Influencers, sorteios e operações policiais: nem tudo é crime
21 de fevereiro de 2025, 13h18
A exploração de rifas e sorteios por influenciadores digitais tem sido uma prática disseminada nas redes sociais, fato que desperta a curiosidade da sociedade como um todo e, cada vez mais, tem atraído a atenção de autoridades estatais para possíveis práticas criminosas. Entretanto, a complexidade e algumas particularidades atuais dessa prática recomendam cautela na condução de operações policiais (assim como na veiculação de tais operações pela imprensa), para que não se confunda a exploração ilegal de jogos de azar com a divulgação, também por influenciadores, de sorteios regulamentados e lícitos, que não configuram qualquer crime ou contravenção penal.
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Por mais difundidas que atualmente sejam a divulgação e a operacionalização de rifas e sorteios por influenciadores digitais, essa atividade, desprovida de autorização, continua a ser concebida pela legislação brasileira como uma contravenção penal, o que tem justificado as diversas intervenções policiais nesse mercado.
E, apesar de tal contravenção penal possuir uma reduzida gravidade em relação à respectiva pena prevista em lei, as acusações por essas práticas normalmente são acompanhadas da acusação também de prática do crime de lavagem de dinheiro (em razão de transações financeiras suspeitas, destinadas a dificultar a identificação da origem ilícita do patrimônio obtido por meio dos sorteios, ou a dificultar a sua própria localização, do que é exemplo conhecido o ato de aquisição de bens de alto valor em nome de terceiros) e do crime de organização criminosa (quando essas práticas envolvem quatro ou mais pessoas, em associação minimamente organizada), crimes com graves repercussões penais, seja em relação à possibilidade de restrição da liberdade, seja em relação à realização de bloqueios patrimoniais (sobretudo por decorrência da acusação de prática do crime de lavagem de dinheiro).
Completamente diferente dessa realidade é a promoção de sorteios, com ou sem a veiculação de bens de luxo, quando relacionados a títulos de capitalização na modalidade filantropia premiável, que igualmente podem ser (e têm sido) divulgados ao público por influenciadores digitais, a fim de potencializar o alcance das vendas dos títulos e, consequentemente, ampliar o seu resultado filantrópico.
Trata-se, nesse caso, de um produto lícito e criteriosamente regulamentado e fiscalizado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), instituição responsável pela aprovação de cada título de capitalização disponibilizado ao mercado, como determinado na Circular Susep nº 656/2022. Na dinâmica da capitalização filantrópica, parte do valor pago pelo adquirente do título é destinado a compor uma quota de sorteio, sendo esse o principal atrativo para a aquisição dos títulos; outra parte, compõe uma quota de capitalização, cujo direito de resgate é automaticamente cedido pelo adquirente em prol de entidade beneficente de assistência social, razão da natureza filantrópica dessa modalidade de título.
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Esse é um importante mecanismo de arrecadação de fundos para entidades beneficentes de assistência social, expressamente admitido pela Lei nº 14.332/22, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro. Aliás, é essa mesma Lei que admite que as próprias entidades beneficentes destinatárias dos fundos arrecadados promovam o investimento na divulgação e na promoção de novos sorteios, o que é nada mais do que lógico, dado o interesse da entidade em aumentar o potencial comercial do produto, a arrecadação de valores e, por consequência, os repasses aos seus próprios cofres.
Não há prática criminosa na divulgação
Naturalmente, uma das tantas estratégias atuais de divulgação dos títulos de capitalização é a realização de parceria comercial com influenciadores digitais, pessoas com amplo alcance publicitário e significativo potencial comercial. Nessa sistemática, é esperado que caiba ao influenciador uma remuneração (que pode advir do valor investido pela entidade beneficente) pela divulgação em suas redes sociais dos sorteios correspondentes ao título de capitalização e realizados por instituição financeira, tudo devidamente fiscalizado pela Susep.
Ou seja, não há qualquer prática criminosa ou contravencional na divulgação, por influenciadores digitais, de sorteios de valores ou bens quando relacionados a títulos de capitalização, assim como é igualmente lícito o investimento de valores por entidades beneficentes, no âmbito da dinâmica desses títulos, para promoção das vendas, inclusive com pagamentos a influenciadores responsáveis pela divulgação dos sorteios, a título de remuneração. É possível que se problematize quais deveriam ser os limites percentuais dos valores investidos pelas entidades para a divulgação dos sorteios; mas, sem que exista uma regulamentação específica a esse respeito, não há como se afirmar qualquer prática criminosa ou contravencional nessa prática.
É preciso, portanto, que se compreenda adequadamente a distinção dessa atividade lícita em relação à promoção pura e simples de rifas e sorteios não autorizados, especialmente para que se evite a exposição indevida da imagem de pessoas e empresas que atuam em um mercado rigorosamente regulamentado no Brasil.
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