Montesquieu e o elogio aos estados organizados como federações
11 de fevereiro de 2025, 8h00
Você sabia que a obra O Espírito das Leis, publicada por Montesquieu em 1748, é uma referência no estudo da Separação de Poderes. Mas talvez você não saiba que em outra parte do livro Montesquieu faz rasgados elogios aos Estados que se organizam sob a forma de federação (ou confederação), pois se trata de um aspecto muito menos conhecido dessa obra.
O Brasil se constitui em uma república democrática e federativa. Muito se escreve sobre democracia, raramente se escreve sobre república, mas se encontra aceso o debate sobre se permanecemos ou não como uma federação – basta acompanhar o debate travado com Hamilton Dias de Souza e Daniel Corrêa Szelbracikowski (ver aqui 1, aqui 2 e aqui 3).
Nos tempos atuais, nos quais se usa de forma exagerada a inteligência artificial (que não apresenta a fonte de onde provém suas informações), recupero o pensamento federativo de Montesquieu, transcrevendo partes do que foi escrito por ele há quase 300 anos, e que permanece atual em alguns aspectos. A fonte para este texto é a 2ª parte do livro O Espírito das Leis, livro nono, capítulos I a III.
Uma das preocupações do autor era com a segurança dos países, referindo-se expressamente “à república federativa. Esta forma de governo é uma convenção segundo a qual vários corpos políticos consentem em se tomar cidadãos de um Estado maior que pretendem formar. É uma sociedade de sociedades, que formam uma nova sociedade, que pode crescer com novos associados que se unirem a ela. Foram associações deste tipo que fizeram florescer tanto tempo o corpo da Grécia. Com elas, os romanos atacaram o universo e só com elas o universo se defendeu contra eles; e, quando Roma chegou ao máximo de sua grandeza, foi com associações de trás do Danúbio e do Reno; associações que o pavor engendrou, que os bárbaros puderam resistir-lhe. É assim que a Holanda, a Alemanha, as Ligas Suíças são vistas, na Europa, como repúblicas eternas. As associações das cidades eram outrora mais necessárias do que são hoje. Uma cidade sem poder corria os maiores perigos. A conquista fazia com que perdesse não só o poder executivo e o legislativo, como hoje, mas também tudo o que há de propriedade entre os homens”.
Segue Montesquieu, analisando a contenção do poder pelas federações ou confederações: “Aquele que pretendesse usurpar não poderia ser igualmente aceito em todos os Estados confederados. Se se tornasse poderoso demais em um deles, alarmaria todos os outros; se subjugasse uma parte, aquela que ficasse livre ainda poderia resistir-lhe com forças independentes daquelas que ele teria usurpado e derrotá-lo antes que tivesse terminado de se estabelecer. Se acontecer alguma sedição em um dos membros confederados, os outros podem pacificá-la. Se abusos se introduzirem em alguma parte, serão corrigidos pelas partes sãs. Este Estado pode perecer de um lado sem perecer de outro; a confederação pode ser dissolvida, e os confederados permanecer soberanos. Composto por repúblicas, goza da excelência do governo interior de cada uma; e, quanto ao exterior, possui, pela força da associação, todas as vantagens das grandes monarquias”.
No capítulo II Montesquieu critica de forma velada as monarquias, fazendo o elogio das repúblicas federativas: “A república federativa da Alemanha é composta por cidades livres e pequenos Estados submetidos a príncipes. A experiência mostra que ela é mais imperfeita do que as da Holanda e da Suíça. O espírito da monarquia é a guerra e o crescimento; o espírito da república é a paz e a moderação. Estes dois tipos de governo só podem subsistir forçados numa república federativa. Assim, vemos na história romana que, quando os véios (povoado etrusco) escolheram um rei, todas as pequenas repúblicas da Toscana os abandonaram. Tudo foi perdido na Grécia, quando os reis da Macedônia conseguiram um lugar entre os anfictiões (nome dado aos membros do Conselho de representantes das cidades gregas). A república federativa da Alemanha, composta por príncipes e cidades livres, subsiste porque possui um chefe, que é de alguma forma o magistrado da união e de alguma forma seu monarca”.
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No Capítulo III, Montesquieu trata de outras coisas que são necessárias às repúblicas federativas, destacando a política de alianças: “Na república da Holanda, uma província não pode fazer uma aliança sem o consentimento das outras. Esta lei é muito boa, e até mesmo necessária, numa república federativa. Ela falta na constituição germânica, onde preveniria as desgraças que podem acontecer com todos os seus membros, por causa da imprudência, da ambição ou da avareza de um só. Uma república que se uniu numa confederação política deu-se por inteiro e não tem mais nada para dar. É difícil que os Estados que se associam sejam da mesma grandeza e possuam igual poder. A república dos lícios era uma associação de vinte e três cidades; as grandes tinham três votos no conselho comum; as medianas, dois; as pequenas, um. A república da Holanda é composta por sete províncias, grandes ou pequenas, que possuem um voto cada. As cidades da Lícia pagavam os encargos na proporção dos sufrágios. As províncias da Holanda não podem seguir esta proporção; devem seguir a de seu poder. Na Lícia, os juízes e os magistrados das cidades eram eleitos pelo conselho comum e segundo a proporção de que falamos. Na república da Holanda, eles não são eleitos pelo conselho comum, e cada cidade nomeia seus magistrados. Se fosse preciso um modelo de uma bela república federativa, eu escolheria a república da Lícia”.
Esse texto demonstra a importância histórica dos Estados federados e sua relevância na defesa do país e de seu povo, constituindo-se uma sociedade dentro de cada sociedade maior, de forma a conter o poder.
Montesquieu não tratou dos aspectos financeiros das federações, pois não era seu foco, mas é algo que se deve agregar na análise contemporânea, de tal modo que o poder financeiro não fique concentrado em poucos ou em apenas um.
Lições para serem relembradas.
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