Ao recusar injúria racial contra branco, STJ evita distorção do que é racismo
6 de fevereiro de 2025, 18h51
Ao decidir que o crime de injúria racial, previsto na Lei 7.717/1989, não se configura no caso de ofensa baseada na cor da pele dirigida contra pessoa branca, o Superior Tribunal de Justiça evita que o caráter antirracista da legislação e o próprio conceito de racismo sejam esvaziados.
Essa conclusão é de advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o julgamento promovido pela 6ª Turma do STJ na terça-feira (4/2). O colegiado trancou uma ação penal por injúria racial que tinha como réu um homem negro.
Ele foi denunciado pelo Ministério Público de Alagoas por ter ofendido um homem branco em discussão por WhatsApp, chamando-o de “escravista cabeça branca europeia”.
Relator do Habeas Corpus julgado, o ministro Og Fernandes sustentou que era necessário afastar qualquer “miopia jurídica” quanto ao crime de injúria racial: ele não se configura no caso de ofensa contra pessoa branca exclusivamente por sua cor de pele.
Todos os advogados ouvidos pela ConJur destacaram que assim deve ser porque o objetivo da Lei 7.717/1989 é conter a discriminação contra uma população historicamente vulnerabilizada, colocada em posição de desvantagem sistêmica.
Realidades históricas
“Se houver uma ofensa à honra, ela pode ser enquadrada como injúria comum. O que não se pode admitir é que o conceito de racismo seja esvaziado ou distorcido para equiparar realidades historicamente desiguais”, diz Márlon Reis, sócio fundador do escritório Márlon Reis & Estorilio Advocacia e advogado pro bono da Educafro Brasil.
Para ele, casos de embate racial devem ser tratados pelo Judiciário com olhar atento às dinâmicas históricas e sociais que permeiam as relações raciais no Brasil. Ao decidir, o STJ reforçou uma linha de raciocínio consolidada: a de que racismo e injúria racial são fenômenos que se baseiam na manutenção de estruturas de poder e exclusão.
“Não se tratam de simples xingamentos ou trocas de ofensas, mas de práticas que, ao longo dos séculos, serviram para restringir direitos e perpetuar desigualdades”, afirma Reis. “Essa decisão do STJ é, portanto, acertada e necessária para impedir tentativas de banalização do conceito de racismo e para garantir que o Brasil continue avançando na construção de um sistema jurídico que realmente combata a discriminação racial.”
Abordagem contextualizada
Na mesma linha, Lazara Carvalho, assessora de Participação Social e Diversidade no Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, destaca que o episódio exige uma abordagem contextualizada, que leve em conta não apenas a literalidade da ofensa, mas o impacto social e histórico do racismo no Brasil. Isso porque a ofensa contra pessoa branca não reproduz um sistema de opressão estrutural que justifique a aplicação da injúria racial.
“Diante de situações como essa, o Judiciário deve agir primeiramente para diferenciar ofensa individual de discriminação estrutural: uma ofensa individual contra uma pessoa branca pode ser juridicamente relevante, mas não se equipara ao racismo histórico e estrutural que fundamenta a injúria racial.”
Na opinião de Lazara, o conceito de “racismo reverso” não se sustenta porque o racismo é uma estrutura de poder, e não apenas um ato individual de preconceito. “Se o Judiciário equiparasse a injúria racial contra pessoas brancas àquela sofrida por pessoas negras, estaria distorcendo o propósito da legislação antirracista, podendo até enfraquecer sua aplicação nos casos em que ela realmente deve incidir.”
Responsabilidade do acusador
No entendimento de Hugo Leonardo Pádua Mercês, supor que uma pessoa branca pode ser vítima de injúria racial é uma séria impropriedade jurídica porque a intenção do legislador brasileiro está assentada na desigualdade racial que estrutura a sociedade brasileira.
“Ou seja: a norma reconhece que a desigualdade está contida no tipo penal, exigindo que a raça historicamente vulnerabilizada (negra) seja a vítima do crime. Interpretar a norma fora disso é, com todo o respeito, retórica terraplanista.”
Com decisões como a do STJ, o Judiciário assume, de forma ordenada e estratégica, sua parcela de responsabilidade no enfrentamento ao racismo no Brasil, segundo Mercês. Em seu voto, o ministro Og Fernandes citou e utilizou o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, editado pelo Conselho Nacional de Justiça.
“O caso julgado pelo STJ é um excelente precedente para servir de parâmetro ao Poder Judiciário. Importante, contudo, fazer uma ressalva: é preciso apurar se, no caso concreto, o órgão acusador praticou alguma infração ao acusar um negro de racismo”, afirma o advogado.
HC 929.002
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