Reflexões Trabalhistas

Estabilidade gestante, recusa à reintegração e abandono de emprego

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7 de fevereiro de 2025, 8h00

Muitas dúvidas têm surgido quando a empregada grávida tem seu contrato de trabalho rescindido e se recusa a retornar ao trabalho.

A gestante tem direito à estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos exatos termos do artigo 10, inciso II, alínea “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Durante este período, a trabalhadora não poderá ser dispensada, salvo se praticar falta grave, prevista na legislação trabalhista.

A questão que tem gerado certa confusão entre empregadores e empregados diz respeito ao direito da gestante de recusar a reintegração. Seria possível a trabalhadora, após a rescisão contratual, se negar à prestação de serviços e requerer a conversão da estabilidade em indenização? Ou, diante da recusa em retornar ao trabalho, o empregador poderia considerar justa a dispensa por abandono de emprego?

Ora, constatada a gravidez após a dispensa sem justa causa, a empregada faz jus à reintegração ao trabalho, salvo se ultrapassado o período da estabilidade, quando a obrigação se converte em indenização do período.

Esse é o entendimento pacificado pela Súmula 244 do TST, que em seu inciso II, garante expressamente o direito à reintegração ao trabalho, se esta se der durante o período de estabilidade ou, do contrário, ao recebimento dos salários e todos os consectários legais devidos a título de indenização substitutiva.

Portanto, se o empregador tomar conhecimento da gravidez após a dispensa sem justa causa, poderá cancelar a rescisão contratual e solicitar que a trabalhadora retorne ao posto de serviço, durante o período de estabilidade (ou seja, entre a confirmação da gravidez e cinco meses após o parto). Passado esse lapso de tempo, a empregada terá apenas o direito à indenização substitutiva relativa ao período estabilitário.

Recusa e indenização

Ocorre que, segundo a jurisprudência pacífica do TST, a recusa da empregada gestante à proposta de reintegração ao emprego não constitui abuso de direito, tampouco lhe retira a garantia à estabilidade. Neste caso, a trabalhadora terá a prerrogativa de perceber a indenização substitutiva do período estabilitário, mormente por se tratar de direito indisponível previsto também ao nascituro [1].

Assim, o TST, ao interpretar o aludido dispositivo constitucional (na mesma linha do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal [2]), segue no sentido de conferir estabilidade provisória à trabalhadora a partir do momento da concepção, ocorrida no curso do contrato de trabalho, durante o aviso prévio trabalhado ou indenizado, mesmo se houver a recusa da em retornar ao emprego:

“AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. GESTANTE. ESTABILIDADE. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. RECUSA DE RETORNO AO TRABALHO. Constatada a viabilidade de trânsito do recurso trancado por meio de decisão monocrática, o Agravo Interno deve ser acolhido. Agravo conhecido e provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. ESTABILIDADE. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. RECUSA DE RETORNO AO TRABALHO. Visando prevenir contrariedade à jurisprudência iterativa e atual desta Corte, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento, determinando-se o regular trânsito do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. ESTABILIDADE. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. RECUSA DE RETORNO AO TRABALHO. Em conformidade com o entendimento adotado por esta Corte, a recusa à reintegração ao emprego não afasta o direito à estabilidade gestante, tampouco à indenização relativa a esse período, sob o fundamento de que o art. 10, II, b, do ADCT não condiciona a estabilidade ao retorno ao emprego, bastando para tanto a gravidez e a dispensa imotivada. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido.” (TST – RR: 00163201820215160003, relator: Luiz Jose Dezena Da Silva, data de julgamento: 18/12/2024, 1ª Turma, data de publicação: 21/01/2025)

Animus abandonandi

Situação distinta se dá quando a empregada gestante, no curso do contrato de trabalho, pratica uma falta grave.

Spacca

Imaginemos a hipótese de uma empregada que ao tomar conhecimento de sua gestação, do direito à estabilidade e da possibilidade de receber o período estabilitário de forma indenizada, age de má-fé e abandona o emprego. Ato contínuo, promove uma reclamação trabalhista pleiteando o pagamento da referida indenização.

Neste caso, não há direito à percepção da indenização substitutiva já que a trabalhadora agiu de má-fé, com o único objetivo de receber a indenização correspondente ao período de estabilidade. Porém, para que o direito seja indevido, é fundamental que o empregador comprove a ocorrência da falta grave.

Para tanto, ele deverá demonstrar que convocou a empregada para retornar às suas atividades, antes de dispensá-la por justa causa. Tal elemento é necessário para demonstrar um dos requisitos da falta grave por abandono que é a intenção de não mais trabalhar (animus abandonandi).

Neste sentido, vale destacar trecho do acórdão relatado pelo ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, no AIRR 00249913720235240003, publicado em 27/11/2024, segundo o qual:

A Turma aduziu que a garantia de emprego da empregada gestante, como todo direito, não é absoluto, e concluiu que “em decorrência do reconhecimento da regularidade da dispensa motivada em razão da do abandono de emprego, a autora terminou abrindo mão da garantia de emprego, especialmente quando se constata que na verdade o que pretende a autora é monetarização do direito, pois em momento algum requereu a reintegração ao trabalho, o que, com todas as venias, arranha até mesmo o dever de boa-fé.” (f. 185). Como a rescisão do contrato de trabalho da autora foi por justa causa, por abandono de emprego, mesmo estando grávida, ela não tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT, posto que ele protege a trabalhadora gestante apenas contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, o que não é o caso dos autos. Logo, não há falar em violação ao art. 10, II, ‘b’, do ADCT”.

Deste modo, tendo sido caracterizada a dispensa por justa causa em virtude do abandono de emprego, não há falar em direito à estabilidade provisória da gestante, uma vez que o artigo 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias só veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, não havendo vedação à demissão por justa causa.

 


[1] A título de exemplo, a decisão TST – RR: 00113948720235030131, da lavra da Ministra Relatora Morgana De Almeida Richa, Data de Publicação: 14/01/2025

[2] DIREITO À MATERNIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONTRA DISPENSA ARBITRÁRIA DA GESTANTE. EXIGÊNCIA UNICAMENTE DA PRESENÇA DO REQUISITO BIOLÓGICO. GRAVIDEZ PREEXISTENTE À DISPENSA ARBITRÁRIA. MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA AOS HIPOSSUFICIENTES, VISANDO À CONCRETIZAÇÃO DA IGUALDADE SOCIAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, se caracterizando como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. IV, da Constituição Federal. 2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo , entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e, nos termos do inciso I do artigo , o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa da gestante. 3. A proteção constitucional somente exige a presença do requisito biológico: gravidez preexistente a dispensa arbitrária, independentemente de prévio conhecimento ou comprovação. 4. A proteção contra dispensa arbitrária da gestante caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurar-lhe o gozo de outros preceitos constitucionais – licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável –; quanto da criança, permitindo a efetiva e integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego –, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador). 5. Recurso Extraordinário a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa.”(RE 629053, Relator p/ Acórdão Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 27.2.2019, destaque acrescido).

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