Maiores demandas

Improbidade e crimes contra o patrimônio pautam atuação do MPF

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24 de fevereiro de 2025, 8h30

* Reportagem publicada na nova edição do Anuário do Ministério Público. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).

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Capa da nova edição do Anuário do Ministério Público Brasil

A invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no fatídico 8 de janeiro de 2023 resultou na prisão de mais de mil pessoas. Os prejuízos ao patrimônio público, com a tentativa de golpe de Estado, foram calculados em R$ 30 milhões. O Ministério Público Federal, no seu papel de identificar e garantir a responsabilização dos envolvidos, criou em três dias o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, coordenado pelo subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos. Procuradores da República foram designados para acompanhar, em regime de mutirão, 1.410 audiências de custódia das pessoas presas.

O início dos trabalhos foi marcado pelo pedido ao Supremo Tribunal Federal de abertura de inquéritos para sistematizar as investigações. Já em 16 de janeiro daquele ano, o MPF enviou o primeiro bloco de denúncias, contra 39 pessoas presas em flagrante.

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Estrutura do Ministério Público Federal

Dados do MPF mostram que, até 7 de janeiro de 2025, dois anos após os atos, já foram denunciadas 1.682 pessoas, sendo 1.204 incitadores, 407 executores, 63 financiadores e 8 autoridades. Do total, 371 foram condenados pelo STF, sendo 227 executores e 144 incitadores. Em sessão plenária do dia 14 de fevereiro, o STF condenou mais dez denunciados, por golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.

Ainda em janeiro de 2023, a Procuradoria-Geral da República pediu ao STF a inclusão do ex-presidente da República Jair Bolsonaro no Inquérito 4.921, que apura a instigação e autoria intelectual dos atos golpistas, já que, depois de publicar vídeo questionando a regularidade das eleições, teria incitado a prática do crime, previsto no artigo 286 do Código Penal.

Em novembro de 2024, a Suprema Corte enviou ao PGR o relatório da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe. Já em 18 de fevereiro de 2025, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, denunciou 34 pessoas, entre elas, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os denunciados são acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado. As peças acusatórias baseiam-se em manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens que revelam o esquema de ruptura da ordem democrática. As denúncias serão analisadas pelo relator do caso no Supremo, ministro Alexandre de Moraes.

Maior ramo do Ministério Público da União, o MPF tem atribuições nas áreas cível, criminal e eleitoral, além de atuar como fiscal da lei. Cabe a ele ingressar com ações em nome da sociedade, oferecer denúncias criminais, fiscalizar a aplicação das leis, defender o patrimônio público, zelar pelo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na Constituição e ser ouvido em todos os processos em andamento na Justiça Federal que envolvam o interesse público relevante, mesmo que não seja parte na ação. Paulo Gonet assumiu o comando da instituição no final de 2023.

A nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.430/2021) continua a gerar discussões, divergências e trabalho para o Ministério Público como um todo. Quase um terço de todos os inquéritos civis e notícias de fatos instaurados pelo MPF em 2023 tratavam do assunto. Desde que a nova lei entrou em vigor, o MPF recebeu, na primeira instância, 90.950 ações de improbidade para manifestação. O número reduziu ao longo dos anos, passando de 26.907 em 2021 para 19.544 em 2024, segundo dados do site MPF em Números. A contabilização dos processos é feita pela quantidade de vezes que o caso chegou ou saiu da instituição. Se uma ação foi submetida ao MPF quatro vezes durante um período, por exemplo, serão contabilizadas quatro entradas. O mesmo ocorre com as saídas.

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Na área cível, improbidade pautou atuação do MPF; na criminal, crimes contra o patrimônio

A norma, que alterou a antiga Lei 8.429/1992, é alvo da ADI 7.236, proposta pela Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público). Desde dezembro de 2022, encontram-se suspensos liminarmente, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, dispositivos apontados como inconstitucionais. Em sessão de maio de 2024, Gonet defendeu que seja mantida a suspensão das mudanças na lei. Para ele, alguns dispositivos, além de inconstitucionais, dificultam a punição em atos de improbidade. “A medida cautelar se justifica no que diz respeito à norma de exclusão absoluta de culpa nas hipóteses de dimensões fáticas não minudenciadas. Aqui se nota falha no dever de regular o instituto da improbidade, no que se refere ao seu núcleo básico. É também exata e oportuna a concessão da medida liminar no que tange à limitação da perda do cargo ou função ocupada”, defendeu o procurador-geral.

A Procuradoria Regional da República da 1ª Região, sediada em Brasília, mapeou e entregou ao TRF-1 uma lista de 1.971 ações de improbidade administrativa que podem prescrever em 2025. O pedido de prioridade para esses casos veio na esteira da mudança na lei que reduziu o prazo de prescrição para quatro anos após o ajuizamento da ação. Com isso, se os casos apontados não forem julgados até outubro de 2025, haverá a prescrição intercorrente.

Entendimento do STF, reforçado pelo Superior Tribunal de Justiça em outubro de 2024, definiu que os acordos de não persecução penal (ANPPs) podem ser oferecidos nas ações penais que já estavam em andamento quando da entrada em vigor do pacote anticrime (Lei 13.964/2019), desde que sem condenação definitiva. De acordo com a 3ª Seção do STJ, a oferta deverá ser avaliada pelo MP na primeira oportunidade e a análise pode ser feita de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do juiz da causa. Por unanimidade, o colegiado replicou a solução dada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 185.913.

Sobre o tema, também ficou decidido que “nas investigações ou ações penais iniciadas a partir de 18 de setembro de 2024, será admissível a celebração do ANPP antes do recebimento da denúncia, ressalvada possibilidade de propositura do acordo no curso da ação penal, se for o caso”. A decisão leva as defesas e o próprio MP a rever os casos.

O MPF tem uma atuação bastante intensa na defesa do meio ambiente. A discussão mais recente é sobre a Proposta de Emenda à Constituição 3/2022, conhecida como PEC das Praias, que prevê a transferência de terrenos de marinha para particulares. Para o MPF, o projeto representa um retrocesso ambiental. Em nota pública, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4ª CCR) destacou que a aprovação da emenda geraria impactos socioambientais graves.

Em relação ao acesso às praias, o MPF destaca que o regime das praias, que são bens de uso comum, prevalece sobre o regime de terrenos de marinha. “Entretanto, o cercamento dos terrenos de marinha e acrescidos contíguos às praias, que não mais estariam sob a fiscalização da União poderia fomentar a utilização de praias de modo privativo e excludente, prejudicando o acesso a estes bens de uso comum pela população”, diz a nota. Além disso, afirma que a urbanização e a expansão das fronteiras do perímetro urbano podem gerar modificações substanciais nos indicadores de qualidade ambiental e de saúde.

Acordo para maior responsabilização, nas esferas cível, criminal e administrativa, por crimes ambientais que ocorram em qualquer bioma brasileiro foi assinado em novembro de 2024 entre o MPF e a Advocacia-Geral da União. Com isso, as duas instituições vão compartilhar documentos e informações em ações judiciais não sigilosas, além daquelas produzidas nos inquéritos destinados à instrução de demandas judiciais pertinentes à reparação do dano decorrente de crimes ambientais em biomas brasileiros. “A nossa colaboração recíproca e institucional está rendendo frutos e queremos que continue assim”, afirmou o PGR, Paulo Gonet.

 

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Atuação extrajudicial e judicial do MPF em 2023 (clique aqui para ampliar a imagem)

Para ampliar a presença do MP nas regiões Norte e Centro-Oeste do país, principalmente na Amazônia, o MPF, em 2022, criou e implantou 30 ofícios socioambientais. Cinco foram alocados na Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e cinco na Amazônia Oriental (Pará, Amapá e Mato Grosso); dez foram destinados à atuação coordenada na tutela ambiental na Amazônia Ocidental e Oriental e dez, à defesa dos povos indígenas e das comunidades tradicionais da região. Foram abertos escritórios avançados do MPF em pontos estratégicos da Amazônia e da região da fronteira seca.

Na 4ª fase do Projeto Amazônia Protege, o MPF ajuizou 193 ações civis públicas contra 647 réus diante de desmatamentos ilegais na Amazônia registrados entre 2020 e 2022. Os processos cobram R$ 1,3 bilhão de indenização por danos ao meio ambiente, além da reparação de 147 mil hectares de floresta degradados. A área equivale a quase 206 mil campos de futebol.

Nos últimos anos, o MPF conseguiu instalar um Gaeco em todas as suas unidades. Os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado são formados por 94 procuradores da República e 71 servidores. Em 2023, portaria para ampliar a sua estrutura foi assinada, com a criação de mais cargos em comissão e vagas destinadas a servidores. “Essa reorganização administrativa faz parte do esforço de ampliar e fortalecer a atuação do MPF no enfrentamento da macrocriminalidade e da corrupção, com a destinação de recursos materiais, tecnológicos e humanos”, explicou o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, então coordenador da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão – Criminal.

Outra novidade em relação aos Gaecos foi a a criação da Doutrina de Inteligência Criminal para disciplinar, padronizar e orientar a atuação de membros e servidores que integram esses grupos federais. Durante encontro nacional de coordenadores dos grupos, o ex-PGR Augusto Aras destacou que a macrocriminalidade exige o uso de novas ferramentas e métodos de investigação.

** Reportagem atualizada em fevereiro de 2025

ANUÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASIL 2024
3ª Edição
ISSN: 2675-7346
Número de páginas: 204
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur. Clique aqui para comprar a sua edição
Versão digital: gratuita. Acesse pelo site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário de Justiça

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