Dos incentivos fiscais no desenvolvimento do setor de telecomunicação na reforma tributária
25 de fevereiro de 2025, 21h34
A concessão de incentivos fiscais é uma realidade histórica e controversa no Brasil. Relativamente ao desenvolvimento do setor de telecomunicações, tornou-se um componente fundamental, em especial diante do cenário em que a inovação tecnológica compreende um dos pressupostos essenciais para o acesso à tecnologia por todos os brasileiros.
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Conforme dados apresentados pelo governo federal [1], a Lei nº 11.196/2005, comumente chamada “Lei do Bem”, já alavancou, desde a sua edição, cerca de R$ 205 bilhões em investimentos de empresas privadas no setor de inovação do país.
Objetivando avançar nesse propósito, a União editou o Decreto nº 5.798/2006, que trouxe diversos incentivos fiscais para as empresas do ramo das telecomunicações que exploram o campo da pesquisa tecnológica e do desenvolvimento de inovação tecnológica:
Art. 3º A pessoa jurídica poderá usufruir dos seguintes incentivos fiscais:
I – dedução, para efeito de apuração do lucro líquido, de valor correspondente à soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis como despesas operacionais pela legislação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica — IRPJ, ou como pagamento na forma prevista no § 1º deste artigo;
II – redução de cinquenta por cento do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI incidente sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos, bem como os acessórios sobressalentes e ferramentas que acompanhem esses bens, destinados à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico; (…)
V – crédito do imposto sobre a renda retido na fonte, incidente sobre os valores pagos, remetidos ou creditados a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior, a título de royalties, de assistência técnica ou científica e de serviços especializados, previstos em contratos de transferência de tecnologia averbados ou registrados nos termos da Lei no 9.279, de 14 de maio de 1996;
Crédito do IRRF
Um ponto relevante a destacar compreende justamente o benefício do crédito do IRRF, que somente poderá ser usufruído nos casos em que a beneficiária realize dispêndios em pesquisas, cujos montantes sejam equivalentes, no mínimo, a uma vez e meia o valor do benefício, no caso de empresas em áreas de atuação das extintas Sudene e Sudam, e que seja o dobro do valor do benefício, quando se tratar das demais regiões, conforme previsto no § 3º do referido decreto. [2]
Diante desse panorama, os incentivos fiscais passaram a desempenhar um papel crucial na atração de investimentos locais. Alguns entes federativos, aliás, passaram a adotar como prioridade a concessão de incentivos fiscais para angariar maiores volumes de investimentos, o que potencialmente se converte em uma infraestrutura mais robusta e eficiente, trazendo benefícios aos moradores locais e à economia.
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No âmbito estadual, é possível destacar algumas iniciativas, aqui de forma meramente ilustrativa e exemplificativa, empreendidas por Paraná e Minas Gerais, notadamente em razão do protagonismo de ambos na implementação de políticas inovadoras voltadas ao desenvolvimento econômico. Para além de suas infraestruturas robustas e localizações estratégicas, diversos fatores tornam esses estados atrativos para os investimentos, consolidando a relevância como referências federativas na adoção de medidas para impulsionar o crescimento empresarial e regional.
Programa no Paraná
O Estado do Paraná, por meio do Programa Paraná Competitivo, editou o Decreto nº 6.434/2017, com o objetivo de atrair novos investimentos, gerar emprego e renda, bem como manter a preservação das atividades empresariais, visando à manutenção da competitividade de empresas paranaenses por meio de estímulos voltados à infraestrutura, de incentivos fiscais, de fomento e de apoio técnico.
O artigo 3-A, acrescentado recentemente pelo Decreto nº 5.278/2024, tornou possível a aplicação do programa também para os estabelecimentos de telecomunicações e de informática. Em contrapartida, tais empresas poderão usufruir de incentivos fiscais como a transferência de créditos de ICMS por meio do Siscred, o diferimento de ICMS nas operações de importação e o crédito presumido correspondente a 80% do valor do ICMS:
Art. 11-E Aos estabelecimentos que buscam enquadramento no Programa Paraná Competitivo, e que realizam a industrialização de produtos eletroeletrônicos, de telecomunicação e de informática, classificados nas posições 84, 85, 90 e 94 da listagem da tabela Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM, localizados em municípios com funcionamento de Universidade Federal Tecnológica – UFTPR, de Instituto Federal do Paraná – IFPR ou de Universidade Estadual do Paraná – UEP, poderão ser concedidos os seguintes tratamentos tributários diferenciados, nos termos da Lei nº 21.341, de 2022:
I – diferimento de ICMS incidente nas operações de importação do exterior de componentes, partes e peças, para fabricação de produtos de informática, eletroeletrônicos e de telecomunicação;
II – crédito presumido correspondente à 80% (oitenta por cento) do valor de ICMS destacado na venda do produto, quando da operação de saída resultante da industrialização, em que forem aplicados os componentes, partes e peças recebidos do exterior com diferimento.
Conforme dados apresentados pela Assessoria de Assuntos Econômico-Tributários (AAET) da Sefa[3], houve um investimento, somente nos primeiros oito meses de 2024, de aproximadamente R$ 15,3 bilhões por meio do Programa Paraná Competitivo, beneficiando diversas cidades de todo o estado.
Nessa perspectiva, o Paraná tem fomentado decisivamente o desenvolvimento de setor de telecomunicações a partir do estímulo à inovação, resultando em benefícios diretos, como a criação de empregos, o aumento de renda e a melhoria da infraestrutura, além de tornar as empresas mais competitivas, com uma carga tributária reduzida.
Programa em Minas Gerais
Já Minas Gerais, por outro lado, tratou de implementar o Programa chamado Alô Minas. Lançado pela Seplag-MG, em 2020, o programa concede um crédito outorgado de ICMS para as operadoras de telecomunicação e, como contrapartida, recebe a aplicação de investimentos em infraestrutura no referido ramo.
Dentre os objetivos principais com esses investimentos, é possível destacar a expansão de telefonia móvel em distritos e localidades do estado, já com aproximadamente 140 antenas instaladas. O programa já beneficiou cerca de 100 mil pessoas, segundo os dados trazidos pelo Portal Agência Minas [4], além de promover a ampliação do acesso dos cidadãos à conectividade, a promoção do desenvolvimento social e econômico e a facilitação do acesso da população aos serviços públicos digitais.
Um dos aspectos mais importantes desses estímulos radica na inclusão digital e na conectividade em regiões remotas. Isso porque muitas das empresas evitam expandir as suas operações para as áreas rurais devido aos altos custos e à reduzida lucratividade. Porém, com a possibilidade de usufruírem benefícios fiscais, tornou-se atrativa a viabilização desses projetos, promovendo a inclusão digital e a igualdade de acesso à informação e aos serviços essenciais.
Direitos na Constituição
No âmbito da inclusão digital e da promoção de direitos, o artigo 3º da Constituição [5] estabelece como objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, o que necessariamente envolve o amplo acesso aos serviços essenciais, a exemplo da internet. Nesse contexto, a universalização do acesso às tecnologias de comunicação é vista como uma forma de garantir a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, cuja diretriz é reforçada, ademais, em diversos dispositivo constitucionais. [6]
Assim, inegavelmente, a universalização do acesso à internet e à telefonia está respaldada na Constituição, porquanto se encontra intimamente relacionada com os direitos fundamentais à comunicação, à informação e à inclusão social. Ademais, a União tem competência expressa para explorar os serviços de telecomunicações [7], indicando, dessa forma, a inegável relevância dessa infraestrutura para a sociedade.
Benefícios fiscais
Tendo isso em mente, deve-se refletir sobre o tema à luz da reforma tributária recentemente inaugurada. Nessa esteira, o artigo 384 da Lei Complementar nº 214/2025 estabeleceu que será criado um fundo específico para a concessão de benefícios fiscais (Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais na Reforma Tributária), que busca estabelecer as regras para compensar as empresas que perderão os seus incentivos fiscais com a extinção do ICMS, previsto para o ano de 2032:
Art. 384. As pessoas físicas ou jurídicas titulares de benefícios onerosos relativos ao ICMS, em função da redução do nível desses benefícios prevista no § 1º do art. 128 do ADCT, no período entre 1º de janeiro de 2029 e 31 de dezembro de 2032, serão compensadas por recursos do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais instituído pelo art. 12 da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, de acordo com os critérios e limites para apuração do nível de benefícios e de sua redução e com os procedimentos de análise dos requisitos para habilitação do requerente à compensação estabelecidos nesta Lei Complementar.
O artigo 389 da LC nº 214/2025, por sua vez, estabelece os requisitos para a concessão da habilitação da compensação, dentre os quais importa mencionar a necessidade de ser titular de benefício oneroso concedido por unidade federada, haver um ato concessivo do benefício oneroso emitido até certa data definida na Lei, bem como apresentar a regularidade cadastral perante o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ):
Art. 389. São requisitos para a concessão da habilitação ao requerente:
I – ser titular de benefício oneroso concedido por unidade federada;
II – haver ato concessivo do benefício oneroso emitido pela unidade federada:
a) até 31 de maio de 2023, ou no prazo previsto para a hipótese disposta no inciso II do parágrafo único do art. 384 desta Lei Complementar, sem prejuízo de ulteriores prorrogações ou renovações, conforme disposto no § 1º do mesmo artigo;
b) que estabeleça expressamente as condições e as contrapartidas a serem observadas pelo beneficiário;
c) cujo prazo de fruição não ultrapasse a data de 31 de dezembro de 2032; e
d) que esteja vigorando em todo ou em parte do período de que trata o caputdo art. 384 desta Lei Complementar, ainda que mediante ato de prorrogação ou renovação;
III – ter sido efetuado o registro e o depósito previstos no inciso II do art. 3º da Lei Complementar nº 160, de 7 de agosto de 2017, se aplicável tal exigência;
IV – cumprir, tempestivamente, as condições exigidas pelo ato concessivo do benefício oneroso;
V – apresentar as obrigações acessórias com as informações necessárias à aferição do benefício oneroso objeto de compensação, bem assim as em que conste o registro do próprio benefício, quando for o caso;
VI – inexistir impedimento legal à fruição de benefícios fiscais;
VII – apresentar regularidade cadastral perante o cadastro nacional de pessoas jurídicas – CNPJ.
Parágrafo único. Para fins do preenchimento do requisito de habilitação previsto no inciso IV deste artigo, o titular do benefício oneroso deverá apresentar declaração que atende tempestivamente as condições, sendo obrigatória a manifestação prévia da unidade federada concedente à concessão da habilitação.
Desse modo, resulta evidente a necessidade do preenchimento dos requisitos previstos na LC nº 214/2025 para que os interessados sejam considerados habilitados para usufruírem as compensações.
Habilitação indeferida
Por fim, a nova lei complementar também trouxe as hipóteses em que o pedido de habilitação será indeferido, suspenso ou cancelado:
Art. 390. Observado o direito à ampla defesa e ao contraditório, a habilitação será:
I – indeferida, na hipótese de o requerente não atender aos requisitos de que trata o art. 389 desta Lei Complementar;
II – suspensa, na hipótese de o requerente deixar de atender temporariamente aos requisitos de que trata o art. 389 desta Lei Complementar;
III – cancelada, na hipótese de o requerente deixar de atender aos requisitos de que trata o art. 389 desta Lei Complementar.
Parágrafo único. A suspensão prevista no inciso II do caput será revertida em caso de modificação dos elementos que levaram à suspensão, mantida a mesma habilitação previamente concedida.
Dessa maneira, os benefícios fiscais que seriam concedidos durante 2029 a 2032 acabam sofrendo um revés. Com a extinção do ICMS, as empresas não mais terão direito adquirido sobre tais incentivos, e necessariamente dependerão do preenchimento dos requisitos legais ora apresentados para usufruírem da compensação dos valores do Fundo, nos termos do artigo 389 e seguintes da Lei Complementar 214/2025.
Incertezas pairam, portanto, sobre a manutenção de incentivos relacionado com a inclusão digital e o acesso dos cidadãos à conectividade e à facilitação do acesso à Internet, de modo a impactar na expansão do setor de telecomunicação em áreas de difícil acesso afetadas com a extinção do ICMS.
[1] Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-cti/noticias/2023/11/copy2_of_em-18-anos-lei-do-bem-alavancou-r-205-bilhoes-de-investimento-privado-em-inovacao. Acesso em: 02/01/2025.
[2] Art. 3o A pessoa jurídica poderá usufruir dos seguintes incentivos fiscais: (…); § 3o O benefício a que se refere o inciso V do caput deste artigo somente poderá ser usufruído por pessoa jurídica que assuma o compromisso de realizar dispêndios em pesquisa no País, em montante equivalente a, no mínimo: I – uma vez e meia o valor do benefício, para pessoas jurídicas nas áreas de atuação das extintas SUDENE e SUDAM; e II – o dobro do valor do benefício, nas demais regiões.
[3] Disponível em: https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Parana-Competitivo-atrai-R-153-bilhoes-em-investimentos-nos-8-primeiros-meses-de-2024. Acesso em: 02/01/2025.
[4] Disponível em: https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/alo-minas-beneficia-mais-de-100-mil-mineiros-com-cobertura-de-telefonia-movel-e-internet/. Acesso em: 02/01/2025.
[5] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
[6] Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015). § 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015). § 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. § 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015). § 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. § 5º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica. § 6º O Estado, na execução das atividades previstas no caput , estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados, nas diversas esferas de governo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015). § 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vistas à execução das atividades previstas no caput. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…); V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: (…); III – o incentivo à pesquisa e à tecnologia;
[7] Art. 21. Compete à União: (…); XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
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