Opinião

Financiamento de litígios: transformação e desafios no sistema de Justiça

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23 de fevereiro de 2025, 7h00

O financiamento de litígios tem ganhado espaço no Brasil como ferramenta para ampliar o acesso à justiça. Trata-se de um mecanismo pelo qual terceiros investem em disputas — responsabilizando-se pelos custos e despesas inerentes aos procedimentos necessários à sua solução — em troca de uma parcela do resultado financeiro que vier a ser obtido pela parte financiada. Embora consolidado em países como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália, o modelo ainda gera dúvidas e debates no Brasil, especialmente no que se refere a sua regulamentação e impacto no equilíbrio processual.

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O sistema de justiça multiportas, por sua vez, se baseia na ideia de que disputas podem ser resolvidas por diferentes meios, além da via judicial tradicional. Arbitragem, mediação, negociação e comitês de resolução de disputas são algumas dessas alternativas. A escolha do meio adequado a cada tipo de conflito depende das particularidades do caso e das partes envolvidas. O financiamento de litígios se insere nesse cenário ao oferecer suporte financeiro para aqueles que, de outra forma, não poderiam acessar determinadas vias de solução de conflitos – como a arbitragem, por exemplo – cujos custos podem ser elevados e frequentemente afastam litigantes com menor disponibilidade de recursos.

O financiamento pode equilibrar forças entre litigantes, impedindo que partes economicamente mais fortes usem o aspecto financeiro como instrumento de pressão. Além disso, ao permitir que disputas viáveis avancem sem comprometer a liquidez do financiado, o mecanismo incentiva soluções mais estratégicas e bem planejadas. Em um ambiente em que a busca pela efetivação do sistema de justiça multiportas tem se tornado uma constante, isso significa que um maior número de disputas pode ser resolvido com o uso de métodos adequados, sem que limitações financeiras ditem a escolha do meio de solução – e levem as partes, necessariamente, a buscar o Poder Judiciário.

Foco em disputas estratégicas

Apesar dos benefícios evidentes, contudo, há questões que se deve ter sempre em mente, como a obrigatoriedade de transparência quanto à existência do financiamento e os instrumentos necessários para evitar conflitos de interesse e preservar a autonomia das partes. O Brasil ainda carece de um marco regulatório específico e vinculante sobre o tema – não obstante a existência de diretrizes e orientações de instituições arbitrais a esse respeito –, o que torna importante o debate em busca da construção de boas práticas que, por que não, podem se estender também a grandes litígios no Poder Judiciário.

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Com efeito, uma abordagem contemporânea para o financiamento de litígios pode envolver seu uso em disputas estratégicas em âmbito judicial, especialmente envolvendo setores altamente regulados, multifacetados ou com grande complexidade técnica. Esse modelo pode permitir maior previsibilidade financeira para partes que enfrentam litígios dispendiosos e fomenta soluções mais equilibradas, notadamente em razão do uso de algoritmos para análise preditiva de viabilidade processual, que tornam o financiamento mais eficiente e minimizando riscos de investimentos em litígios pouco promissores.

Alívio da sobrecarga de processos

Outro aspecto relevante é o impacto que esse modelo pode ter na eficiência do Poder Judiciário. Ao fomentar soluções mais bem estruturadas e viabilizar soluções estratégicas, o financiamento pode contribuir para a redução da sobrecarga judicial, incentivando soluções extrajudiciais e reduzindo o tempo de tramitação de processos complexos.

O financiamento de litígios tem um grande potencial para fortalecer o acesso à justiça e a consolidação do sistema de justiça multiportas, tornando-o mais acessível e eficiente. O tema merece atenção e aprofundamento para que se consolide como um mecanismo positivo no sistema jurídico brasileiro, proporcionando equilíbrio e oportunidades mais adequadas para todos os envolvidos.

 


[1] Doutora em Direito pela UFMG. Professora de Processo Civil do Ibmec. Advogada especialista em solução de disputas estratégicas.

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