Duração do trabalho e remuneração são as maiores demandas do MPT
25 de fevereiro de 2025, 8h30
* Reportagem publicada na nova edição do Anuário do Ministério Público. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br
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Capa da nova edição do Anuário do Ministério Público Brasil
O Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar, com repercussão geral, um dos temas mais espinhosos para a Justiça do Trabalho neste século: o reconhecimento de vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital. O caso, envolvendo a Uber (que por si só já gerou o neologismo uberização) deve afetar uma parcela significativa da massa de trabalho brasileira, que atua não apenas na empresa, mas também em serviços de entrega de refeições e qualquer outra plataforma que se valha deste modelo de intermediação entre prestadores de serviço. Apesar de o caso no STF ser encabeçado diretamente pela Procuradoria-Geral da República de Paulo Gonet, que ainda não deu seu parecer, o Ministério Público do Trabalho já conhece bem a questão: até maio de 2023, eram mais de 17 mil processos do tipo na Justiça do Trabalho.
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Os temas mais recorrentes abordados em processos do MPT
Ainda não há consenso sobre o tema: em dezembro de 2024, o TRT-2 (Grande São Paulo e litoral paulista) determinou que a iFood reconheça o vínculo com os entregadores que usam a sua plataforma. Em dezembro, a 14ª Turma do tribunal aplicou multa que pode chegar a R$ 10 milhões e mandou a empresa registrar todos os seus entregadores. A decisão, que contraria entendimento do STF, deve subir ao TST, onde a maior parte dos ministros já se manifestou de modo contrário ao reconhecimento de vínculo.
Apesar do retrospecto favorável às empresas pela maior parte dos ministros que já se manifestaram, o caso que o próprio TST encaminhou para a Suprema Corte apresenta argumentos que favorecem o reconhecimento do vínculo.
“Diferentemente dos táxis, em que o vínculo é estabelecido com os passageiros, o vínculo tanto dos passageiros, como dos motoristas credenciados, é com a Uber. Os motoristas ‘logados’ atendem aos chamados endereçados pelos passageiros à Uber”, escreveu o ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, do TST, na decisão. “Nessa toada, o argumento empresarial contestatório é desimportante, porque para a Uber pouco importa que o motorista tenha ‘autonomia’ para estar logado e deslogado, ou recusar corridas.”
Nessas águas, o MPT tenta desenvolver sua tese de defesa do vínculo empregatício. A Procuradoria do Trabalho de Campinas (PRT-15) chegou a desenvolver um site voltado à conscientização de trabalhadores de plataformas. Nele, os procuradores defendem o entendimento de que “quando o controle, a gestão, a organização, a supervisão do trabalho realizado e o lucro não pertencem ao trabalhador, ele é um subordinado e como tal é empregado e tem direitos do trabalho como descanso remunerado, férias, aviso prévio, jornadas não exaustivas, remuneração mínima, 13º salário, afastamentos em caso de doença ou acidentes e aposentadoria”.
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Composição e estrutura do MPT
O Ministério Público do Trabalho é um dos ramos do Ministério Público da União. Está estruturado administrativamente em 24 procuradorias regionais, que espelham a estrutura dos Tribunais Regionais do Trabalho. Conta com 782 membros, sendo 48 subprocuradores-gerais do Trabalho, que atuam junto ao TST, 142 procuradores regionais, que atuam nos TRTs, e 592 procuradores do Trabalho, que atuam nas varas e cuidam da atividade extrajudicial.
Com 31 anos de existência (desde a lei que regulamentou o Ministério Público pós-constituinte), o serviço a cargo do MPT cresce em simetria com o crescimento da Justiça do Trabalho, mas em escala bem menor. Enquanto a Justiça do Trabalhou recebeu 4,2 milhões de novos processos em 2023, o Ministério Público do Trabalho movimentou pouco mais de 450 mil processos. Uma das explicações para essa discrepância é que a Justiça lida com grande número de causas individuais enquanto o Ministério Público atua em casos de direitos difusos ou coletivos. Mas este entendimento pode estar mudando.
Em um caso relevante neste 2024, o Tribunal Superior do Trabalho garantiu a legitimidade do Ministério Público em ajuizar ação civil pública para cobrar pagamento de salários atrasados, verbas rescisórias, multa do artigo 477 da CLT, homologação de distrato, astreintes e indenização por dano moral individual. O grupo de pessoas envolvidas foi caracterizada como de “interesses individuais homogêneos” previstos no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. “Uma vez verificado o desrespeito a quaisquer dos direitos sociais constitucionalmente garantidos, o Ministério Público do Trabalho estará legitimado para propor ação civil pública.”
O MPT também logrou êxito na ação civil pública em que requeria a condenação da parte contrária em danos morais coletivos, ao deixar de cumprir as normas trabalhistas relativas ao intervalo intrajornada e pagar as verbas rescisórias de forma destoante e intempestiva. Para o TST, a ação da empresa configurou afronta à coletividade. De acordo com os dados do MP Um Retrato, em 2023, a instituição encabeçou mais de 61 mil inquéritos civis, que são procedimentos investigatórios instaurados para descobrir se um direito coletivo foi violado.
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José de Lima, o PGT no biênio 2023-2025
Parte desses direitos envolve uma chaga supostamente extinta no Brasil desde 1888: embora a Lei Áurea seja mais antiga que a própria República, é o MPT que tem de ir atrás de casos de trabalho análogo à escravidão. Em 2023, em um dos casos de repercussão nacional, 210 pessoas foram resgatadas de condições degradantes na cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. A maioria delas era proveniente de cidades da Bahia, cumpriam tarefas exaustivas e dispunham de um único estabelecimento para fazer compras, onde os produtos eram caros e os valores eram debitados direto de seus salários. Com o trabalho conjunto do MPT com o Ministério do Trabalho e Emprego e a Polícia Rodoviária Federal, essas pessoas foram liberadas e um termo de ajuste de conduta foi celebrado.
Em julho de 2024, o Ministério Público do Trabalho de Caxias do Sul conseguiu decisão favorável em pedido de tutela de urgência em uma ação civil pública relacionada a outro caso de trabalho análogo à escravidão. A decisão emitida por Vara do Trabalho de Vacaria concedeu liminar de obrigação de fazer e não fazer para evitar novas irregularidades. Os trabalhadores de uma propriedade de cultivo de maçãs estavam alojados em condições degradantes e endividados por obter itens básicos de higiene.
Em agosto, o MPT esteve em uma operação de liberação de 82 trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma fazenda de verduras em Itapeva, no interior paulista. Em outubro, 130 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão na cidade de Jeriquara, também no interior de São Paulo. A procuradora Regina Duarte da Silva celebrou TAC com o empregador, que se responsabilizou pelo pagamento de verbas rescisórias no valor aproximado de R$ 260 mil, além de se comprometer a cumprir uma série de obrigações trabalhistas, sob pena de multa por descumprimento.
Em dezembro, o MPT em São Paulo ajuizou ação contra a Volkswagen do Brasil, por supostamente ter se beneficiado de trabalho escravo em uma fazenda no Pará, na década de 1970. A empresa, que já admitira sua colaboração com a ditadura militar, negou os fatos e repudiou a denúncia.
Sobre a escala 6×1 – um assunto que deve esquentar em 2025 no Congresso Nacional — o MPT se manteve discretamente longe do centro do debate. Como o tema é regulamentado e de discussão no âmbito da Câmara dos Deputados e do Ministério do Trabalho, o MPT se reservou a apenas participar de algumas reuniões e audiências sobre o tema.
Ainda no segundo semestre de 2024, uma frente de atuação do MPT foi o combate ao assédio eleitoral — definida como a tentativa de “influenciar ou manipular voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho”. Em abril, o Conselho Nacional do Ministério Público editou recomendação onde articulou a ação para evitar este crime eleitoral.
“Da outra vez os assediadores estavam tão confiantes, ou tão fora da realidade, que faziam o assédio e divulgavam em redes sociais”, disse o procurador-geral do Trabalho José Ramos Lima Pereira ao jornal O Estado de São Paulo em setembro, referindo-se às eleições presidenciais e majoritárias de 2022. “Hoje está mais velado”, continuou, em alusão ao pleito de 2024.
Ao jornal, o procurador disse haver uma espécie de lista com “quem assedia mais”, mas que a mudança de perfil dificultou encontrar o criminoso eleitoral. “[Este ato] passou a ser mais escondido, porque o assediador é covarde”, disse Pereira ao jornal. O esforço surtiu efeito: enquanto em 2022 foram registrados 2.360 denúncias contra 1.808 empresas, até o segundo turno das eleições municipais de 2024 foram 839 denúncias contra 29 empresas, queda de quase 65% no total de casos.
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Dados da atuação judicial e extrajudicial do MPT em 2023
ANUÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASIL 2024
3ª Edição
ISSN: 2675-7346
Número de páginas: 204
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur. Clique aqui para comprar a sua edição
Versão digital: gratuita. Acesse pelo site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário de Justiça
Veja quem anunciou nesta edição
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Bottini & Tamasauskas Advogados
Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil
Décio Freire Advogados
JBS S.A.
Keppler Advogados Associados
Mubarak Advogados
Original 123 Assessoria de Imprensa
Refit
Sergio Bermudes Advogados
Warde Advogados
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