TRF-2 tem maioria para abrir PAD contra Marcelo Bretas por atuação como coach
6 de fevereiro de 2025, 17h19
O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região formou maioria nesta quinta-feira (6/2) para abrir um processo administrativo disciplinar contra o juiz Marcelo Bretas, antigo titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro e responsável pelos processos da finada “lava jato” no estado. Ele está afastado do cargo há dois anos, por decisão do Conselho Nacional de Justiça.
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Marcelo Bretas está afastado do cargo, por decisão do CNJ, desde fevereiro de 2023
O TRF-2 julga a atuação de Bretas como coach, prática vedada por resoluções do CNJ e pelo Código de Ética da Magistratura. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do desembargador Marcello Granado. Antes disso, 14 magistrados votaram pela abertura do PAD e três votaram contra.
Além disso, por 10 votos a 9, o Órgão Especial determinou que o juiz afastado, em até 15 dias, retire do ar seus cursos de coach. Marcelo Bretas tem 48 horas para excluir das redes sociais todas as postagens de divulgação do curso “Método o Quarto Poder”.
Em seu perfil no Instagram, Bretas vende uma mentoria batizada de “Método o Quarto Poder”, em que promete “transformar” a carreira de profissionais de áreas diversas. Já na “Comunidade o Quarto Poder”, o juiz promete ensinar como “argumentar e se posicionar como uma autoridade”. Há também ofertas de serviços de newsletter.
A Corregedoria-Regional da Justiça Federal da 2ª Região pediu que seja aberto PAD para apurar a atuação de Bretas e a suspensão dos perfis do juiz nas redes sociais. A seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil fez pedido semelhante ao CNJ.
Segundo a OAB-RJ, o juiz está se valendo da exposição que obteve durante a “lava jato” para fazer “autopromoção desmedida e superexposição”. Bretas usa as redes sociais para vender mentorias. Para tanto, se apresenta como “juiz federal”, “palestrante” e “professor”.
Em sua defesa, o juiz afastado alega que desenvolve um curso de extensão universitária de acordo com os parâmetros exigidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Bretas está afastado de suas funções desde fevereiro de 2023, mas ainda recebe como juiz, apesar de ter colecionado abusos na “lava jato”. Ele é alvo de três reclamações disciplinares que tramitam em sigilo.
CNJ veda a prática
A Resolução 34/2007 do CNJ veda a prática de coaching. Conforme o entendimento do Conselho, a atuação não se equipara à hipótese de atividade docente e é proibida para magistrados.
“Aos magistrados da União e dos Estados é vedado o exercício, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou função, salvo o magistério. (…) As atividades de coaching, similares e congêneres, destinadas à assessoria individual ou coletiva de pessoas, inclusive na preparação de candidatos a concursos públicos, não são consideradas atividade docente, sendo vedada a sua prática por magistrados”, diz trecho da resolução.
No pedido ao CNJ, a OAB-RJ também cita no pedido a Resolução 305/2019, segundo a qual o uso de redes sociais por magistrados deve observar preceitos contidos na Lei Orgânica da Magistratura e no Código de Ética da Magistratura. O texto também veda “manifestações que busquem autopromoção ou superexposição”.
Além disso, a entidade diz que tanto a Lei Orgânica quanto o Código de Ética proíbem “comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social”.
“O robusto conjunto fático probatório acima delineado revela a reiteração sistemática de condutas vedadas pelo CNJ pelo juiz federal Marcelo Bretas, perpetradas no curso do seu período de afastamento cautelar do exercício funcional, consistente na oferta comercial de atividades típicas de coaching, valendo-se de sua condição de juiz federal para a obtenção de vantagens de natureza pessoal e econômica, associada à autopromoção desmedida e superexposição”, diz a reclamação.
Abuso no afastamento
Segundo a reclamação da OAB-RJ, o fato de Bretas estar afastado de suas funções não livra o juiz do dever de “estrita observância aos ditames constitucionais e legais” que norteiam a magistratura.
“Ao contrário, justamente em virtude da imposição desta excepcional medida, deve o juiz, durante a sua duração (do afastamento), ter redobrado cuidado no cumprimento dos seus deveres, até mesmo como forma de demonstrar, com o seu comportamento, sua plena disposição em retornar à prática da jurisdição com a honra e a dignidade que se esperam de integrantes do Poder Judiciário”, diz trecho da reclamação. O texto é assinado por Marcos Luiz Oliveira de Souza, procurador-geral da OAB-RJ, e Thiago Gomes Morani, subprocurador-geral da entidade.
A OAB fluminense também questiona a organização de palestras e a adesão, mediante pagamento, a uma comunidade fechada em que os participantes recebem a promessa de aprender “diretamente com um juiz federal”.
“(Isso) Demonstra, acima de qualquer dúvida razoável, a utilização ostensiva da função jurisdicional como elemento central da atratividade e valor agregado à proposta comercial. O caráter personalista dessa iniciativa é evidente, onde a figura do magistrado é explorada como diferencial competitivo”, diz a OAB-RJ.
Ainda conforme a reclamação, o juiz acumula a atuação como coach e o posto de juiz, ainda que afastado. “O magistrado reclamado continua a acumular as duas funções. E vem sendo muito bem remunerado.”
Ataque a Alexandre
O deputado federal Marcelo Calero (PSD-RJ) apresentou nesta terça-feira (4/2) outra reclamação disciplinar no CNJ contra Marcelo Bretas. O parlamentar pede que seja apurada uma violação dos deveres funcionais do magistrado, com base em uma publicação no X em novembro do último ano, na qual Bretas apresentou sua interpretação do conceito de crime tentado — divergente do entendimento do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que, dias antes, havia determinado a investigação de suspeitos de tentativa de golpe de Estado. A Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) fez pedido semelhante ao órgão.
Calero solicitou a instauração de um procedimento administrativo disciplinar (PAD), com o objetivo de que o juiz seja aposentado compulsoriamente.
Em novembro de 2024, Alexandre determinou a prisão preventiva de quatro militares do Exército e um agente da Polícia Federal suspeitos de planejar um golpe durante as eleições de 2022. Eles são investigados por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Dois dias depois, Bretas discorreu, no X, sobre o que constituiria um crime tentado. Ele disse que uma pessoa, quando não leva adiante a execução de um crime, só responde por atos já praticados. Também afirmou que “nenhum pensamento ou desejo humano pode ser considerado criminoso”, a não ser que seja colocado em prática.
Mais tarde, o magistrado alegou que sua postagem buscava apenas “esclarecer termos jurídicos que têm sido referidos em discussões públicas, sempre em linguagem acadêmica”.
Segundo Calero, a publicação do juiz se referiria à decisão de Alexandre e à investigação sobre tentativa de golpe de Estado após o resultado das últimas eleições presidenciais.
“A postagem é uma discordância deliberada ao posicionamento firmado no âmbito do processo judicial em curso, pela mais alta corte do país, em um tema altamente sensível para os destinos do país”, diz o parlamentar.
Calero lembra que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) proíbe os juízes de opinarem sobre processos pendentes de julgamento, tanto seus quanto de outros magistrados, ou de manifestarem “juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças”.
O deputado também cita uma decisão de 2023, na qual o CNJ entendeu que o simples indício de conteúdo político na publicação de um magistrado já configura infração disciplinar (Processo 0000022-23.2022.2.00.0613).
Afastamento do cargo
Bretas está afastado do cargo há dois anos. Na ocasião do afastamento, o CNJ analisou três reclamações disciplinares contra o juiz.
Um dos pedidos foi feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com base em reportagem da revista Veja segundo a qual Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público. A publicação se baseou em delação do advogado criminalista Nythalmar Dias Ferreira Filho.
Segundo a OAB, Bretas violou deveres de imparcialidade e tratamento urbano com as partes, entre outros previstos no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, culminando, inclusive, em desrespeito às prerrogativas dos advogados.
O segundo processo foi ajuizado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que apontou a condução de um acordo de colaboração premiada baseado apenas em informações repassadas por terceiro, cujo intuito, segundo ele, era favorecer a candidatura de Wilson Witzel ao governo estadual em 2018.
O caso é o da delação premiada de Alexandre Pinto, ex-secretário municipal de Obras do Rio, que envolveu Paes em um esquema de propinas no plano de infraestrutura da Olimpíada de 2016. Ele chegou a admitir que não estava presente no momento em que Paes teria acertado um pagamento à construtora Odebrecht.
A defesa do prefeito pediu acesso ao material da delação, mas Bretas alegou sigilo do caso e negou. Mesmo assim, alguns trechos do depoimento vazaram. Na época em que a delação veio à tona, Paes liderava as pesquisas de intenção de voto para o governo do Rio. Porém, ao fim, Witzel foi eleito.
A terceira reclamação disciplinar foi ajuizada pela Corregedoria Nacional de Justiça, a partir de correição extraordinária determinada pelo corregedor e coordenada pelo desembargador Carlos von Adamek.
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