O poder de polícia da Funai pelo Decreto 12.373/2025
6 de fevereiro de 2025, 6h04
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas teve a sua criação autorizada pela Lei 5.371/1967. Transcorridos 58 anos, finalmente, o poder de polícia da agência indigenista foi regulamentado. Ao longo dessas quase seis décadas, a Funai sempre foi uma espécie de “patinho feio” da administração federal, com verbas e pessoal muito abaixo das suas necessidades, o que, na prática, impediu que ela pudesse ter uma ação administrativa efetiva.
A Funai sempre funcionou na base da dedicação pessoal de suas equipes, dada a pouca atenção recebida do governo federal. Substituiu o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que, como foi demonstrado pelo Relatório Figueiredo, tornou-se uma agência governamental contra os indígenas, tal o número de violências, roubos, fraudes e outros ilícitos gravíssimos praticados contra aqueles que deveriam ser protegidos pelo Estado.
A regulamentação do poder de polícia da Funai mediante a edição do Decreto 12.373/2025 não é, infelizmente, uma iniciativa própria do Executivo Federal, mas, antes, responde a uma determinação do Supremo Tribunal Federal, relator Luís Roberto Barroso, decorrente da ADPF 709 ajuizada pela Articulação dos Povoa Indígenas do Brasil (Apib) e pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).
3 – Reitero que a regulamentação do poder de polícia que a regulamentação do poder de polícia indigenista não esvazia a competência dos demais órgãos ambientais. Pelo contrário, Funai e Ibama podem exercer o poder de polícia em terras indígenas, de forma coordenada e colaborativa. Esse nível de coordenação é comumente exercido entre a União e os órgãos estaduais do Meio Ambiente, e não há razões para que isso não ocorra entre dois órgãos do mesmo nível federativo.
4 – Ante o exposto, determino que: (i) o ato normativo que regulamenta o poder de polícia da Funai seja publicado até 31.01.2025; (ii) caso o ato normativo não seja publicado até essa data, determino que os documentos preparatórios sejam anexados aos autos, ainda que na forma de petição sigilosa.
Infrações aos direitos indígenas
O Decreto 12.373/2025 veio, portanto, preencher uma importante lacuna legal e, nesse sentido, merece aplausos. Entretanto, o texto legal é insuficiente para atingir os objetivos pretendidos. O seu artigo 3º define as “infrações aos direitos dos povos indígenas, entre outras previstas em lei”. As infrações listadas nos oito incisos do artigo podem ser divididas em dois tipos:
As objetivas: o ingresso de não indígenas em terras indígenas, em desacordo com o disposto em lei; as edificações ilegais e as atividades agrossilvipastoris ou turísticas promovidas por terceiros em terras indígenas em desacordo com o disposto em lei; a remoção de grupos indígenas de suas terras; a violação ao usufruto exclusivo das riquezas naturais, conforme disposto na Constituição; a utilização imprópria da imagem dos indígenas ou de suas comunidades sem a devida autorização, inclusive para fins comerciais, promocionais ou lucrativos; e a dilapidação dos bens ou a descaracterização dos limites das terras indígenas, e os danos às placas e aos marcos delimitadores de terras indígenas ou a sua remoção. Tais infrações são objetivamente apuradas e não representam maior dificuldade jurídica.
Por outro lado, as infrações subjetivas são as práticas que atentem contra o patrimônio cultural, material e imaterial dos povos indígenas e as práticas que atentem contra o conhecimento tradicional dos povos indígenas. Essas últimas são extremamente abstratas e, portanto, muito discutíveis do ponto de vista jurídico.
O parágrafo único do artigo 3º dispõe que: “as condutas e as atividades consideradas lesivas aos direitos dos povos indígenas sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções cabíveis, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” Entretanto, inexplicavelmente, o Decreto 12.373/2025, em nenhum de seus dispositivos, traz qualquer penalidade a ser aplicada à violação de suas normas. É, portanto, inócuo.
Medidas em risco aos direitos indígenas
O artigo 4º autoriza a Funai a impor medidas cautelares, em caso de risco iminente aos direitos dos povos indígenas, e a adotar, motivadamente, entre outras, na forma do disposto em lei, as seguintes medidas cautelares:
interditar ou restringir o acesso de terceiros a terras indígenas, por prazo determinado e prorrogável;
expedir notificação de medida cautelar a infratores, para lhes cientificar a respeito da infração cometida e estabelecer, se for o caso, prazo para sua cessação ou retirada voluntárias, sob pena da adoção subsequente de medidas administrativas ou judiciais coercitivas;
determinar a retirada compulsória de terceiros das terras indígenas quando houver evidência de prejuízo ou risco iminente para os povos ou para as terras indígenas;
restringir o acesso e o trânsito de terceiros nas terras indígenas e nas áreas em que se constate a presença de indígenas isolados, nos termos do disposto no artigo 7º do Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996;
solicitar a colaboração de autoridades de outros órgãos ou de entidades públicas de controle e repressão, respeitadas as respectivas competências legais;
apreender bens ou lacrar instalações de particulares empregados na prática de infração; e
realizar, excepcionalmente, a destruição, a inutilização ou a destinação de bens utilizados na prática de infração.
O artigo 5º do decreto é uma obviedade, pois, com ele ou sem ele, a Funai sempre pode “[no exercício de suas atribuições (…) solicitar aos órgãos de segurança pública, especialmente à Polícia Federal, às Forças Armadas e às forças auxiliares, a cooperação necessária à proteção das comunidades indígenas, da sua integridade física e moral e do seu patrimônio, quando as atividades necessárias a essa proteção forem próprias da competência dos órgãos de segurança pública”.
É de se lamentar que, após 58 anos de criação da Funai, o seu poder de polícia tenha sido “regulamentado” em texto tão pobre e de pouca, ou nenhuma, utilidade prática.
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