Inexistente responsabilidade civil do restaurante por crime cometido contra cliente
24 de fevereiro de 2025, 20h57
Recentemente, foi publicado acórdão que, após um pedido de vista e quatro adiamentos, deu provimento ao Recurso Especial nº 1.863.924/SP para afastar o dever de indenizar de uma famosa empresa que atua no ramo de restaurante fast-food. No caso julgado, um homicídio foi praticado contra um cliente que estava no interior do seu veículo estacionado na área externa da lanchonete, após ter adquirido o seu pedido pelo sistema “drive-thru”.
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Cliente foi morto no drive-thru de restaurante em SP
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, entendeu que o referido crime, além de não apresentar conexão com a atividade desempenhada pela lanchonete, era imprevisível, irresistível e autônomo, não tendo sido a prestação de serviço “drive-thru” a causa do evento danoso, mas sim sua ocasião, o que configura fortuito externo apto a romper o nexo de causalidade entre a prestação de serviço e o dano suportado pela família da vítima.
Diferentemente dos casos de roubo, que infelizmente fazem parte da realidade cotidiana das cidades brasileiras, a questão levada a julgamento envolveu um crime de execução. Vários disparos de arma de fogo foram desferidos na direção do cliente do restaurante, que foi alvejado em diferentes regiões do seu corpo. O criminoso, que se evadiu do local calmamente, nunca foi identificado.
Não há dúvidas quanto à gravidade do ocorrido. No entanto, cabe questionar: como um restaurante poderia prevenir um crime com tais características? Segundo a ministra Isabel Gallotti, “a vítima poderia ter sido executada dentro de um cinema, na rua, em qualquer local, independentemente de existir ou não câmera de segurança, como infelizmente não é incomum acontecer”.
Tribunal acerta ao preservar o princípio do nexo de causalidade
Na condição de fornecedora, não há dúvidas de que a lanchonete tem o dever de garantir a segurança dos seus clientes. Entretanto, esse dever subsiste tão somente à medida da relação entre a integridade física dos consumidores e a atividade desenvolvida no ramo da alimentação. Isto é, àquilo que guarda relação com a sua atividade empresarial.
Na presente hipótese, a procedência, higiene e qualidade dos produtos alimentícios que comercializa, e não a obrigação de disponibilizar serviço de vigilância capaz de evitar um crime praticado com o emprego de arma de fogo, absolutamente irresistível.
A execução de um cliente com disparos repetitivos de arma de fogo definitivamente não é risco iminente da atividade exercida por um restaurante fast-food. Dito isso, a condenação desse tipo de estabelecimento ao pagamento de indenização por crime cometido em área destinada ao serviço “drive-thru” é absolutamente irrazoável.
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Ainda de acordo com a ministra Gallotti, “o acolhimento de pretensões como a do gênero levaria a tornar os estabelecimentos comerciais em seguradores universais daqueles que lá se encontram momentaneamente. Isso tudo vai para o custo da atividade produtiva não só desse estabelecimento, mas de qualquer outro que, embora não tenha o dever por lei de manter segurança especial, como é o caso de bancos, qualificada a ponto de evitar um homicídio doloso, teria que responder por um fato autônomo, praticado por terceiro e completamente estranho à sua atividade comercial”.
Com efeito, a condenação de restaurantes a indenizar vítimas de crimes cometidos em suas instalações é não apenas descabida, mas também potencialmente prejudicial ao setor, gerando aumento no custo operacional, o que inevitavelmente seria repassado ao consumidor final.
Com base nesses argumentos a 4ª Turma afastou, também, a incidência da Súmula 130 do STJ, segundo a qual “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.
Iniludivelmente, muito diferente seria se, por exemplo, o delito em questão tivesse ocorrido nas dependências de uma instituição bancária, em que existe a concreta expectativa de segurança dos seus clientes em virtude da circunstância objetiva das agências bancárias guardarem altas somas de dinheiro vivo, o que demanda a presença de segurança particular ostensiva em suas dependências, ou nos estacionamentos de hipermercados e shopping centers, que se valem da legítima expectativa de segurança do cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos seus consumidores, assumindo, assim o dever de lealdade e segurança (aplicação da teoria do risco-proveito).
No caso apreciado pela 4ª Turma do STJ, repise-se, o evento danoso não tinha qualquer conexão com a atividade desempenhada pela lanchonete, que foi somente a ocasião, e não a causa do homicídio.
Portanto, ao preservar o princípio do nexo de causalidade, acertou o STJ no sentido de impedir a oneração excessiva desse relevante setor econômico, garantindo o equilíbrio das obrigações comerciais e evitando a criação de um ambiente de insegurança jurídica para empreendedores e consumidores.
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