Opinião

Juiz da recuperação judicial é incompetente para fixar taxa de ocupação a credor fiduciário

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  • é advogada pós-graduanda em Auditoria Contabilidade e Perícia Contábil pós-graduada em Direito Civil Processo Civil e Empresarial autora de artigos e capítulos de livros sobre Direito Empresarial e sócia da Auxilia Consultores – Administração Judicial.

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22 de fevereiro de 2025, 17h27

A Lei nº 14.711/2023, conhecida como “marco legal das garantias”, trouxe mudanças significativas no cenário da recuperação de crédito no país, com importantes alterações legislativas. No âmbito da Lei nº 9.514/1997, que trata sobre a alienação fiduciária de bens imóveis, enfatiza-se a introdução do artigo 37-A, que estabelece a obrigatoriedade do pagamento, pelo fiduciante, de uma taxa de ocupação ao credor fiduciário.

Essa taxa, fixada em 1% do valor do imóvel por mês ou fração, torna-se exigível a partir da consolidação da propriedade fiduciária até a efetiva imissão na posse pelo credor. Trata-se de uma compensação financeira ao credor fiduciário pelo período em que estiver privado do exercício pleno dos direitos sobre o bem [1].

Alienação fiduciária e recuperação judicial

Com o objetivo de reduzir o custo do crédito no Brasil, o legislador recuperacional optou por excluir tais credores dos efeitos da recuperação judicial do empresário individual ou sociedade empresária fiduciante [2].

Isso ocorre porque, nessa modalidade de garantia, a propriedade do bem é transferida ao credor de forma resolúvel, devendo retornar ao patrimônio do devedor na hipótese de adimplemento contratual [3].

No entanto, ocorrendo o inadimplemento por parte do fiduciante, via de regra, autoriza-se a retomada do objeto da garantia pelo credor fiduciário, revertendo-se a propriedade plena a seu favor, sem que o procedimento fique sujeito aos efeitos da recuperação judicial, exceto, todavia, tratando-se de bem essencial ao desenvolvimento da atividade empresária, ocasião em que deve permanecer com o devedor enquanto durar o stay period, à luz do disposto no art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005 [4].

Juízo recuperacional e a fixação da taxa de ocupação

É nesse contexto que surgem diversos requerimentos urgentes ao juízo da recuperação judicial, principalmente quando, após a consolidação da propriedade, é designado o subsequente leilão.

Por parte do devedor fiduciante, normalmente, os requerimentos giram em torno do cancelamento do praceamento. Já por parte do credor, os pedidos principais de manutenção do leilão costumam vir acompanhados de pedidos alternativos, como o de fixação da taxa de ocupação enquanto perdurar a essencialidade do imóvel.

Spacca

Daí exsurge uma questão relevante: seria o juízo recuperacional competente para deliberar sobre a fixação da taxa de ocupação antevista?

Jurisprudência sobre o tema

Embora a recuperação judicial possua um escopo amplo e seja voltada à superação da crise econômico-financeira do devedor, não há falar em “juízo universal”, tal como ocorre nas falências [5]. Há demandas envolvendo o empresário devedor exigem o manejo da via processual adequada, garantindo a ampla produção de provas e o respeito ao contraditório.

Os Tribunais de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF) e de São Paulo (TJ-SP) têm afastado a competência do juízo recuperacional para deliberar sobre a taxa de ocupação. O acórdão proferido no Agravo de Instrumento nº 1.238.124 (Processo 07178872320198070000), de relatoria da exma. desembargadora Sandra Reves, e a decisão no Agravo de Instrumento nº 2200352-03.2024.8.26.0000, relatado pelo exmo. desembargador Carlos Alberto de Salles, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP, são exemplos claros desse entendimento.

Ambas as decisões são categóricas no que diz respeito à incompetência, isto porque a temática repercute na necessidade de uma abordagem processual adequada para assegurar o devido processo legal, com ampla instrução probatória, incompatíveis com as diretrizes restritas e especiais do procedimento recuperacional.

Mesmo porque, esta fixação pressupõe que todas as etapas até o registro da consolidação da propriedade na matrícula do imóvel ocorreram a bom termo, observando-se desde a adequação dos valores para purgação da mora, até a escorreita intimação pessoal do devedor e quitação dos respectivos impostos [6], elementos estes que, necessariamente, transcendem a competência do juízo da recuperação judicial.

Conclusão

É importante esclarecer que o presente artigo não refuta a fixação da taxa de ocupação. Pelo contrário, essa medida é absolutamente válida e encontra amplo respaldo legal e jurisprudencial. O que se busca demonstrar é que sua fixação não deve ser direcionada ao juízo da recuperação judicial, uma vez que este não detém competência para tratar da matéria, conforme entendimento jurisprudencial que vem se formando sobre o tema.

Logo, deve ser conduzida pela via processual adequada, mediante ação autônoma, com vistas à segurança jurídica dos envolvidos e à preservação da funcionalidade do processo recuperacional.

 


Bibliografia:

AYOUB, Luiz R. A Construção Jurisprudencial da Recuperação Judicial de Empresas. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. E-book. p.134. ISBN 9788530991357. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530991357/. Acesso em: 17 fev. 2025.

BESSA, Mateus Castello Branco A. Alienação Fiduciária de Bem Imóvel: Questões Processuais. São Paulo: Grupo Almedina, 2023. E-book. p.99. ISBN 9786556278179. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786556278179/. Acesso em: 18 fev. 2025.

DIAS, Maria Rita Rebello Pinho. Juízo da recuperação: particularidades das hipóteses do artigo 6º, §§ 7º-A e 7º-B.  Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-abr-25/direito-insolvencia-juizo-recuperacao-hipoteses-artigo/#:~:text=Ao%20contr%C3%A1rio%20da%20fal%C3%AAncia%2C%20n%C3%A3o,neg%C3%B3cios%20da%20empresa%20em%20crise. Acesso em: 18 fev. 2025.

SACRAMONE, Marcelo B. AMARAL; Fernando Lima Gurgel do. Constrição sobre bens de capital essenciais e exigência de taxa de ocupação. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-16/direito-insolvencia-constricao-bens-capital-essenciais-taxa-ocupacao/. Acesso em: 17 fev. 2025.

REsp n. 1.953.180/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 25/11/2021, DJe de 1/12/2021.

[1] BESSA, Mateus Castello Branco A. Alienação Fiduciária de Bem Imóvel: Questões Processuais. São Paulo: Grupo Almedina, 2023. E-book. p.99. ISBN 9786556278179. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786556278179/. Acesso em: 18 fev. 2025.

[2]SACRAMONE, Marcelo B. AMARAL; Fernando Lima Gurgel do. Constrição sobre bens de capital essenciais e exigência de taxa de ocupação. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-16/direito-insolvencia-constricao-bens-capital-essenciais-taxa-ocupacao/. Acesso em: 17 fev. 2025.

[3] REsp n. 1.953.180/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 25/11/2021, DJe de 1/12/2021.

[4] AYOUB, Luiz R. A Construção Jurisprudencial da Recuperação Judicial de Empresas. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. E-book. p.134. ISBN 9788530991357. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530991357/. Acesso em: 17 fev. 2025.

[5] DIAS, Maria Rita Rebello Pinho. Juízo da recuperação: particularidades das hipóteses do artigo 6º, §§ 7º-A e 7º-B.  Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-abr-25/direito-insolvencia-juizo-recuperacao-hipoteses-artigo/#:~:text=Ao%20contr%C3%A1rio%20da%20fal%C3%AAncia%2C%20n%C3%A3o,neg%C3%B3cios%20da%20empresa%20em%20crise. Acesso em: 18 fev. 2025.

[6] BESSA, op. cit., p.99.

Autores

  • é advogada, pós-graduada em Auditoria, Contabilidade e Perícia Contábil, pós-graduada em Direito Civil, Processo Civil e Empresarial, autora de artigos e capítulos de livros sobre Direito Empresarial e sócia da Auxilia Consultores.

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