reativar a economia.
Como resolver uma situação concreta, quando as normas jurídicas estabelecem a necessidade de ser realizado o equilíbrio orçamentário? Deve esta norma ser lida com olhos contábeis-matemáticos? Entendemos que não. Esta norma deve ser interpretada como um texto jurídico e daí surgir uma norma jurídica que permita sua conjugação com a realidade e possibilite sua integração na dinâmica social.
A maneira mais adequada para ser feita a análise jurídica sobre equilíbrio orçamentário é a partir da distinção entre os diferentes tipos de receitas, despesas e créditos públicos que devem ser observados à luz dos diferentes intervalos de tempo orçamentário, que obrigatoriamente deve ultrapassar o rigoroso intervalo de 12 meses. Só a partir da conjugação desses elementos é que será possível entender o conceito jurídico de equilíbrio orçamentário, que, por sua vez, deve ser conjugado com outro conceito, o de sustentabilidade financeira, e então se pode tratar de sustentabilidade da dívida. Estes conceitos parecem idênticos, mas não o são. O conceito financeiro é mais amplo que o orçamentário – este está contigo naquele. Para sua perfeita compreensão deve-se analisar o tipo de receita, de despesa e de dívida envolvidos no respectivo orçamento, bem como o intervalo de tempo sob análise, o que é importante para fins de sustentabilidade da dívida.
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Não se deve analisar somente receitas versus despesas, sendo necessário que nesse cômputo sejam analisadas, dentre vários outros elementos, as operações de crédito e a forma de seu pagamento. Um Estado não sobrevive apenas de receitas, tributárias ou não. Um importantíssimo elemento orçamentário é o crédito público que não corresponde a uma receita, caracterizando-se como um movimento de caixa, pois é um empréstimo e deve ser pago, acrescido dos juros e outros eventuais encargos legais – dívida pública. Ou seja, não basta o equilíbrio matemático-contábil de receitas versus despesas. É imperioso verificar se tais receitas e os empréstimos públicos são sustentáveis a médio e longo prazo e não comprometerão as despesas que deverão ser realizadas, inclusive com os juros a médio e longo prazos.
Sustentabilidade a médio e longo prazos
Imaginemos uma situação em que, para fechar as contas públicas, o governo de um país obtenha um empréstimo para pagamento no exercício seguinte e com juros altos. As contas públicas daquele exercício financeiro fecharão (terão equilíbrio orçamentário no conceito clássico), mas não terão sustentabilidade financeira a médio prazo, pois, no ano seguinte, quando além dos juros terá que ser pago o principal, o desequilíbrio orçamentário estará potencialmente presente. Esta específica dívida, contudo, poderá até mesmo ser sustentável, devendo ser observada a totalidade do endividamento.
É necessário analisar a questão do equilíbrio orçamentário e da sustentabilidade da dívida à luz da sustentabilidade financeira. Não basta empatar a receita e a despesa em um exercício fiscal. É necessário que as finanças públicas tenham sustentabilidade a médio e longo prazos, em busca do cumprimento dos objetivos constitucionais estabelecidos.
Observemos sob a ótica do tipo de despesa pública que se realiza. Se a política anticíclica perseguida por um governo de tendência keynesiana buscar o pleno emprego através de despesas obrigatórias de caráter continuado, tais como a elevação da remuneração dos servidores públicos (que são irredutíveis) ou de aumento do emprego no setor público (os servidores públicos só podem ser demitidos através de falta grave), estarão presentes as condições para um persistente desequilíbrio orçamentário.
Neste exemplo, o erro está no tipo de despesa, que é rígido, que dificilmente pode ser retraído e que se incorpora aos gastos permanentes do setor público, gerando pressão por aumento das receitas. Por outro lado, se os gastos públicos forem em atividades que não possuam esta rigidez, poderá haver sua contração após o período de crise. Ou seja, o tipo de despesa pública é igualmente importante para se analisar nas políticas anticíclicas governamentais.
Algumas áreas dos gastos públicos devem ser objeto de análise extremamente cuidadosa neste processo de sustentabilidade financeira, em especial naquelas em que são fixadas regras públicas de longo prazo e que foram cumpridas pelos agentes privados com absoluta boa-fé, como no caso dos benefícios previdenciários.
Tais normas foram estabelecidas pelos sucessivos governos e os trabalhadores cumpriram sua parte no “contrato” proposto, com previsão de resultado. Não é adequado implementar mudanças que rompam a previsão longamente estabelecida, em especial quando uma delas se encontra hipossuficiente em face da idade ou de problemas de saúde – próprios daqueles que se encontram dentro do sistema de aposentadoria e pensões, ou próximo de nele adentrar. É necessário trabalhar com a noção de previsibilidade, de segurança jurídica e de direito adquirido, incorporado ao patrimônio do trabalhador que cumpriu os requisitos necessários ao longo de sua vida, que está se esgotando.
Por outro lado, observemos aquilo que os economistas clássicos chamam de regra de ouro e que foi adotada pela Constituição brasileira: só pode haver endividamento para a realização de despesas de capital. O conceito de despesas de capital nos leva ao de bens de capital — ou seja, quase equivalente ao de novas obras, prédios, construções; algo que seja incorporado valor imobilizado, que aumente o capital tangível.
Ocorre que muitos investimentos públicos não se concretizam em bens de capital, mas em valores intangíveis, tais como educação, treinamento, capacitação tecnológica, prevenção de doenças etc. Logo, se o governo decidisse obter um empréstimo público para erradicar doenças tropicais, tais como febre amarela, dengue, malária, estaria descumprindo a regra de ouro orçamentária prevista na Constituição, pois tais gastos não se caracterizam como bem de capital, a despeito de seu inconteste valor em termos sociais. Este é um problema enfrentado na aplicação desta norma.
Tudo se torna mais difícil quando o planejamento da ação governamental ocorre no período de um mandato eletivo — tal como no Brasil atual. O processo orçamentário brasileiro é composto por três leis: o Plano Plurianual (PPA), que dura quatro anos (o mesmo tempo do mandato dos chefes do Poder Executivo federal, estaduais e municipais, embora não haja coincidência de início e fim), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — lei anual que, dentre outras funções, deve estabelecer o equilíbrio orçamentário prescrito pela LRF) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), que fixa a despesa e estima a receita. Como se vê, o planejamento da ação governamental no Brasil é feito para, no máximo, quatro anos — o que é um intervalo de tempo extremamente restrito para esta importantíssima função.
As finanças e as pessoas
Enfim, para conceituar equilíbrio orçamentário é necessário considerar outras variáveis além da análise estática da receita e da despesa pública. É necessário analisar a função do crédito público, a forma de pagamento, o valor dos juros cobrados e a qualidade da despesa pública. E ver este conjunto de forma alongada no tempo, para que se possa considerar não apenas a leitura contábil-matemática deste preceito, mas sua sustentabilidade financeira em médio e longo prazos. É uma questão de justiça intergeracional o atendimento das demandas da atual geração sem sobrecarregar a futura, mas respeitando os compromissos sociais de longo curso estabelecidos na Constituição.
Sustentabilidade financeira é um termo mais amplo que equilíbrio orçamentário e que sustentabilidade da dívida, e é nesse sentido jurídico que tais conceitos devem ser compreendidos. Para que ocorra sustentabilidade financeira é necessário que seja estabelecido um lapso temporal de médio e longo prazo, e que todos os elementos financeiros que estejam à disposição daquele ente público sejam analisados de forma conjunta, podendo mesmo haver déficits públicos periódicos (anuais) visando alcançar certas metas sociais, e obter o necessário equilíbrio orçamentário dentro de um período temporal mais largo. Trata-se de uma análise dinâmica do fenômeno financeiro, e não uma análise estática, limitada a um período de 12 meses. Esta noção de sustentabilidade financeira é dinâmica como um filme, e não estática como uma fotografia, mais condizente com o conceito de equilíbrio orçamentário.
O Direito e as finanças públicas devem servir ao ser humano em sua convivência social e não transformar a vida dos indivíduos em uma tortura quotidiana, especialmente em decorrência de uma interpretação jurídica restrita que envolve a noção de equilíbrio orçamentário ou de sustentabilidade da dívida. As finanças devem fazer parte da história do ser humano e ser um capítulo no livro de sua existência, e não o contrário, isto é, não devem fazer com que o ser humano seja um singelo capítulo na história das finanças. Este é um dos papéis que deve desempenhar o Direito Financeiro.
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