Opinião

Apropriação de créditos de PIS/Cofins sobre outorgas em contratos de concessão

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  • é advogado tributarista sócio do escritório Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados graduado em Direito pela Unoesc e especialista em Direito Tributário pela Unoesc.

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17 de fevereiro de 2025, 16h24

A possibilidade de apropriação de créditos de PIS e Cofins sobre valores pagos a título de outorga em contratos de concessão pública vem ganhando cada vez mais importância na prática jurídica e econômica. O tema desperta o interesse não apenas de operadores do direito, mas também de agentes públicos e privados que atuam em setores concedidos — a exemplo de limpeza urbana, saneamento, energia e infraestrutura de transportes. Neste artigo, propõe-se uma análise do arcabouço normativo e jurisprudencial que embasa a tese de creditamento e, em seguida, discorre-se sobre os potenciais reflexos econômicos dessa interpretação.

A não cumulatividade de PIS e Cofins no ordenamento brasileiro

A sistemática de não cumulatividade para PIS e Cofins foi inserida na Constituição por meio da Emenda Constitucional 42/2003, que acresceu o § 12 ao artigo 195. Tal dispositivo prevê que a lei defina os setores de atividade econômica para os quais as contribuições sociais incidentes sobre a receita (PIS/Cofins) serão não cumulativas.

Em âmbito infraconstitucional, as Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 regulamentaram essa não cumulatividade, estipulando hipóteses de geração de créditos que podem ser abatidos do montante devido. Contudo, essas leis não explicitaram de modo exaustivo o conceito de “insumos”. O artigo 3º, II, de ambas se limita a prever a possibilidade de creditamento sobre bens e serviços “utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços”.

A ausência de definição exata suscitou inúmeras controvérsias entre contribuintes e a Receita Federal (RFB), principalmente porque o Fisco, em atos infralegais (como instruções normativas), adotou uma leitura restritiva, equiparando insumos aos bens e serviços diretamente empregados na industrialização ou na prestação de serviços de modo estritamente vinculado à atividade-fim.

O julgamento do STJ no REsp 1.221.170/PR e o critério de essencialidade e relevância

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) debruçou-se sobre a controvérsia acerca do conceito de insumo no REsp 1.221.170/PR, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos (Temas 779 e 880). Nessa oportunidade, consolidou-se o entendimento de que o critério para aferir se determinado bem ou serviço se enquadra como insumo deve basear-se em sua essencialidade ou relevância para a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte.

Essencialidade: refere-se àquilo que, se retirado da cadeia produtiva ou da prestação de serviços, inviabilizaria, de maneira concreta, o desenvolvimento da atividade-fim, comprometendo seriamente o resultado final.

Relevância: mesmo que não seja imprescindível ao ponto de inviabilizar a atividade, o bem ou serviço ainda pode ser considerado insumo quando se mostra importante ao resultado, seja por determinação legal (por exemplo, equipamentos de proteção individual) ou por peculiaridades do processo produtivo (como algumas certificações de qualidade ou serviços específicos impostos por contrato).

A partir dessa construção jurisprudencial, a leitura restritiva adotada pela RFB foi considerada ilegal, pois limitava o creditamento apenas a custos e despesas diretamente relacionados à produção. O STJ deixou claro que a abrangência do conceito de insumo deve ser aferida caso a caso, sempre considerando se a despesa é essencial ou relevante para a obtenção do resultado econômico da empresa.

Contratos de concessão e a outorga como condição indispensável

Os contratos de concessão pública, disciplinados essencialmente pela Lei nº 8.987/1995, transferem ao concessionário a execução de um serviço público em seu próprio nome e sob sua conta e risco. Em contrapartida, o concessionário submete-se a cláusulas contratuais que podem incluir obrigações pecuniárias expressivas, como o pagamento de uma “outorga”.

Spacca

Em geral, a outorga consiste em um valor (fixo, variável ou misto) pago ao poder concedente para que o concessionário possa explorar determinado serviço ou infraestrutura pública. Tais condições decorrem de licitação prévia, em que o edital e o próprio contrato estabelecem percentuais ou quantias que devem ser periodicamente recolhidas ao ente público.

No caso de serviços como limpeza urbana, gestão de resíduos, fornecimento de água e esgoto e demais segmentos de saneamento, a outorga figura como parcela fundamental do acordo, constituindo obrigação financeira que, se descumprida, acarreta sanções administrativas, podendo chegar até à rescisão contratual.

Essencialidade e relevância dos valores de outorga

A partir do critério fixado pelo STJ (essencialidade e relevância), é possível sustentar que os valores pagos a título de outorga preencham ambos os requisitos.

Essencialidade: Sem o pagamento de outorga, o concessionário sequer poderia iniciar ou manter a exploração do serviço. O inadimplemento acarretaria sanções e, em último caso, a perda do direito de operar o serviço público concedido. Logo, a outorga é elemento que se vincula diretamente à atividade-fim da concessão.

Relevância: A outorga não é apenas uma formalidade contratual. Via de regra, o poder concedente costuma dedicar os recursos recebidos a ações de fiscalização, melhorias ou até subsídios cruzados entre diferentes serviços públicos. Desse modo, o pagamento da outorga pode ser visto como imposto pela própria legislação de regência das concessões ou pelo edital que rege o certame, o que evidencia a relevância da despesa para a continuidade da atividade econômica.

Em suma, se o concessionário deixa de pagar a outorga, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato é rompido, e a própria prestação do serviço resta inviabilizada. Não se trata de um custo meramente acessório, mas de obrigação fundamental que garante a titularidade ou continuidade do empreendimento concedido.

Reflexos econômicos e possíveis controvérsias

O reconhecimento de que a outorga equivale a um insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins traz repercussões positivas na esfera econômica:

Redução da carga tributária: ao gerar créditos passíveis de abatimento, diminui-se o valor final das contribuições devidas, atenuando o custo operacional do concessionário.

Maior equilíbrio financeiro: o concessionário tem melhores condições de sustentar o investimento no longo prazo, o que pode refletir na modicidade tarifária de serviços públicos concedidos e na melhoria de infraestrutura.

Segurança jurídica: na medida em que se consolida, no Judiciário, a interpretação de que a outorga atende aos critérios de essencialidade ou relevância, os agentes econômicos passam a ter mais clareza ao estruturar sua contabilidade e ao apresentar suas declarações fiscais.

Entretanto, é comum que as autoridades fiscais questionem essa forma de creditamento, sobretudo devido a entendimentos antigos e mais restritivos, ou mesmo à ausência de previsões expressas em atos normativos. Assim, muitos concessionários optam por buscar o Judiciário a fim de obter decisões que reconheçam esse direito.

Principais argumentos para o reconhecimento do creditamento

Imposição legal ou contratual: se a outorga deriva de contrato de concessão regido por lei específica e edital de licitação, ela não é de natureza facultativa, mas sim compulsória, o que corrobora sua inclusão como despesa essencial.

Atividade inerente ao objeto social: o concessionário existe para prestar determinado serviço público; portanto, o pagamento da outorga viabiliza precisamente o objeto que gera a receita tributada por PIS e Cofins.

Coerência com o princípio da não cumulatividade: a não cumulatividade busca evitar o bis in idem no recolhimento das contribuições. Ao não permitir o crédito da outorga, o Fisco estaria gravando mais de uma vez a mesma base econômica, pois a receita decorrente da prestação do serviço já sofre a incidência de PIS e Cofins.

 Aspectos práticos para o contribuinte

Os concessionários que pretendam apropriar créditos de PIS e Cofins relativos às outorgas devem observar alguns cuidados:

Organização da documentação: manter arquivados os contratos de concessão, editais, comprovantes de pagamento e relatórios que evidenciem o nexo entre a despesa e a prestação do serviço.

Consultas formais: considerar a possibilidade de formular consultas à RFB ou de solicitar soluções de consulta, embora a resposta oficial possa divergir do entendimento jurisprudencial.

Ações administrativas ou judiciais: se houver divergência do Fisco ou glosa de créditos, a via judicial pode ser o melhor caminho para consolidar o direito ao creditamento, tendo em vista o posicionamento do STJ sobre o conceito de insumo.

Conclusão

A discussão acerca da apropriação de créditos de PIS e Cofins sobre as outorgas em contratos de concessão pública está diretamente associada à interpretação dos critérios de essencialidade e relevância, consagrados pelo STJ no julgamento do REsp 1.221.170/PR. Na medida em que o pagamento da outorga se mostra indispensável à exploração do serviço concedido, e não apenas um custo facultativo, os concessionários encontram amparo legal e jurisprudencial para defender o creditamento das contribuições.

Do ponto de vista econômico, a adoção desse entendimento tende a reduzir a carga tributária e a equilibrar melhor as contas das empresas que assumem serviços públicos de interesse coletivo. Diante do posicionamento consolidado do STJ, as glosas de crédito por parte do Fisco tendem a perder força, ainda que eventuais divergências persistam no âmbito administrativo.

Em última análise, a essencialidade do custo com a outorga dialoga com o princípio da não cumulatividade, pois, sem ela, o concessionário não pode prestar o serviço que gera a receita tributada por PIS e Cofins. Recomenda-se, portanto, que as empresas em regime de concessão avaliem criteriosamente a tese e, em caso de resistência do poder público, estejam preparadas para levar a discussão ao Judiciário, buscando a segurança jurídica necessária para a consolidação de seus negócios.

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  • é advogado tributarista, sócio do escritório Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados, graduado em Direito pela Unoesc e especialista em Direito Tributário pela Unoesc.

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