Opinião

Passaporte arbitral: entre Londres e Rio, a travessia rumo ao STJ

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14 de fevereiro de 2025, 21h41

Existe um livro intitulado O Óbvio que Ignoramos, de Jacob Pétry, que explora como certas verdades costumam ser negligenciadas até que as circunstâncias as tornem incontornáveis. A arbitragem, como não poderia deixar de ser, não escapa desse fenômeno. Às vezes, é preciso um litígio complexo, um Judiciário abarrotado e a intervenção do Superior Tribunal de Justiça para que o que já deveria estar claro finalmente seja reconhecido.

ConJur

Em breve, o Superior Tribunal de Justiça deve analisar, nos autos do REsp 2.179.098/RJ (2024/0402725-7), um caso que envolve um dos temas mais complexos da arbitragem: internacionalização de sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil. Isso porque, neste processo, é discutida a nacionalidade e, também, a homologação de uma sentença estrangeira no contexto de procedimento conduzido sob regulamentos estrangeiros, como os da London Court of International Arbitration (LCIA).

Melhor explicando: o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) considerou que uma sentença arbitral proferida no âmbito da LCIA deveria ser qualificada como estrangeira, já que o local da arbitragem, conforme estipulado pelas partes, foi Londres, Inglaterra — mas a controvérsia se deve, aqui, ao fato de que grande parte do procedimento foi realizado no Brasil, local em que os próprios árbitros residem.

O critério adotado pelo Judiciário carioca é correto e incontestável: pouco importa a nacionalidade dos árbitros, a aplicação da lei brasileira ou o uso do português. O único fator relevante é a sede arbitral, conforme estabelecido pelo legislador (artigo 34, parágrafo único).

Porque, veja bem: a classificação de uma sentença arbitral como nacional ou estrangeira tem consequências diretas e substanciais em sua execução e eventual anulação no Brasil. Se for nacional, a decisão arbitral possui força de título executivo judicial, podendo ser executada nos moldes do Código de Processo Civil (CPC) sem a necessidade de qualquer validação adicional. Além disso, pode ser objeto de ação anulatória, nos termos do artigo 33 da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996).

Por outro lado, se for considerada estrangeira, sua eficácia no país depende de prévia homologação pelo STJ, conforme exige o artigo 35 da mesma lei. E aqui reside um ponto importante: a não homologação de uma sentença arbitral estrangeira opera, na prática, como sua anulação no território nacional. Isso porque, sem a homologação, a decisão simplesmente não produz qualquer efeito jurídico interno, tornando-se juridicamente inexistente para todos os fins.

O Brasil como jurisdição confiável

Por certo, este não é um tema novo no cenário jurídico nacional, tanto que em outro artigo, intitulado “A homologabilidade da sentença arbitral estrangeira anulada: um estudo à juz do Direito brasileiro e Comparado”, foram abordadas essas diversas nuances do processo de homologação/anulação.

Adotamos o critério territorial para definir a nacionalidade de sentenças arbitrais, considerando estrangeira toda decisão proferida fora do território nacional, independentemente de outros fatores, como a nacionalidade das partes ou o local de realização de atos processuais.

O episódio agora traz à tona a importância de uma interpretação rigorosa, porém equilibrada, da legislação arbitral nacional, sempre considerando o viés pró-arbitragem estabelecido pela Convenção de Nova York. Nesse sentido, a decisão do TJ-RJ, ao admitir o recurso especial interposto, demonstra a relevância da matéria e a necessidade de uma análise cuidadosa pela Corte Superior.

Enquanto é aguardado o desfecho, é fundamental que o Judiciário brasileiro continue a dialogar com as práticas internacionais e se posicione como um ambiente favorável à arbitragem, tanto nacional quanto internacional. Afinal, decisões como essa moldam a percepção global sobre o Brasil como uma jurisdição confiável para a solução de disputas internacionais.

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