Opinião

Tema 1.367 e modulação da ADC 49 pelo STF: decisão contraria segurança jurídica

Autor

17 de fevereiro de 2025, 17h17

O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a modulação dos efeitos da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, no âmbito do Tema 1.367, reacendeu um debate crucial sobre a coerência e previsibilidade do sistema tributário brasileiro. Ao permitir a cobrança retroativa do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, a Suprema Corte criou um cenário de incerteza e contrariou fundamentos anteriormente adotados.

A controvérsia sobre o ICMS em transferências internas já vinha sendo discutida há décadas. A jurisprudência do STF historicamente reconhecia que o imposto incide apenas em operações comerciais entre partes distintas, o que foi consolidado no Tema 1.099, quando a corte reafirmou que a mera movimentação de estoque dentro da mesma empresa não configura circulação jurídica e, portanto, não deve ser tributada.

Contudo, apesar dessa decisão, a modulação dos efeitos da ADC 49 estabeleceu que os Estados poderiam cobrar o ICMS entre o período de 21 de abril de 2021 a 31 de dezembro de 2024. Isso significa que empresas que confiaram na jurisprudência do próprio STF, especialmente a firmada no Tema 1.099 (com efeitos erga omnes e vinculantes), podem agora ser surpreendidas com cobranças retroativas, contrariando o princípio da segurança jurídica.

Limites do pedido e contradição do STF

O pedido de modulação feito pelo estado do Rio Grande do Norte, ao ajuizar a ADC 49, não visava permitir novas cobranças. Seu objetivo era apenas garantir a validade dos lançamentos tributários já realizados, ou seja, evitar que tributos recolhidos com base na legislação então vigente fossem questionados.

Porém, ao ampliar os efeitos dessa modulação para permitir a cobrança retroativa, o STF extrapolou os limites do pedido. Esse ponto é crucial, pois a própria corte, em casos como a ADI 2.779-DF, já havia estabelecido que, embora o tribunal possa reinterpretar fundamentos, deve respeitar os limites da impugnação formulada na petição inicial.

Além disso, a decisão entra em choque com a sistemática de julgamento do próprio STF. No Tema 885, que tratou dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária, a corte reconheceu que decisões tomadas sob repercussão geral e ações de controle concentrado possuem o mesmo peso e devem ser aplicadas de forma coerente. Ao decidir pela cobrança retroativa do ICMS nas transferências, o STF criou um cenário de incerteza quanto à hierarquia entre os julgamentos de ADCs e recursos extraordinários com repercussão geral, minando a previsibilidade jurídica.

Segurança jurídica para quem?

A segurança jurídica tem sido frequentemente utilizada pelo STF para justificar a modulação de efeitos em matéria tributária. No julgamento do RE 593.849/MG, por exemplo, a corte impediu que estados fossem obrigados a devolver valores de ICMS-ST recolhidos em montantes superiores ao efetivamente devido, alegando que a devolução impactaria os cofres públicos.

Spacca

Esse entendimento, no entanto, parece não se aplicar aos contribuintes quando o resultado favorece a Fazenda. No caso da ADC 49, a decisão do STF inverte a lógica da proteção jurídica, permitindo que os estados cobrem retroativamente o imposto de empresas que simplesmente seguiram a jurisprudência consolidada do próprio tribunal.

O raciocínio adotado na modulação dos efeitos do ICMS-ST – de que mudanças jurisprudenciais não devem criar surpresas para o Fisco – deveria ser aplicado igualmente aos contribuintes. Afinal, se a mudança da jurisprudência é equiparada à criação de um novo tributo, então, da mesma forma que o Estado não pode ser prejudicado, as empresas tampouco deveriam ser penalizadas.

Impactos da decisão para empresas e o mercado

A decisão do STF não é apenas uma questão de hermenêutica jurídica. Seu impacto econômico pode ser devastador para diversos setores. Grandes varejistas, indústrias e distribuidores operam com transferências internas de mercadorias diariamente. Até então, confiando na jurisprudência vigente, muitas empresas não destacavam o ICMS nessas atividades.

Agora, com a nova decisão, essas empresas podem ser surpreendidas com lançamentos fiscais inesperados, gerando passivos tributários retroativos e afetando fluxo de caixa, investimentos e competitividade.

A insegurança jurídica gerada pela decisão também pode impactar a percepção internacional do Brasil como destino de investimentos. Se nem mesmo uma decisão do STF com repercussão geral pode ser considerada definitiva, como garantir estabilidade para empresários e investidores?

Conclusão

A modulação da ADC 49 impõe aos contribuintes uma responsabilidade que deveria ser do próprio Estado: garantir previsibilidade e coerência em suas decisões. Ao permitir a cobrança retroativa do ICMS em transferências que já haviam sido consideradas não tributáveis, o STF abre um precedente perigoso, no qual decisões favoráveis à Fazenda Pública são moduladas para protegê-la, enquanto decisões favoráveis aos contribuintes são moduladas para penalizá-los.

Se a segurança jurídica foi um argumento válido para evitar que os Estados devolvessem valores pagos indevidamente, deveria ser igualmente válida para evitar que os contribuintes sejam surpreendidos com cobranças retroativas.

No fim das contas, a pergunta que fica é: por que o STF protege o Estado da insegurança jurídica, mas não protege aqueles que confiam em suas próprias decisões?

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!