STJ tem divergência sobre execução da sentença coletiva sem liquidação prévia
7 de fevereiro de 2025, 8h51
Um voto divergente do ministro Raul Araújo abriu o debate na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça sobre as hipóteses em que uma sentença coletiva poderá ser alvo de execução individual sem passar pela fase da liquidação prévia.
O tema foi levantado na sessão desta quarta-feira (5/2), no julgamento de três recursos especiais sob o rito dos recursos repetitivos. A análise foi interrompida por pedido de vista regimental do relator, ministro Benedito Gonçalves.
A discussão vai afetar a forma como as pessoas podem se beneficiar das ações coletivas em que associações ou entidades conseguem sentenças favoráveis para determinado grupo de pessoas, de modo genérico.
Essa sentença coletiva pode ser executada individualmente. A liquidação prévia seria uma etapa inicial desse procedimento, para determinar o valor específico da condenação e a individualização das pessoas que podem usufruir dele.
Há casos em que a necessidade de liquidação prévia é mínima: quando a sentença é tão específica que permite saber quem se beneficia dela e como. Nesses casos, o Judiciário tem dispensado esse procedimento.
A Corte Especial do STJ tem a missão de definir exatamente quando isso será possível.
Se der pra ir, pode ir
Relator, o ministro Benedito Gonçalves votou em março de 2024 propondo uma solução ampla e mais genérica: se a execução pode ser feita a partir da apresentação de simples cálculo aritmético, é possível dispensar a liquidação prévia.
“Se há elemento suficiente para o procedimento executivo, observando-se os princípios da máxima efetividade da tutela coletiva, da economia, da duração razoável do processo, da eficiência e celeridade processual, não há que se falar em liquidação previa”, disse.
Ele ainda destacou a necessidade de assegurar ao réu condenado na ação coletiva a possibilidade de impugnar o cumprimento de sentença.
O relator propôs a seguinte tese:
Demonstrado documentalmente que o exequente se encontra na situação estabelecida genericamente na sentença, a execução individual de título formado em processo coletivo pode ocorrer sem a necessidade de prévia liquidação do julgado quando for possível a apuração do credito por simples cálculo aritmético, cabendo ao tribunal de origem, assegurado o contraditório ao executado em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, analisar de forma concreta se é necessária a liquidação do julgado.
Diferenciação e divergência
Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, para quem a liquidação prévia da sentença só pode ser dispensada nos casos em que o autor da ação atuou como representante processual.
Isso ocorre quando determinada associação ou entidade de classe propõe a ação em nome de seus associados e autorizada por eles.
Nesse caso, ela oferece uma lista de nomes de beneficiários do pedido, que são conhecidos desde o início. A sentença tem eficácia territorial — só pode ser aproveitada por quem está no território abrangido pela jurisdição do tribunal.
Se o autor da ação atuou como substituto processual — ou seja, atuou em nome próprio, mas para defender os direitos de outras pessoas —, entende a divergência que a liquidação prévia será necessária.
Isso porque a sentença coletiva poderá ser executada por um número indeterminado de pessoas, estejam elas vinculadas ou não ao autor da ação, e em qualquer parte do território nacional. Nesses casos, a certeza sobre a liquidez do título é menor.
Exemplos
O voto de Raul Araújo trouxe exemplos das duas situações. Se uma ação coletiva é ajuizada por uma associação de integrantes do Ministério Público na condição de representante processual, os associados a ela poderão, em tese, executar a sentença para obter o direito garantido.
Nesse caso, a liquidação prévia poderá ser dispensada, caso o benefício garantido possa ser apurado por simples cálculos aritméticos. Isso não exclui a possibilidade de o réu desta ação impugnar o cumprimento de sentença.
Por outro lado, uma ação que garanta a vítimas do rompimento de uma barragem precisará necessariamente passar por liquidação prévia. As pessoas precisarão comprovar ao juízo que estão na condição de vítima, de acordo com a delimitação da sentença.
Essa diferenciação foi o que levou Benedito Gonçalves a pedir vista regimental, para melhor análise.
A seguinte tese foi proposta pela divergência:
1) Nas ações coletivas representativas e nos mandados de segurança coletivos, demonstrado documentalmente que o exequente se encontra na situação estabelecida genericamente na sentença, a execução individual do título formado em processo coletivo pode ocorrer sem a necessidade de prévia liquidação do julgado, quando for possível apuração do crédito por simples cálculos aritméticos, cabendo ao tribunal de origem, assegurado o contraditório ao executado em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, analisar de forma concreta se é necessária a prévia liquidação do julgado;
2) Nas ações coletivas substitutivas típicas, como são as ações coletivas de consumo, o cumprimento individual da sentença coletiva deve ser precedido de liquidação do título executivo, fase na qual serão demonstradas a titularidade e o valor do crédito, assegurando-se a oportunidade de ampla defesa e contraditório pleno à parte executada.
REsp 1.978.629
REsp 1.985.037
REsp 1.985.491
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