Opinião

É possível a utilização de sistema de inteligência artificial como árbitro no Brasil?

Autores

  • é procurador do Estado de São Paulo. Doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Professor do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito da Unaerp. Professor convidado de cursos de pós-graduação. Membro de listas de árbitros de diversas instituições arbitrais. Foi membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB. Autor de livros jurídicos. Coordenador acadêmico do sítio Canal Arbitragem.

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  • é doutorando e mestre em Direitos Coletivos e da Cidadania pela Unaerp Ribeirão Preto-SP (Brasil) professor de cursos de graduação e pós-graduação e juiz de Direito do Estado de São Paulo.

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10 de fevereiro de 2025, 13h15

A inteligência artificial é um “sistema computacional criado para simular racionalmente as tomadas de decisão dos seres humanos, tentando traduzir em algoritmos o funcionamento do cérebro humano” (Teixeira; Cheliga, 2021, p. 16-17). Afirma-se que uma máquina é inteligente quando é capaz de mimetizar ou imitar o comportamento humano em dada tarefa, de forma que a diferença entre homem e máquina não seja perceptível por um espectador inadvertido (Turing, 1950).

Reprodução
OAB Nacional aprovou recomendações para uso de inteligência artificial regenerativa na prática da advocacia

No que se refere ao uso de sistema de inteligência artificial como árbitro, nos Estados Unidos já existe uma plataforma denominada Arbitrus.ai (ARBITRUS.AI, 2024), que promete fazer julgamentos em apenas uma fração do tempo que geralmente é gasto numa arbitragem convencional a um preço mais acessível, reduzindo, por exemplo, o custo da resolução de disputas de US$ 100 mil para US$ 10 mil fixos (Kieffaber; Gandall; Mclaren, 2025). A promessa é de um desempenho tão bom quanto os árbitros humanos, incluindo a possibilidade da realização de audiência não oral (Rule 6, § 6.2, “d”), mas escrita (Fortuna Arbitration Rules, s.d.), com a apresentação de resultados dos testes pelos fundadores (Kieffaber; Gandall; Mclaren, 2025).

Nessa perspectiva, é importante abordar, ainda que brevemente nos limites do presente texto, se essa possibilidade seria eventualmente válida também no Brasil, mediante a utilização de um sistema computacional, com inteligência artificial, atuando como árbitro do caso, substituindo-se, totalmente, o árbitro humano.

Entretanto, temos que diante da letra do artigo 13, caput, da Lei de Arbitragem, que exige que o árbitro seja pessoa humana capaz, o uso de um árbitro por sistema de inteligência artificial é vedado, não se caracterizando como válido, cabendo à parte que, num primeiro momento concorda, ingressar com a ação anulatória, diante da previsão do artigo 32, inciso II da citada lei.

Spacca

De acordo com Carmona e Vieira (2020, p. 398) “a visão positiva de empresário e advogados indica a tendência de haver maior influxo de tecnologias e de mecanismos de inteligência artificial no processo arbitral”, no entanto, os autores advertem que “no atual momento, talvez não estejamos prontos para substituir os julgadores humanos por árbitros de inteligência artificial”.

Riscos

Destaca-se que mesmo que ocorra eventual reforma legislativa visando permitir a utilização da arbitragem por meio do uso de plataformas digitais no Brasil,  temos que o emprego de inteligência artificial enseja vários riscos, dentre eles, por exemplo: 1) as partes podem contratar ex-funcionário da empresa que criou o sistema para tentar êxito na arbitragem se valendo de recursos tecnológicos para convencimento do sistema; 2) a audiência não é oral, mas escrita, o que dificulta o árbitro sistema aferir a veracidade dos depoimentos prestados por escrito; e 3) eventualmente, uma das partes poderá simular uma lide, previamente, para saber o resultado antecipado de futura arbitragem, devendo a questão, contudo, ser objeto de futuras reflexões e estudos.

 


Referências

ARBITRUS.AI. Arbitration in a fraction of the time. 2024. Disponível em: https://www.arbitrus.ai/. Acesso em: 09 fev. 2025.

CARMONA, Carlos Alberto; VIEIRA, Vitor Silveira. Inteligência artificial e processo arbitral. In: VAUGHN, Gustavo; DUARTE, Rodrigo; ARRUDA, Raphael; COSTA, Fabio; MORELLO, Ana Vitoria (Coord.). Direito, Mercado Jurídico e Sociedade: estudos em comemoração aos 3 anos do grupo de jovens advogados Leading Young Lawyers. São Paulo: LUALRI Editora, 2020.

FORTUNA ARBITRATION RULES. Version 1.1. s.d. Disponível em: https://cdn.prod.website-files.com/6706ddaeccf6d39663de1f20/67a50c081ff74726672183ad_Fortuna%20Arbitration%20Rules%201.1.pdf. Acesso em: 09 fev. 2025.

KIEFFABER, Jack; GANDALL, Kimo; MCLAREN, Kenny. We Built Judge.ai. And You Should Buy It. 2025. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=. Acesso em: 09 fev. 2025.

TEIXEIRA, Tarcisio; CHELIGA, Vinicius. Inteligência Artificial: Aspectos Jurídicos. 3. ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2021.

TURING, Alan M. Computing machinery and intelligence. Mind. New Series, v. 59, n. 236, p. 433-460. Oxford University Press, 1950. Disponível em: https://www.csee.umbc.edu/courses/undergraduate/471/spring19/01/resources/turing_computing_machinery_and_intelligence.pdf . Acesso em: 09 de fev. 2025.

Autores

  • é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Mestrado e Doutorado da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, procurador do Estado de São Paulo, membro de listas referenciais de árbitros, coordenador acadêmico do Canal Arbitragem e ex-membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal.

  • é doutor e mestre em Direitos Coletivos e da Cidadania pela Unaerp (Ribeirão Preto-SP), pós-doutor em Educação pela UFSCar, professor de cursos de graduação e de pós-graduação, coordenador e professor do Curso de Especialização em Direito Civil e Processo Civil da Unaerp e juiz de Direito do estado de São Paulo.

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