Convenção de Haia

STF começa a analisar repatriação de crianças em casos de violência doméstica

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6 de fevereiro de 2025, 16h54

O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a analisar nesta quinta-feira (6/2) uma ação que discute o dispositivo da Convenção de Haia que trata da repatriação de crianças retiradas.

Supremo vai retomar o julgamento em uma data ainda a ser marcada

Na ação, o PSOL busca impedir o regresso de crianças ao lar no exterior quando houver suspeita ou risco de violência doméstica. A sessão desta quinta foi reservada às sustentações das partes e às manifestações dos amigos da corte. O julgamento ficou para data a ser marcada.

De acordo com a convenção, em casos de violação de direito de guarda, a criança ou adolescente deve ser devolvido ao país de origem se sua chegada ao novo país se deu em menos de um ano.

A situação mais comum é aquela em que um dos pais ou um parente próximo leva a criança para outro país, desrespeitando o direito de guarda.

O Supremo tratará, em especial, do artigo 13, alínea “b”, que impede a repatriação imediata de crianças quando comprovado o risco de ordem física ou psíquica, ou quando fica claro que a criança ou adolescente ficará em “situação intolerável”.

O PSOl pediu que essa exceção também seja aplicada aos casos em que a motivação da vinda ao Brasil for a violência doméstica contra a mãe.

Manifestações

Na sessão desta quinta, a Advocacia-Geral da União se manifestou pela necessidade de interpretação conforme a Constituição ao artigo 13, alínea “b”, da convenção.

A interpretação a ser dada, sustentou a AGU, é a de que o retorno da criança pode ser obstado nos casos de comprovada violência doméstica contra a mãe, porque esses casos se enquadram nas definições de “risco grave” ou “situação intolerável”, previstas na convenção.

Luciene Cavalcante representou o PSOL. Em sua sustentação, ela afirmou que não considerar os casos de violência doméstica leva à “aplicação equivocada da convenção”. Diferentemente da AGU, a autora sustentou que indícios de violência bastam para obstar a repatriação.

“Temos casos em que, mesmo comprovando a violência doméstica, o artigo que repatria a criança é aplicado. É uma situação dramática. Por que é tão difícil a gente entender que a violência doméstica e familiar é um impeditivo? Não pode uma criança ser criada por um agressor”, disse Luciene.

“Mães em fuga de lares com violência doméstica não são sequestradoras e criminosas. O Estado brasileiro não pode ter dúvidas quanto a isso. São mulheres em vulnerabilidade que devem ser acolhidas e viver com seus filhos em um ambiente seguro e sadio”, prosseguiu ela.

A Procuradoria-Geral da República sustentou uma posição que está no meio termo entre a AGU e o PSOL. A PGR disse que não é necessária prova cabal, mas elementos que indiquem casos de violência.

Maria Cláudia Bucchianeri, representante do Instituto Nós por Elas, afirmou que não entregar a criança, a depender da hipótese concreta, é respeitar a convenção, uma vez que há exceções à repatriação. Ela também sustentou ser desnecessária a comprovação de violência doméstica, porque a convenção não exige juízo de certeza, mas “risco grave de perigo”.

“Esse automatismo de entrega é que devemos romper. Cumprir o tratado é não devolver a criança a um ambiente de violência. A convenção não fala em prova inequívoca da violência. Fala em ‘risco grave de perigo’. Nós podemos falar em plausibilidade jurídica de uma situação de violência. A convenção não exige juízo de certeza. Exigir juízo de certeza é esvaziar as hipóteses em que a própria convenção diz que a criança não pode ser devolvida.”

A advogada também disse que o dispositivo em discussão, que tem quase meio século, foi feito pensando, em grande parte, nos casos em que pais retiravam crianças do país de origem para punir as mães por causa de divórcios. Hoje, porém, grande parte dos casos é de mães fugindo de violência doméstica.

ADI 7.686

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