Reforma tributária à luz da EC nº 132/2023 e da LC nº 214/2025: do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo
19 de fevereiro de 2025, 17h19
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A estrutura tributária brasileira é frequentemente apontada como uma das mais complexas do mundo. Nesse contexto, a busca por simplificação, racionalização e maior justiça fiscal motiva debates recorrentes sobre a reforma tributária. Recentemente, a Emenda Constitucional nº 132, de 2023 e a Lei Complementar nº 214, de 2025, despontaram como instrumentos legais de grande relevância para o redesenho do sistema tributário nacional. Entre as mudanças propostas, destacam-se a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e a instituição de um novo tributo: o Imposto Seletivo (IS).
Neste breve artigo, analisaremos, em três partes, as principais motivações da reforma tributária, o papel da Emenda Constitucional nº 132, de 2023, e da Lei Complementar nº 214, de 2025, no ordenamento jurídico e, por fim, os detalhes acerca dos novos tributos e suas repercussões.
Contexto e motivação para reforma tributária
A necessidade de reformar o sistema tributário brasileiro decorre de fatores históricos, econômicos e administrativos. Por um lado, a profusão de tributos — federais, estaduais e municipais — gera complexidade e insegurança jurídica. Contribuintes precisam lidar com diferentes legislações, bases de cálculo e obrigações acessórias, o que onera a atividade econômica e reduz a competitividade do país. Por outro lado, as constantes disputas judiciais em torno de fatos geradores, incidência e competência para fiscalizar e arrecadar tributos acabam por gerar custos elevados ao Estado e ao contribuinte.
Além disso, o Brasil enfrenta desafios para criar um ambiente de negócios mais atrativo a investimentos, tanto nacionais quanto estrangeiros. Uma tributação mais simples e transparente tende a impulsionar a produtividade e a competitividade das empresas, colaborando para o crescimento econômico. Também se discute a necessidade de aumentar a progressividade do sistema tributário, de forma a distribuir melhor a carga tributária entre os diversos segmentos da sociedade, a fim de se superar a flagrante regressividade que hoje impõe aos mais pobres o alto peso da carga tributária no Brasil.
Nesse cenário, reforma tributária buscou simplificar, modernizar e tornar mais justa a arrecadação, de modo que se corrijam assimetrias estruturais (sobretudo a regressividade), torne a tributação menos complexa, aumentando os investimentos estrangeiros e a conformidade dos contribuintes brasileiros e modernizando a legislação tributária. Com esse escopo, a Emenda Constitucional 132, de 2023, e a Lei Complementar nº 214, de 2025, surgem como normativas cruciais para a implementação dessas mudanças, estabelecendo bases para a reestruturação da legislação tributária e adequando as competências tributárias dos entes federativos.
Emenda Constitucional nº 132, de 2023 e Lei Complementar nº 124, de 2025
A Emenda Constitucional 132, de 2023, introduziu alterações substanciais na própria Carta Magna, direcionando-se a reordenar a repartição de competências tributárias entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Dentre seus pontos centrais, destacam-se:
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Unificação de bases tributáveis: a emenda estabelece critérios para a fusão ou substituição de alguns tributos de competência federal, estadual e municipal, de forma a reduzir a sobreposição de incidências.
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Previsão de novos tributos: a Constituição passou a prever expressamente a possibilidade de instituição do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo, definindo princípios e limites para sua aplicação, o que foi levado a efeito pela Lei Complementar nº 214, de 2025.
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Harmonização entre os entes: busca-se garantir que a tributação seja distribuída de maneira equitativa, evitando a guerra fiscal entre estados e promovendo um ambiente mais coerente para negócios e investimentos.
Já a Lei Complementar nº 214, de 2025, é a lei de caráter infraconstitucional que regulamenta diversos dispositivos previstos na Emenda Constitucional nº 132, de 2023. Ou seja, detalha a forma de incidência, os procedimentos de cobrança e as regras de transição para os novos tributos.
Dentre suas principais inovações, podemos citar:
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Regulamentação do IBS: estabelece alíquotas de referência, hipóteses de isenção e regimes especiais, bem como determina critérios de partilha de receitas entre as esferas de governo.
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Disciplina da CBS: define sua natureza jurídica como contribuição, lista as obrigações acessórias para os contribuintes e as regras de não cumulatividade.
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Criação do Imposto Seletivo: a Lei Complementar nº 214, de 2025, indica as mercadorias e serviços que estarão sujeitos a esse tributo, com foco em bens que geram externalidades negativas (caso de produtos de tabaco, bebidas alcoólicas e outros itens específicos).
A Emenda e a Lei Complementar, em conjunto, formam o arcabouço fundamental para viabilizar a proposta de Reforma Tributária. Embora ainda exista divergências e discussões quanto às alíquotas definitivas, critérios de distribuição das receitas e prazos de implementação, o texto normativo já oferece diretrizes para que os órgãos administrativos e os contribuintes se preparem para a transição.
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Análise dos novos tributos: IBS, CBS e Imposto Seletivo
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)
O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é considerado o pilar central dessa reformulação. Inspirado em modelos de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) utilizados em diversos países, o IBS busca unificar tributos como ICMS (estadual) e ISS (municipal).
Características principais:
Não cumulatividade: a ideia é permitir que os contribuintes deduzam do montante devido os valores pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva.
Alíquota uniforme: tende a existir uma alíquota básica aplicável de forma geral a bens e serviços, embora a Lei Complementar nº 214, de 2025, abra espaço para alíquotas específicas em setores sensíveis.
Substituição de tributos: reduz o número de impostos incidentes sobre o consumo, diminuindo a complexidade e a sobreposição de regras.
Competência compartilhada: a arrecadação do IBS será repartida entre estados, Distrito Federal e municípios, conforme critérios estabelecidos em lei, tendo por base, em geral, o destino do bem ou serviço (local de consumo).
Vantagens e desafios:
Simplicidade: unificar diversos tributos em um só tende a diminuir obrigações acessórias e custos de compliance.
Transparência: o contribuinte passa a entender melhor a carga tributária incidente.
Desafio federativo: a implementação efetiva do IBS envolve conciliar interesses distintos de estados e municípios, que hoje dependem de tributos como ICMS e ISS para compor suas receitas.
Período de transição: é previsto um período para que empresas e órgãos públicos se adaptem ao novo sistema de escrituração e apuração.
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)
A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) surge como uma forma de substituir as contribuições sociais atualmente vigentes (sobretudo PIS e Cofins) sob um regime mais simples e com regras de não cumulatividade mais claras e restritas às especificidades constitucionais.
A CBS mantém a essência de contribuição social destinada ao financiamento da seguridade (ou áreas específicas a serem definidas em lei), mas com sistemática de apuração inspirada em um imposto de valor agregado.
Principais pontos de atenção:
Base de cálculo: incide sobre a receita decorrente da venda de bens e serviços, com exclusões e isenções também disciplinadas na Lei Complementar nº 214, de 2025.
Alíquotas: podem variar conforme o tipo de atividade, embora a proposta busque unificar ao máximo as alíquotas para evitar tratamentos diferenciados e a complexidade daí decorrente.
Recolhimento: permanece sob competência da União, que se responsabiliza por sua gestão e fiscalização.
Não cumulatividade: prevista para garantir que somente haja incidência sobre o valor agregado em cada etapa.
Imposto Seletivo
O Imposto Seletivo é uma inovação pensada com o objetivo de onerar produtos que causam externalidades negativas, bem como regular o consumo de determinados bens. Assim, itens como cigarros, bebidas alcoólicas, combustíveis fósseis e outros poderão ser objeto de alíquotas mais elevadas, visando tanto desestimular o consumo quanto gerar receita específica para gastos públicos correlacionados (saúde, meio ambiente etc.).
Abrangência e finalidades:
Foco em setores específicos: normalmente, setores ligados a produtos nocivos à saúde ou ao meio ambiente.
Finalidade extrafiscal: além de arrecadar, o Imposto Seletivo possui nítido caráter de regulação e indução de comportamentos (por exemplo, reduzir o consumo de bebidas açucaradas ou de combustíveis poluentes).
Gestão da arrecadação: embora exista a possibilidade de distribuição desses recursos entre entes federativos, em muitos casos a maior parte ficaria com a União, dada a competência para criar impostos de caráter seletivo.
Desafios: definir quais produtos serão abrangidos, como medir seu impacto social e ambiental e determinar alíquotas proporcionais ao grau de nocividade.
Considerações finais e perspectivas
A reforma tributária capitaneada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2025, e pela Lei Complementar nº 214, de 2025, representa o intento de simplificação do complexo sistema tributário brasileiro. Ao criar o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo, o legislador busca aproximar o país das melhores práticas internacionais, baseadas em tributos sobre valor agregado e em sistemas mais transparentes e equitativos.
Entretanto, o sucesso das mudanças depende de diversos fatores:
Coordenação federativa: a transição e implementação dos novos tributos exigem conciliação de interesses entre União, estados e municípios, de forma a garantir a sustentabilidade fiscal de cada ente.
Estabilidade regulatória: investidores e contribuintes necessitam de segurança jurídica, de modo que eventuais oscilações políticas e regulamentares podem prejudicar a adoção plena das regras.
Tecnologia e capacitação: a unificação de tributos em plataformas únicas de arrecadação e fiscalização demanda investimentos em tecnologia e treinamento de servidores e contribuintes.
Ajustes e aprimoramentos: mesmo após a vigência das novas regras, é provável que surjam necessidades de ajustes pontuais, seja para corrigir distorções, seja para atualizar parâmetros de alíquotas.
Em última análise, a proposta se justifica pela necessidade de alinhamento do Brasil a um modelo tributário mais eficiente e menos burocrático. A introdução do IBS e da CBS, aliada à criação de um Imposto Seletivo, voltado para produtos específicos, demonstra a preocupação do legislador em estabelecer um sistema com maior racionalidade, sem descurar de aspectos extrafiscais.
Ao ser implementada de forma gradual e coordenada, a reforma tributária poderá tornar o ambiente de negócios mais competitivo e favorecer o desenvolvimento socioeconômico do país a médio e longo prazos.
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