Energia por assinatura: qual o melhor formato de geração compartilhada?
7 de fevereiro de 2025, 7h03
A geração compartilhada de energia, regulamentada pela Lei 14.300/2022 (Marco Legal da Geração Distribuída), permite que consumidores se unam para compartilhar a produção e o consumo de energia elétrica, sem a necessidade de instalação individual de usinas.
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Isso significa que não é necessário que cada pessoa construa a sua própria usina. Um grupo de pessoas ou empresas podem usufruir de uma mesma usina construída em qualquer local, desde que se encontrem na mesma área de concessão.
Como consequência disso, vimos surgirem diversos modelos de negócio, como energia por assinatura e clube de energia, entre outros, nos quais o desenvolvedor não vende apenas um projeto de usina solar, por exemplo, mas passa também a prestar um serviço, com receita recorrente, atrelado à alocação de créditos dessa usina que será compartilhada.
Nessa linha, apesar da existência de diversos modelos comerciais, a lei estabelece quatro formatos jurídicos válidos para a geração de energia compartilhada: cooperativas, consórcios, associações civis e condomínios (Emuc).
Mas, afinal, qual o melhor formato?
1. Cooperativas:
Regidas pela Lei nº 5.764/1971, as sociedades cooperativas são compostas pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro (artigo 3º).
Elas se distinguem das sociedades típicas por algumas características, tais como:
– reúnem um mínimo de 20 pessoas físicas (artigo 6º, I)
– quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no número de associados e não no capital;
– singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
– adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;
– não sujeitas a falência (há exceções aceitas pela jurisprudência para alguns tipos de cooperativas);
– variabilidade do capital social representado por quotas-partes;
Veja-se que as cooperativas são geridas democraticamente pelos próprios membros e incentivam a participação e o engajamento comunitário, sendo bastante comum sobretudo, mas não somente, no meio rural.
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Entretanto, vale dizer que a cooperativa possui diversas regras que limitam a liberdade contratual das partes, assim como outros mecanismos de funcionamento, tais como o voto por cabeça em vez do voto proporcional ao capital – o que foge do usual da prática empresarial – (artigo 4º, III e V), questões trabalhistas próprias, órgãos da sociedade e, sobretudo, o processo de exclusão do associado.
Dessa forma, para a exclusão de um cooperativo, há maiores entraves que visam justamente à proteção de quem está sendo excluído. Ou seja, em caso de remoção de uma pessoa inadimplente, pode ser possível que se encontrem diversos óbices, prejudicando, portanto, a gestão da própria cooperativa.
Assim, a cooperativa de energia pode ser adequada para a inclusão de um grupo de pessoas engajadas, tais quais como a comunidade de alguma região, um grupo de trabalhadores, agricultores entre outros assemelhados.
2. Consórcios:
São formados por duas ou mais pessoas jurídicas, regidos pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76):
Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.
Este modelo é mais comum entre empresas que buscam compartilhar os custos de um sistema gerador, de modo que um grupo empresarial ou um polo comercial de uma região podem optar por constituir um consórcio entre as sociedades existes a fim de partilhar os custos e benefícios da geração de uma usina solar.
Entretanto, vale ressaltar que a Lei 14.300/22 trouxe uma nova categoria de consórcio, qual seja o “consórcio de consumidores”, cujo regramento permitiria a inclusão de pessoas físicas:
Art. 1º, III: consórcio de consumidores de energia elétrica: reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas consumidoras de energia elétrica instituído para a geração de energia destinada a consumo próprio, com atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora;
Ora, veja-se que ambas as leis se contrapõem, uma vez que a definição da Lei 6.404/76 restringe a constituição do consórcio apenas para as sociedades (pessoas jurídicas) enquanto a Lei 14.300/22, permite tanto a participação de pessoas jurídicas quanto pessoas físicas. Trata-se, portanto, de uma antinomia que dependerá de apreciação do judiciário para que seja obtida uma definição.
De qualquer forma, entendemos, em um primeiro momento que, de acordo com o princípio da especificidade, o Marco Legal da Geração Distribuída poderia determinar quem de fato pode participar do regime de geração compartilhada. Porém, considerando que a Lei das Sociedades por Ações especifica o regime jurídico das sociedades, esta que parece prevalecer sobre as regras de constituição de consórcio.
Há outros aspectos práticos sobre este ponto, tal como o fato de que a maior parte das juntas comerciais não realizam este procedimento de constituição de consórcios com pessoas físicas, justamente pela ausência de previsão legal e regulatória. Não há instrução do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) sobre os trâmites para este tipo jurídico, de modo que pode ser um tanto problemática a inserção de consumidores pessoas físicas neste modelo.
Ao fim e ao cabo, para evitar quaisquer surpresas indesejadas, não se vê motivo para correr o risco de expor um modelo de negócio a uma eventual nulidade. Isto é, havendo dúvidas acerca da possibilidade definitiva de pessoas físicas integrarem um consórcio, é mais conveniente restringir o consórcio apenas para pessoas jurídicas ou aderir a outro formato permitido pela Lei 14.300/22.
3. Associações civis
A associação civil foi trazida recentemente como um novo modelo, o qual se constitui pela união de pessoas organizadas para fins não econômicos, estando seu regramento previsto no Código Civil (Lei 10406/2002):
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
É importante salientar que não existe uma limitação sobre o objeto da associação, desde que sem fins lucrativos. Isso por óbvio, não impede a associação de praticar uma atividade comercial (um exemplo disso são os clubes de futebol que vendem ingressos e camisetas), mas apenas vedam a distribuição de lucros.
Dessa forma, pode ser criada uma associação apenas para a finalidade de compartilhar energia ou utilizar a estrutura de uma associação já existente. Em outras palavras, a associação passará a ser titular de central geradora própria ou alugada de terceiros e dividirá os créditos entre seus associados – tal qual se faz na cooperativa ou no consórcio.
Outro aspecto relevante é a limitação da responsabilidade dos associados em relação às obrigações contraídas pela associação. Isso significa que os membros não são pessoalmente responsáveis pelas dívidas ou compromissos financeiros da organização, o que torna essa modalidade mais atraente para aqueles que desejam obter economia de energia sem expor seu patrimônio pessoal.
Por fim, diferente do consórcio e da cooperativa, que recebem aporte dos seus respectivos sócios, na associação a principal fonte de financiamento para o funcionamento são as contribuições dos associados e o rateio dos custos, proporcional aos benefícios recebidos pela compensação da energia das centrais de geração distribuída.
Essa estrutura permite um modelo colaborativo sustentável, onde todos os participantes podem se beneficiar das economias geradas pela energia compartilhada, conforme percentuais previamente acordados.
4. Empreendimento de múltiplas unidades consumidoras (Emuc):
O Emuc é um formato mais específico e voltado para condomínios voluntários ou edilícios. Aqui, é preciso que energia gerada seja destinada em condomínios horizontais ou verticais, residenciais ou comerciais (artigo 1º, VII da Lei 14.300/22).
Neste caso, moradores ou lojistas de um mesmo condomínio se unam para gerar e compartilhar energia, sendo, portanto, necessário que se trata de unidades consumidoras contínuas (artigo 2º, Resolução Normativa Aneel 1.000/2021), tais como em casos de edifícios, shoppings centers, galerias e os próprios condomínios residenciais já descritos.
Conclusão: qual o melhor modelo?
Não há uma resposta única para qual é o melhor formato de geração compartilhada; isso depende das necessidades específicas dos consumidores envolvidos.
A escolha do modelo societário impacta diretamente a carga tributária e as obrigações legais da empresa. Para tanto, as cooperativas e associações podem ter isenções fiscais específicas, tais como isenção de PIS/Cofins, ICMS (a depender do estado), imunidade tributária para receitas vinculadas à atividade-fim (artigo 150, VI, CF/1988), enquanto os Consórcios podem enfrentar uma carga tributária mais complexa e impactar as operações a depender do regime que suas consorciadas estejam submetidas.
Além disso, a responsabilidade dos sócios varia conforme o modelo escolhido, uma vez que no consórcio, que não possui personalidade jurídica, os consorciados podem responder pelas dívidas do consórcio, na proporção de sua contribuição. Já na associação, há riscos envolvendo do conflito de interesses entre gestores e desenvolvedores da usina. Na cooperativa, por sua vez, há também riscos de conflitos de interesses e de disputas pelo controle da sociedade entre os cooperados.
Logo, para grupos grandes com forte engajamento comunitário ou de classe, entre pessoas físicas, as cooperativas podem funcionar muito bem. Para um grupo empresarial que busca eficiência energética e econômica, os consórcios podem ser mais adequados.
Para uma estrutura mais abrangente, com maior variedade de consumidores, a associação se mostra como um formato mais flexível e de maior controle, já que aceita consumidores tanto pessoas físicas quanto jurídicas.
O Emuc, por sua vez, é mais restrito, cabendo para os casos já de condomínios, sejam edilícios ou horizontais, já existentes.
Portanto, antes de escolher um modelo para geração compartilhada, é essencial realizar uma análise cuidadosa das características do grupo de consumidores escolhido — sobretudo o perfil de consumo —, das implicações jurídicas e tributárias e da estrutura operacional desejada. A decisão deve ser baseada em um planejamento estratégico que considere não apenas os custos imediatos, mas também as perspectivas futuras do setor elétrico.
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