Opinião

Caso Guarujá: saneamento básico e a responsabilidade do Estado

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13 de fevereiro de 2025, 15h11

Em 2007, por meio do Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB) — Lei Federal nº 11.445 —, foram estabelecidas as diretrizes nacionais para o saneamento básico, que têm por base alguns princípios fundamentais como a universalização do acesso e efetiva prestação dos serviços de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; além da drenagem e manejo de águas pluviais.

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Uma das condições de validade dos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico é a existência de um plano de saneamento básico para o município, que deve abranger, notadamente, um diagnóstico do contexto por meio de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos; objetivos para a universalização dos serviços e, principalmente, ações para emergências e contingências.

O Plano Municipal de Saneamento do Guarujá, por exemplo, foi aprovado apenas em 2018, por meio da Lei Complementar nº 228/2018, que estabeleceu, para além das diretrizes do Plano Nacional de Saneamento Básico, o dever de o prestador de serviço de informar e orientar a população sobre os procedimentos a serem adotados em caso de situações de emergência que ofereçam risco à saúde pública.

Por isso, cabe ao poder público as atividades de fiscalização e de regulação do serviço, para estabelecer as normas técnicas, econômicas e financeiras para o cumprimento do contrato, para garantir que a prestação ocorra de maneira adequada e atenda as metas de universalização do serviço estabelecidas pela lei, para que a concessionária cumpra com o plano de saneamento básico do município e para que, em casos de emergência, o poder público acompanhe de perto a resolução dos problemas que eventualmente surgirem.

Diversas reportagens apontaram [i] vazamentos de esgoto nas praias, cuja justificativa apresentada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que presta os serviços de água e esgoto na região metropolitana da Baixada Santista, foi a de sobrecarga do sistema em razão de fortes chuvas e que o sistema não teria sido projetado para a entrada de água pluvial.

Além disso, constatou-se a presença de altos níveis de coliformes fecais nas águas do Guarujá, resultando em alertas para os banhistas e compromissos turísticos prejudicados. Essa situação, associada a surtos de viroses, sugere falhas no sistema de esgotamento sanitário e no tratamento de efluentes.  Na ocasião, conforme [1] Mapa de Qualidade das Praias da Cetesb, praias como Enseada e Perequê foram classificadas como “impróprias”, ao lado da grande maioria das praias de Santos, Praia Grande, Mongaguá e São Vicente.

A presença de contaminação por níveis de coliformes fecais nas praias do Guarujá e de boa parte do litoral sul paulista, aliada ao aumento de doenças relacionadas à água, levantam questionamentos quanto ao cumprimento das diretrizes do PNSB pela concessionária e quanto à própria atividade fiscalizatória do poder público.

Com a falha na prestação dos serviços de esgotamento sanitário, somada à ausência de implementação de plano de contingência para resolver o cenário de emergência no município e à falha na fiscalização dos serviços por parte da administração pública, a situação se agrava ao longo do tempo, causando graves prejuízos à saúde pública municipal e estadual, além de gerar prejuízos financeiros em todo o contexto municipal.

Responsabilidade objetiva do estado por omissão

No contexto do saneamento (e com base no artigo 37, §6º, da Constituição da República), a responsabilidade do Estado pelos seus atos é objetiva. Nesse sentido, a ação estatal que causar dano a alguém ensejará a responsabilização do ente, mesmo que não tenha sido uma atuação dolosa (intencional) ou culposa (não intencional) do agente do estado. Caso o órgão ou agência estatal, deliberadamente ou não, promova o despejo de esgoto em local inadequado e tal ato cause danos, por exemplo, aos moradores da região em que o esgoto foi despejado, o estado deverá ser responsabilizado por isso.

Spacca

Mesmo com a desestatização da Sabesp em julho de 2024, em que o governo do estado deixou de ser o acionista majoritário da companhia, pois sua participação diminui de 50,3% para 18,3%, e a gestão da companhia passou para o Grupo Equatorial, que adquiriu 15% das ações da Sabesp, por tratar-se de empresa concessionária de serviço público, a responsabilidade também é objetiva.

A situação do litoral sul paulista pode representar um caso de responsabilidade objetiva do estado por omissão. Considerando que as praias citadas em que ocorreram os surtos de virose têm como prestadora de serviços de água e esgoto a Sabesp, caberia à Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) a fiscalização dos serviços para verificação da adequabilidade e regularidade da atividade prestada pela concessionária.

Pela omissão no controle e fiscalização e pelo dever de garantia de prestação de serviços adequados, deve haver responsabilização do ente público, independentemente de dolo ou culpa, pelos danos ambientais causados tanto ao meio ambiente quanto aos cidadãos, pela falha na prestação dos serviços pela concessionária e pela sua própria omissão.

Este é o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, se houve falha na prestação do serviço, houve omissão na fiscalização por parte do poder público, conforme precedente histórico que é o [2] REsp nº 28.222. Com isso, é possível que, nos casos do litoral sul paulista, tanto a concessionária (Sabesp), que hoje é de gestão privada, quanto o estado, sejam responsabilizados ao ser constatado que ocorreu o despejo indevido de esgoto no mar, pela falha na prestação dos serviços e pela falha no dever de fiscalização e responsabilização pelo serviço prestado inadequadamente.

É importante relembrar que no caso de danos ao meio ambiente, o poluidor é o responsável, direta ou indiretamente, pela atividade causadora da degradação ambiental, conforme artigo 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.

É imprescindível que a prestação de serviços públicos de saneamento básico seja realizada com acompanhamento, fiscalização e regulação de maneira séria, com a utilização de análise de indicadores de desempenho e com acompanhamento próximo e constante por parte do poder público, para garantir que a prestação desses serviços, essenciais ao desenvolvimento econômico e sustentável, ocorra de maneira adequada.

 


[1] https://arcgis.cetesb.sp.gov.br/portal/apps/experiencebuilder/experience/?id=bdd0cbd4bf094df9a000bf663254c21f&page=Classifica%C3%A7%C3%A3o-Atual

[2] https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=IMG&sequencial=38910&num_registro=199200261175&data=20011015&formato=PDF

[i] https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/mais-saude/noticia/2025/01/03/surto-de-virose-no-litoral-de-sp-e-lota-unidades-de-saude-video.ghtml

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