Opinião

O que o STF ainda não decidiu sobre a inconstitucionalidade do IOF?

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  • é advogado de Tax no escritório William Freire Advogados pós-graduando em Direito Tributário pelo Ibet e Graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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14 de fevereiro de 2025, 17h21

Uma das primeiras lições que se aprende, quando se passa a estudar o Direito Tributário, é que a exigência de qualquer tributo demanda o respeito absoluto à regra matriz de incidência tributária, comumente chamada de “RMIT”.

Segundo explica a doutrina [1], essa regra é composta por um:

(i) Antecedente, em que se define (i.a) o critério material; (i.b) o critério espacial; e o (i.c) critério temporal da exação, isto é, a conduta que se praticada em um determinado espaço-tempo atrai o dever de recolher valores aos cofres públicos; assim como um

(ii) Consequente, no qual é definido (ii.a) o critério quantitativo; e (ii.b) o critério pessoal da exação, isto é, o valor que deve ser recolhido para determinado ente público, por determinado sujeito qualificado pela lei como contribuinte (juris et de jure).

Por mais “batida” que possa parecer essa segregação doutrinária, ela segue sendo útil no seu papel de realizar o princípio da estrita legalidade (artigo 150, inciso I, da Constituição c/c artigo 97, do CTN). E, no texto de hoje, pretende-se demonstrar que essa segregação é imprescindível para que se possa compreender adequadamente o que ficou decidido pela Suprema Corte, no Tema nº 104/STF e na ADI nº 1.763/DF, assim como, o que ainda pode ser debatido/enfrentado em futuros leading cases.

Objeto debatido no Tema nº 104/STF e na ADI nº 1.763 (análise superficial e exclusiva do critério material do IOF)

Conforme se extrai do acórdão que julgou o RE nº 590.186 (Tema n.º 104/STF), a constitucionalidade do artigo 13, da Lei nº 9.977/1999 foi analisada à luz do artigo 153, inciso V, da Constituição, que é o responsável por delimitar a materialidade/signo presuntivo de riqueza que pode ser tributada pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Isso fica claro, não só pela ementa daquele leading case – em que consta que “o mútuo de recursos financeiros de que trata o artigo 13 da Lei 9.779/99 se insere no tipo ‘operações de crédito’, sobre o qual a Constituição autoriza a instituição do IOF (artigo 153, V)” – como, também, da própria fundamentação do recurso extraordinário do contribuinte, resumida pelo relator, ministro Cristiano Zanin, nos seguintes termos:

“Com efeito, aduz a recorrente que “a discussão dos autos versa sobre a exigência de IOF nos contratos de mútuo entre empresas pertencentes ao mesmo grupo empresarial”, e que “faltam subsídios para a incidência do IOF nas relações entre particulares”. Por fim, alega que “no contrato de mútuo não há concessão de crédito, mas sim, torna-se o mutuante obrigado a restituir ao mutuário o que dele recebeu”, sendo “incontestável que não se insere no conceito de operação de crédito o contrato de mútuo realizado entre pessoas jurídicas e entre estas e pessoas físicas” [2].

Por se tratar de um controle difuso de constitucionalidade, que limita a atuação da Suprema Corte aos pontos levados à discussão pelas partes, a análise feita pelo STF se resumiu a definir:

(a) se o contrato de mútuo é sinônimo/está abarcado pelo conceito de “operações de crédito” de que trata o artigo 153, inciso V, da Constituição;

(b) se a cobrança do IOF sobre operações que não envolvam instituições financeiras extrapolaria a função regulatória do imposto, já que, segundo o contribuinte recorrente, “é apenas a função regulatória/extrafiscal do IOF que justifica […] a mitigação do princípio da legalidade (art. 153, § 1º) e a não incidência das anterioridades constitucionais (art. 150, § 1º)”; e

(c) se a tese debatida, naquela ocasião, também afetaria os contratos de conta corrente, firmados entre empresas de um mesmo grupo econômico, já que esse tema foi suscitado pelas duas entidades admitidas no feito como amicus curiae.

Reprodução

Ao final daquele julgamento, o STF definiu (a) que o contrato de mútuo possui a mesma materialidade das operações de crédito tratadas pelo artigo 153, inc. V, da Constituição; e que (b) embora o IOF tenha uma função extrafiscal, este imposto não se resume a isso, pelo que também poderia incidir sobre operações que não envolvam instituições financeiras. Já no que diz respeito à aplicabilidade da tese aos contratos de conta corrente, (c) o STF decidiu que o assunto não estava suficientemente prequestionado, pelo que a tese proposta naquela ocasião não se aplicaria imediatamente a eles [3].

Vê-se, portanto, que naquele leading case o STF analisou, apenas, um único aspecto do antecedente da regra matriz de incidência tributária, isto é, o critério material, já que o acórdão se limitou a definir se a conduta abstratamente prevista pelo Constituinte (como tributável pelo IOF) pressupunha a participação de uma entidade financeira, junto à operação de crédito.

Tendo a Suprema Corte compreendido que esse não era um pressuposto material para incidência do referido imposto, restou fixada a tese de que “é constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras”.

Situação similar, vale dizer, também ocorreu no julgamento da ADI nº 1.763/DF, cujas razões de decidir, inclusive, constaram como fundamento do Tema nº 104/STF. É que, naquela oportunidade, o STF também limitou sua análise ao critério material da incidência do IOF, concluindo que “nada há na Constituição Federal, ou no próprio Código Tributário Nacional, que restrinja a incidência do IOF sobre as operações de crédito realizadas por instituições financeiras”.

Foi por isso, inclusive, que embora o STF tenha concluído que as factorings não podem ser equiparadas às instituições financeiras, este fato não é o bastante para afastar a incidência do IOF sobre as operações praticadas por elas. Afinal, “a alienação de direitos creditórios a empresa de factoring envolve, sempre, uma operação de crédito ou uma operação relativa a títulos ou valores mobiliários”, ambos descritos no 153, inciso V, da Constituição, como hipóteses/materialidades que atraem a incidência do IOF.

Problemática entorno do artigo 66, do CTN (delimitação vaga e inconstitucional do critério pessoal do IOF)

Do exposto acima, percebe-se que o STF nunca analisou, de forma mais detida, o disposto no artigo 66, do CTN, que, de forma bastante duvidosa, afirma que o “contribuinte do imposto [IOF] é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei”.

Essa falta de enfrentamento é relevante para futuras novas discussões envolvendo o IOF por dois motivos diversos:

1. a norma do artigo 66, do CTN versa sobre um aspecto do consequente da regra matriz de incidência tributária, mais precisamente o critério pessoal, e, por isso mesmo, não se confunde com a análise do critério material (localizado no antecedente da RMIT), que foi analisado no julgamento do Tema nº 104 e da ADI nº 1.763/DF; além de que

2. o artigo 66, do CTN é, desde a Constituição de 1967 (artigo 19, § 1º), a lei complementar competente para estabelecer normas gerais em matéria de Direito Tributário; o que veio a ser reforçado pelo artigo 146, inciso III, “a” da atual Constituição, que afirma que cabe à lei complementar (e somente a ela) definir quem são os contribuintes de impostos como o IOF. Daí, portanto, que a delegação feita à lei ordinária, pelo artigo 66, do CTN, indique ser uma inconstitucionalidade formal, que pode vir a ser analisada/declarada pelo STF, em futuros leading cases, que, como demonstrado no item anterior, debaterão temas autônomos aos que foram enfrentados no RE nº 590.186 e da ADI nº 1.763/DF.

Com efeito, para solucionar a aparente antinomia apontada acima, o Supremo Tribunal Federal terá de analisar dois temas constitucionais que são muito sensíveis. O primeiro é se há a necessidade de existir lei complementar, que defina com precisão o contribuinte de todos os impostos discriminados na Constituição (como menciona o seu artigo 146, inciso III, “a”, acima). E, o segundo, é definir se uma norma geral, de caráter nacional, pode ser vaga e pouco precisa, como é o caso do artigo 66, do CTN.

Felizmente, porém, há, na jurisprudência do próprio STF, diversos julgados que analisaram temas como esses e, por isso mesmo, podem indicar a tendência da Suprema Corte sobre o assunto. É o que passaremos a abordar.

Primeira solução para a antinomia causada pelo artigo 66, do CTN: absoluta falta de autorização para cobrança do IOF

O primeiro precedente do STF que pode nos ajudar a solucionar a antinomia criada pelo artigo 66, do CTN é o julgamento do RE 1.053.574 (Tema n.º 415), em que a Suprema Corte teve que delimitar como deve ser interpretado o disposto no art.igo 146, inc. III, “a”, da Constituição.

Isso, porque, nesse paradigma o STF definiu que a exigência de lei complementar prévia, que defina todos os aspectos da hipótese de incidência tributária, não se aplica a todo e qualquer tributo, como, por exemplo, às contribuições de que trata o artigo 149, da Constituição. Ao contrário, para a Suprema Corte, “o comando constante da parte final do art. 146, III, a, do texto constitucional está restrito aos impostos, como, inclusive, também ficou decidido no julgamento do RE 138.284 e RE 146.733, em que se privilegiou uma interpretação literal do referido dispositivo.

Esse fundamento foi combinado pela Suprema Corte com uma interpretação teleológica da razão de existir das leis complementares. Ou seja, a falta de potencial conflito entre os entes federados – já que a maior parte das contribuições especiais tratadas pelo artigo 149, da Constituição só podem ser instituídas pela União Federal –, justificaria a dispensa de existir uma lei de caráter nacional, que regulamente todos os elementos da hipótese de incidência desse tipo de exação.

É o que se extrai, a propósito, do voto vencedor, proferido pelo ministro Gilmar Mendes, no julgamento do RE 1.053.574 (Tema nº 415/STF):

“Mas entendo que não faz sentido que a União edite normas gerais atinentes ao fato gerador, sujeito passivo e à base de cálculo das contribuições especiais, se tais disposições aplicam-se, tão somente, à União. (…)

As definições a que se refere a segunda parte do art. 146, III, a, do texto constitucional aplicam-se, mais propriamente, aos impostos, notadamente aqueles de competência dos Estados e dos Municípios, como é o caso do ISSQN e do ICMS, que possam gerar conflitos de competência tributária” [4].

As premissas estabelecidas acima, vale dizer, foram repetidas em diversos julgamentos paradigmáticos da Suprema Corte. Cite-se, como exemplo, (1) o RE n.º 149.955, em que o STF declarou a inconstitucionalidade do adicional de imposto de renda (que na redação original do artigo 155, inciso II, da Constituição, poderia ser cobrado pelos Estados); (2) o RE nº 851.108, em que o STF declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ITCD sobre heranças e doações instituídas no exterior; e (3) o RE nº 1.287.019, em que o STF declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS-Difal; todos porque não havia lei complementar geral que regulamentasse adequadamente o assunto.

Aplicando essas premissas ao IOF, temos que é imprescindível que haja lei complementar que discrimine, adequadamente, o contribuinte desta exação, pois o tributo em tela é um imposto, ao qual, como já definiu o STF, se aplica “o comando constante da parte final do artigo 146, III, a, do texto constitucional”.

Mas não é só. A necessidade de existir lei complementar, definindo previamente quem é o contribuinte do IOF, também decorre de um potencial conflito de competência entre a União e os municípios. Isso, porque, conforme a própria Suprema Corte reconheceu, no julgamento do RE nº 651.703 (Tema nº 581/STF), diversos foram os serviços eleitos pelo constituinte como passíveis de serem tributados. E, como o ISSQN tem uma incidência residual em relação aos tributos estaduais e federais que incidem sobre serviços, é necessário, nos termos do artigo 146, inciso III, “a”, da Constituição, que todos esses tributos tenham os elementos da sua hipótese de incidência definidos em lei complementar, a fim de evitar potenciais conflitos:

“(…) 19. A regra do art. 146, III, “a”, combinado com o art. 146, I, CRFB/88, remete à lei complementar a função de definir o conceito “de serviços de qualquer natureza”, o que é efetuado pela LC nº 116/2003.

20. A classificação (obrigação de dar e obrigação de fazer) escapa à ratio que o legislador constitucional pretendeu alcançar, ao elencar os serviços no texto constitucional tributáveis pelos impostos (v.g., serviços de comunicação – tributáveis pelo ICMS, art. 155, II, CRFB/88; serviços financeiros e securitários – tributáveis pelo IOF, art. 153, V, CRFB/88; e, residualmente, os demais serviços de qualquer natureza – tributáveis pelo ISSQN, art. 156. III, CRFB/88), qual seja, a de captar todas as atividades empresariais cujos produtos fossem serviços sujeitos a remuneração no mercado. (…)” [5].

Disso se extrai que o artigo 66 do CTN incorreu em uma inconstitucionalidade formal, ao delegar para a legislação ordinária o papel de definir o contribuinte do IOF [6]. Afinal, não só a lei ordinária é o veículo incompetente para tratar desse assunto [7], como, em verdade, essa disposição vai na contramão de todas as outras leis complementares que regulamentaram os impostos que, no julgamento do RE nº 651.703, o STF reconheceu incidir sobre serviços. Cite-se, como exemplo, o artigo 5º, da LC nº 116/2003, que define o contribuinte do ISSQN; o artigo 4º, da LC 87/1996, que define o contribuinte do ICMS; e o artigo 51, do CTN, que define o contribuinte do IPI.

Spacca

Com efeito, se todos os impostos discriminados pela Constituição têm os seus contribuintes definidos por lei complementar, não há por que o artigo 66, do CTN ser vago/impreciso ao dizer que o “contribuinte do imposto [IOF] é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei”. Fazê-lo, é o mesmo que incorrer no vício que, na ADPF nº 499, fez com que o STF declarasse a inconstitucionalidade da parte da LC nº 157/2016. Afinal, lá ficou definido que a legislação complementar que tratar de definir aspectos inerentes à hipótese de incidência tributária deve estabelecer “com exatidão, o seu conteúdo, sob pena de ensejar insegurança jurídica apta a provocar considerável conflito de competência e retrocesso nas relações ficais”.

Com efeito, esses precedentes da Suprema Corte indicam que o artigo 66, do CTN, embora anterior ao artigo 19, § 1º, da Constituição de 1967, não foi recepcionado por aquela antiga ordem constitucional, assim como não foi recepcionado pela atual Constituição, notadamente pelo seu artigo 146, inciso III, “a”. Dessa forma, inexistindo qualquer dispositivo de lei complementar que defina, expressamente, quem é o contribuinte do IOF, o fato é que esse imposto não pode, até os dias de hoje, ser exigido de qualquer pessoa que seja.

Frise-se, a propósito, que essa conclusão não é alterada pelo julgamento do RE nº 1.016.605 (Tema 708), em que o STF definiu ser desnecessária a edição de lei complementar, para que haja a cobrança do IPVA. Afinal, essa conclusão somente foi alcançada pela Suprema Corte, pois se percebeu que a própria Constituição traz elementos, inerentes à repartição de receitas desse imposto, que são capazes de indicar a preferência do constituinte sobre o local de incidência do IPVA, sendo que, pela natureza do fato tributável, não há grandes discussões sobre quem deveria ser o contribuinte da exação. Daí porque a falta de lei complementar tratando do assunto não seja um óbice intransponível a cobrança do referido imposto.

Tal conclusão, porém, não pode ser replicada para o IOF, pois não há, na Constituição, qualquer elemento que indique uma preferência sobre quem deve ser o contribuinte do IOF. Isto é, aquele que empresta recursos/aliena títulos mobiliários, ou o tomador do empréstimo/adquirente do valor mobiliário. Logo, é preciso que haja uma definição geral, em lei complementar, que esclareça quem é de fato o contribuinte do IOF, sob pena, inclusive, de gerar possíveis conflitos de competência, como já reconheceu o STF, no julgamento do Tema nº 581.

Segunda solução para a antinomia causada pelo artigo 66, do CTN: recepção do artigo 4º, da Lei nº 5.143/1966 com status de lei complementar pelas Constituições de 1967 e 1988

Caso o Supremo Tribunal Federal não acolha integralmente a linha de raciocínio defendida acima – e que parece ser a mais adequada – há uma outra linha argumentativa que poderia ser seguida pelo STF, como forma de solucionar a antinomia do art. 66, do CTN.

Em síntese, poderia o STF reconhecer que o artigo 4º, da Lei nº 5.143/1966 teria sido recepcionado pela Constituição de 1967 (e posteriormente pela de 1988) com status de lei complementar. Para tanto, o STF precisaria reconhecer que o referido dispositivo, editado antes dessas ordens constitucionais, tem um caráter geral, capaz de evitar qualquer conflito na cobrança do IOF, e, por isso, poderia ser recepcionada com status de lei complementar.

Com efeito, esse reconhecimento levaria à conclusão de que o artigo 4º, da Lei nº 5.143/1966 não foi revogado pelo artigo 13, § 2º da Lei nº 9.779/1999, (que foi analisado pelo STF, por perspectiva diversa, no Tema 104/STF e na ADI nº 1.763/DF), já que este último dispositivo é uma lei ordinária e, por isso, não poderia alterar uma lei de conteúdo complementar à Constituição.

O efeito prático dessa segunda interpretação seria o reconhecimento de que o IOF somente poderia ser exigido de instituições financeiras, tal como foi incialmente previsto pelo artigo 4º, da Lei nº 5.143/1966. Nesse caso, não haveria especificamente a superação da tese firmada no Tema nº 104/STF, que foi fixada a partir da análise do critério material do IOF. Na verdade, o que haveria é a fixação de uma nova tese que, por fundamentos diversos daquele precedente, levaria a uma outra conclusão, igualmente válida, mas que teria como efeito prático a impossibilidade de cobrar o IOF de pessoas jurídicas que não sejam instituições financeiras (ao menos até que uma nova lei complementar fosse editada para modificar o artigo 4º, da Lei nº 5.143/1966).

Vale notar, inclusive, que se o STF optasse pela segunda linha interpretativa, essa não seria a primeira vez que ele decidiria que há normas fora do CTN que foram recepcionadas com status de lei complementar, por alguma incompatibilidade do próprio CTN. Isso ocorreu, por exemplo, no julgamento do RE nº 140.773-5/210, em que se definiu que o artigo 15, do Decreto-lei nº 57/1966 teria status de lei complementar, por tratar de regra que tipicamente deveria constar do CTN.

Conclusões

Do exposto, parece claro que existem fortes razões para que a inconstitucionalidade da cobrança do IOF volte a ser analisada pelo STF. Ou seja, embora o julgamento do Tema nº 104 e da ADI nº 1.763/DF tenha sido válido e desfavorável aos contribuintes, não nos parece correto afirmar que todas as discussões sobre a cobrança do IOF se encerraram.

Daí, inclusive, ser oportuno que os contribuintes voltem a discutir o assunto junto ao STF, dessa vez por outro (e talvez mais adequado) ângulo.

 


[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 4.Ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 165-208.

[2] RE 590186, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Tribunal Pleno, julgado em 09-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-s/n  DIVULG 16-10-2023  PUBLIC 17-10-2023

[3] Para maiores esclarecimentos, convém destacar o artigo escrito por André Mendes Moreira e Patrícia Dantas Gaia, que está disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-nov-28/iof-no-stf-distincao-entre-mutuo-e-conta-corrente/>; e foi acessado em 21//08/2024.

[4] RE 1.053.574, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25-10-2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-255  DIVULG 21-11-2019  PUBLIC 22-11-2019

[5] RE 651703, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 29-09-2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-086  DIVULG 25-04-2017  PUBLIC 26-04-2017.

[6] No mesmo sentido são os ensinamentos de Sacha Calmon Navarro de Coelho, que há muitos anos alertava que embora “o Judiciário ainda não se advertiu dessa delicada sintaxe normativa”, é “duvidosa a regra delegatória do [art. 66] do CTN, pois pela Constituição atual compete à lei complementar definir os contribuintes dos impostos discriminados na Lei Maior. (…) [Daí que] não se admite que possa esta delegar a função de complementar a Constituição ao legislador ordinário, transformando-a em texto flexível, de livre disponibilidade pelo legislador ordinário, relativamente à estrutura dos impostos.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 15ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 201. p. 452-453).

[7] Nesse sentido também são as considerações de Luís Eduardo Schoueri, ao criticar o julgamento da ADI n.º 1.763/DF: “Conforme se verifica, o STF não analisou sistematicamente o que justificaria as exceções aos Princípios da Anterioridade e da Legalidade, que se relacionam com o perfil extrafiscal do IOF, o qual se vincula com as competências legislativa e administrativa da União. Pelo contrário, o STF examinou a questão de maneira simplista: lei a Constituição e o CTN à procura de alguma restrição no âmbito subjetivo. Não encontrou. Decidiu daí pela inexistência de tal limitação. Não se ateve, porém, ao contexto histórico, à competência regulatória da União e aos motivos pelos quais a Constituição excepcionou certas limitações ao poder de tributar. De qualquer modo, o importante aqui é que fique bem claro: a decomposição da regra-matriz deve ser feita com cautela, já que o estudo de cada um de seus aspectos deve ser feito à luz do contexto dos demais. (SCHOUERI. Luís Eduardo. Direito Tributário. 11ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 565).

Autores

  • é advogado tributarista do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi, Consultores e Advogados, especialista em Direito Tributário pelo Ibet e professor convidado em cursos de pós graduação em Direito Tributário.

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