Opinião

O novo Imposto sobre Valor Agregado e suas diferenças com o sistema tributário vigente

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  • é proprietário da Hasse Advocacia e Consultoria pós-graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Universidade da Região de Joinville (Univille) ex-professor na Universidade Regional de Jaraguá do Sul (Unerj) professor na Católica de Santa Catarina e conselheiro OAB-SC.

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15 de fevereiro de 2025, 15h24

A estrutura tributária brasileira é marcada pela complexidade e fragmentação dos tributos indiretos, o que gera desconformidades econômicas e desafios para o ambiente de negócios, de modo que a reforma tributária propõe mudanças significativas no sistema atual, com destaque para a instituição de novos tributos que buscam aproximar a tributação sobre o consumo daquilo que se conhece por “Imposto sobre Valor Agregado” (IVA), o qual busca simplificar a tributação e corrigir distorções que afetam a competitividade e o crescimento econômico.

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O modelo atual de tributação do consumo é caracterizado por uma repartição das competências entre a União, estados e municípios que, no seu exercício, instituem tributos sobre materialidades juridicamente distintas — ICMS para circulação de mercadorias, ISS sobre a prestação de serviços, e PIS e Cofins sobre o faturamento —, mas que, no fim, são economicamente repassados no preço dos produtos e serviços e, assim, igualmente suportados pelo consumidor.

Essa complexidade, representada por diversas incidências tributárias sobre as mesmas operações, gera, para além de insegurança jurídica, altos custos de conformidade para as empresas e um cenário de intensa litigiosidade, uma vez que os tributos acabam sendo acumulados no preço final, sem considerar, ainda, a utilização de benefícios fiscais, por parte dos estados e municípios, para atrair negócios às suas circunscrições, o que se conhece como guerra fiscal.

Diante desse cenário, o novo modelo de IVA surge como uma proposta de solução para harmonizar e simplificar a tributação sobre o consumo no Brasil, sendo, nos termos da EC 132/2023, composto pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre estados, municípios e Distrito Federal, e pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que será de competência da União — ambos com as mesmas bases de incidência e regras de aplicação, conforme artigos 156-A e 195, inciso V, da Constituição [1].

Simplificação da tributação

Essa configuração busca, ao menos em teoria, a simplificação da tributação através da unificação da base tributária sobre uma única materialidade (operações com bens e serviços) e redução das sobreposições de competência (já que só existirão dois tributos), ao mesmo tempo em que respeitaria o pacto federativo, garantindo arrecadação parecida a todos os entes federativos.

A tributação sobre o consumo tem como um de seus pilares mais importantes a chamada não cumulatividade tributária, princípio e técnica de tributação que visa a evitar que, ao longo de uma cadeia de circulação de bens ou serviços, haja uma cobrança sobreposta de tributos que produza um efeito em cascata, de forma que, para sua efetivação, ao calcular o tributo sobre a comercialização de um bem ou serviço, é necessário que sejam abatidos os valores já recolhidos na etapa anterior (ALCOFORADO, 2024, p. 244).

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Atualmente, entretanto, com as diversas hipóteses de incidência diferentes, como a prestação de serviços sendo onerada pelo ISS, imposto municipal, e a comercialização de mercadorias onerada pelo ICMS, imposto estadual, por exemplo, a efetivação da não cumulatividade acaba sendo impossível, afinal uma empresa que venda mercadorias não consegue compensar, no ICMS, os valores que seus prestadores de serviço repassaram no preço da prestação de serviços (ISS),

A uniformização das regras de incidência sobre as operações com bens e serviços e a competência compartilhada entre estados e municípios, no caso do IBS, em tese resolveria essa problemática, na medida em que todas as operações gerariam crédito, e com isso haveria uma redução no preço do produto final.

Ocorre que, por outro lado, quando analisada de forma mais cuidadosa, essa equação pode não ser tão simples de ser resolvida, uma vez que, do outro lado da simplificação ao contribuinte, busca-se manter a arrecadação equilibrada entre os entes tributantes, assim como assegurar sua autonomia, pois, como dito, necessário manter inalterado o pacto federativo.

Autonomia de estados e municípios

Uma das críticas mais recorrentes ao novo sistema é a redução da autonomia dos estados e municípios, uma vez que, embora ainda sejam livres para estabelecer as alíquotas dos tributos, a disciplina jurídica do tributo e do chamado Comitê Gestor ficou reservada à Lei Complementar, de competência da União, o que pode gerar uma nova ordem de conflitos que respingarão aos contribuintes.

Isso porque, a despeito da redução do número de tributos, não se deve esperar uma redução da arrecadação tributária propriamente dita, de forma que as alíquotas serão mais altas, podendo chegar a 26,5%, de acordo com a Lei Complementar n. 214/2015, editada para disciplinar os novos tributos (IBS e CBS) no âmbito infraconstitucional.

Com alíquotas mais altas, a não cumulatividade, expressa no artigo 156-A, inciso VIII, da Constituição [2], precisa ser assegurada de maneira cuidadosa a todos os setores da atividade, pois, caso contrário, haverá prejuízos significativos, principalmente às pequenas empresas, que têm menor capacidade de absorver os custos tributários. Também podem ser prejudicadas as prestadoras de serviços, já que a folha de salários, que representa a maior parte de seu custo, em tese não gerará créditos (NUNES, DELGADO; 2024, p. 43).

Dentre os potenciais efeitos indiretos da arrecadação única em alíquota fixa, tem-se a diminuição do poder de compra dos consumidores diante do aumento do preço do produto final, a diminuição da lucratividade das empresas em virtude da redução do consumo, e a redução na competitividade das empresas (NUNES, DELGADO; 2024, p. 45).

Créditos da não cumulatividade

Dentre todas as problemáticas que vêm sendo apontadas, aquela que talvez gere a maior necessidade de atenção por parte dos contribuintes é a mudança de paradigma quanto ao aproveitamento dos créditos da não cumulatividade. Isso porque, apesar de ser mais amplo, o artigo 47 da Lei Complementar 214/2025 [3] condiciona a utilização dos créditos à extinção do crédito tributário por parte dos fornecedores.

A implicação é que todos os contribuintes precisarão tratar os custos tributários de sua atividade como custos principais, pois, caso se mantenham inadimplentes, impedirão seus adquirentes de usar seus créditos, tornarão suas operações mais custosas, e poderão sofrer prejuízos frente à sua concorrência. Além disso, podem ter parte do valor pago por seus adquirentes retido para o pagamento dos valores tributários que ainda não tenham sido recolhidos, instituto controverso que ficou conhecido como split payment.

Não bastasse, as vendas efetuadas por empresas sujeitas ao regime do Simples Nacional, que em tese não se sujeitarão ao IBS e ao CBS, não vão gerar créditos aos seus respectivos adquirentes (artigo 47, §3º, Lei 214/2025 [4]), o que pode implicar uma inequívoca preferência por contribuintes que não estejam no regime do simples nacional, violando os princípios do tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, disposto também na Constituição.

Em resumo, portanto, muito embora a reforma tributária possa trazer uma simplificação tributária quando considerado o sistema como um todo, existem uma série de incertezas nas alterações que, quando analisadas sobre setores e empresas específicas, podem trazer mudanças preocupantes, capazes de afetar os preços, custos de atividade, e aspectos concorrenciais (NUNES, DELGADO; 2024, p. 46).

É fundamental que as empresas busquem entender os efeitos para discutir eventuais distorções inconstitucionais e, além disso, compreendam a forma como os novos tributos exigirão a reformulação de suas políticas tributárias, seus contratos, e políticas comerciais, de maneira que possam se manter relevantes perante sua concorrência.

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Referências

ALCOFORADO, Antônio Machado Guedes. A Não Cumulatividade do Iva-dual (CBS e IBS) Prevista na Proposta de Reforma Tributária. Revista de Direito Tributário da APET, São Paulo, n. 49, p. 239 – 263, out. 2023/mar. 2024. Disponível em: https://revistas.apet.org.br/index.php/rdta/article/view/602/502. Acesso em 01 fev. 2025.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 fev. 2025.

BRASIL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 10 fev. 2025.

NUNES, F. H. P.; DELGADO, J. S. A Implementação do Imposto de Valor Agregado (IVA) no Brasil. Disciplinarum Scientia, Santa Maria, v. 20, n; 1, p. 35 – 48, 2024. Disponível em: https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/disciplinarumSA/article/view/4810/3302. Acesso em: 01 fev. 2025.

 


[1] Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: V – sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar.

[2] Art. 156-A – VIII – será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição.

[3] Art. 47. O contribuinte sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos do IBS e da CBS quando ocorrer a extinção por qualquer das modalidades previstas no art. 27 dos débitos relativos às operações em que seja adquirente, excetuadas exclusivamente aquelas consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos do art. 57 desta Lei Complementar, e as demais hipóteses previstas nesta Lei Complementar.

[4] Art. 47 – § 3º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, nas aquisições de bem ou serviço fornecido por optante pelo Simples Nacional.

Autores

  • é proprietário da Hasse Advocacia e Consultoria, pós-graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Universidade da Região de Joinville/SC (Univille), ex-professor na Universidade Regional de Jaraguá do Sul/SC (Unerj), professor na Católica de Santa Catarina e conselheiro OAB/SC.

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