Fungibilidade recursal em pauta repetitiva no STJ: Temas 1.267 e 1.281
6 de fevereiro de 2025, 13h27
A decisão judicial pode ser impugnada por um recurso e, dada a quantidade de decisões e fases processuais, há uma pluralidade de recursos, conforme previsto no artigo 994 do CPC. De cada decisão, um recurso será cabível.
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A singularidade recursal é a própria base linear construtiva do sistema recursal, adaptando o princípio da taxatividade, o requisito do cabimento recursal e o princípio da consumação, construindo uma gama de relações de correspondência adequada da decisão com determinado recurso.
Se há uma lógica no sistema recursal, é por causa da singularidade.
A fungibilidade recursal existe para quando o sistema não funcionar como deveria, por erro legislativo que cause dúvida ou má interpretação, que seja possível não prejudicar as partes.
De maneira geral, fungibilidade significa troca, a possibilidade de que uma coisa seja aceita por outra, seja substituída tranquilamente, por mais que não seja a mesma coisa anterior.
Se um sistema preza pela singularidade recursal, pela identificação da relação decisão/recurso, consequentemente, não cabe o erro na interposição do recurso, dada a necessidade de adequar o real cabimento ao recurso correspondente para aquela situação.
Essa é a concepção do sistema, e este deve trabalhar com uma construção em torno de obviedades e certezas. Se há certeza, o cabimento é óbvio e, diante disso, caberá um recurso, sem o cabimento de outro.
Fungibilidade
Já a fungibilidade é a possibilidade que um tribunal receba um recurso inadequadamente interposto, pelo fato de que há dúvida sobre o real cabimento de determinado recurso para uma decisão, o que torna uma situação não coberta de certeza e, diante disso, para que o jurisdicionado não seja prejudicado, aceita-se um recurso no lugar de outro.
Não é um princípio novel no ordenamento e o CPC/1939 já previa no seu artigo 810 que “salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento”. Ou seja, era uma regra antigamente e primava pela não existência de má-fé ou erro grosseiro, ambos requisitos negativos, para que fosse possível aceitar um recurso por outro.
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Mas, diante desse dispositivo, se interpretava que, para não ser erro grosseiro, evidente que o sistema em si deveria ser mal construído, trazendo uma dúvida para uma determinada decisão e a sua singularidade. Logo, para que não fosse um simples equívoco, a situação processual decisória deveria trazer uma incerteza tamanha [1] — tanto na doutrina quanto na jusrisprudência — que permitia utilizar ambos os recursos, aquele que a singularidade entendia como aparentemente o mais correto e aquele que a parte entendeu como mais adequado.
Temas sobre fungibilidade
O STJ sempre está a enfrentar casos sobre fungibilidade recursal, com dúvidas sobre cabimentos recursais. Em termos de afetação para julgamento em rito repetitivo, recentemente, o STJ afetou dois temas sobre fungibilidade:
- o tema 1281 – sobre agravo de instrumento e apelação da primeira decisão procedente na ação de exigir contas [2];
- o tema 1267 – sobre correição parcial e agravo de instrumento contra decisão de primeiro grau que não admite apelação [3].
Importante analisar cada tema e a pauta a ser julgada.
Sobre o Tema Repetitivo 1.281, a decisão de afetação tem o seguinte teor:
Possibilidade da aplicação do princípio da fungibilidade em apelação interposta contra ato judicial que julga a primeira fase da ação de exigir/prestar contas, ou sua impossibilidade, por se tratar de erro grosseiro, pelo entendimento de ser uma decisão parcial de mérito, quando procedente, desafiando o recurso de agravo de instrumento, ou terminativa de mérito, quando improcedente, a autorizar o manejo da apelação.
A ação de exigir contas é dividida, idante da sua procedimentalidade especial, em duas fases: uma para discussão sobre o direito de exigir contas; e, se procedente este direito, abre-se a segunda fase sobre as contas prestadas, a impugnação destas e possíveis haveres.
A especialidade da ação de exigir contas está em justamente ter duas decisões de mérito possíveis, como dito. No CPC/1973, ambas eram sentenças, definidas pelo ordenamento. Já no CPC/2015, com a inserção da decisão parcial de mérito, com base no artigo 356, a primeira fase, se procedente, terá uma decisão interlocutória que julga o mérito, sem ser sentença e, consequentemente, cabível o agravo de instrumento, conforme já decidido em 2019 pelo STJ no REsp 1.680.168 SP [4].
Fungibilidade entre apelação ou agravo de instrumento
Até essa definição se consolidar como uma decisão parcial de mérito aquela procedente sobre a fase inicial de exigir contas, o STJ entendia pela fungibilidade entre apelação ou agravo de instrumento, com o fundamento dessa dúvida plausível, como descrito no REsp 1.746.337 [5].
No entanto, com essa definição, o STJ passou a não aceitar mais a fungibilidade meramente pela dúvida doutrinária, pela discussão se a decisão procedente desta primeira fase era sentença ou uma interlocutória, uma vez que se definiu como interlocutória e, consequentemente, o agravo de instrumento, como claro no julgamento do AgInt no REsp 2.123.895.[6].
O sentido está no fato de que a fungibilidade nasceu pela discussão na doutrina sobre a natureza jurídica da decisão em questão e quando a jurisprudência se pacificou, não havia mais sentido em aceitar a fungibilidade, pela dúvida dissipada.
Ou seja, sem fungibilidade para a utilização da apelação no lugar do agravo de instrumento, dentro das condições normais.
Contudo, é comum que os juízes, ao prolatarem essa decisão da procedência em exigir contas — 1ª fase, cadastram a decisão no sistema como sentença, ainda que seja definida pelo STJ como decisão interlocutória. Este ato errado do juiz induz as partes a entenderem, pelo movimento no sistema, como uma sentença, criando uma dúvida a partir do erro judicial, não mais pela dúvida doutrinário (impactando a jurisprudencial).
Fungibilidade com erro do juiz
Nesse caso, o STJ ainda aceita a fungibilidade quando houver o erro pelo juiz e sem aceitar a fungibilidade nos outros casos, o que ensejou uma busca pela discussão e pacificação sobre essa fungibilidade, além de estipulação de critérios, contudo sem discutir no tema repetitivo em questão a natureza jurídica da decisão ou a própria recorribilidade [7], por não ser matéria da afetação.
A tendência será negar a fungibilidade sobre dúvida doutrinária e jurisprudencial sobre agravo de instrumento e apelação, reafirmando o cabimento somente do agravo de instrumento e manter a fungibilidade quando houver erro judicial que insere a decisão de maneira equivocada no sistema, com nome de sentença, o que tornaria possível a apelação, excepcionalmente.
Sobre o tema repetitivo 1267, a decisão de afetação tem o seguinte teor:
Possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, na hipótese de apresentação de correição parcial, ao invés da interposição de agravo de instrumento (art. 1.015 do CPC), contra decisão de magistrado de primeiro grau que, exercendo juízo de admissibilidade, não admite apelação e, assim, não faz a remessa dos autos ao respectivo Tribunal, na forma prevista pelo § 3º do art. 1.010 do CPC de 2015.
A partir da redação do artigo 1.010, § 3º do CPC, uma vez protocolada a apelação, o juiz de 1º grau não deve analisar a admissibilidade recursal, com a necessária remessa para o Tribunal de 2º grau, uma das alterações mais significantes na seara recursal.
Ou seja, ao juízo recorrido somente compete receber o recurso, intimar para contrarrazões e proceder a remessa para o tribunal competente, mesmo que o erro já seja visível, como uma intempestividade latente, por exemplo.
Recursos de tribunal no Maranhão
No recorte que gerou a afetação, vários recursos especiais provenientes do TJ-MA versavam exatamente sobre o juízo de admissibilidade negativo realizado por juiz de 1º grau, sem proceder a remessa ao tribunal de 2º grau e, dada a negativa, as partes dessa multiplicidade interpuseram correição parcial, dada a não inclusão dessa matéria da decisão interlocutória no rol do artigo 1.015 do CPC, até pelo fato da sentença encerrar a fase de conhecimento.
Sem o cabimento do agravo de instrumento, a correição parcial passou a ser uma opção, ainda que seja uma previsão regimental de alguns tribunais e não uma previsão legal, por não constar no ordenamento processual.
Nos recursos representativos da controvérsia afetada, as decisões recorridas foram no sentido de entenderem que a recorribilidade seria agravo de instrumento pelo artigo 1.015, parágrafo único do CPC, dada a sua amplitude para outras fases sem ser a de conhecimento, não aplicando a fungibilidade à correição parcial, o que ensejou os recursos especiais.
Sem a fungibilidade aplicada ao caso e a inadmissão da correição parcial, com vários recursos especiais e multiplicidade, o STJ decidiu pela afetação do tema, com a discussão afetada sobre dois pontos: qual seria o meio impugnativo mais adequado — agravo de instrumento ou correição parcial; se a fungibilidade é aplicável.
Sobre o meio impugnativo, a conjuntura é incorreta, tanto do TJ-MA em achar que o agravo de instrumento é cabível quanto das partes e da afetação do STJ ao enquadrarem a dicotomia com a correição parcial, uma vez que o meio impugnativo correto e adequado é a reclamação.
Tumulto processual
Não há previsão legal de decisão interlocutória pós a prolação da sentença, o que inviabiliza o agravo de instrumento e a correição parcial somente quando prevista no regimento interno de tribunal geralmente é cabível quando há um tumulto processual e uma irrecorribilidade.
De certa maneira, em uma decisão dessa, há um tumulto processual e uma irrecorribilidade, porém com a dependência de que haja uma previsão regimental em cada tribunal, diferentemente da reclamação que já demonstra uma impugnabilidade clara e prevista no artigo 988, I do CPC [8].
A reclamação é cabível quando houver uma usurpação de competência, o que é notadamente aplicável ao caso, pelo fato de que o juízo de 1º grau usurpa a competência do tribunal de 2º grau ao decidir sobre matéria que não lhe, o que torna cabível a reclamação e que deve ser a melhor resposta para o tema, ao menos na primeira parte da afetação e, se for o caso, com a aceitação da correição parcial ou da reclamação.
Sobre a segunda parte, a fungibilidade, o entendimento correto deve ser pela aceitação entre agravo de instrumento ou correição parcial até o momento da definição da tese e a impossibilidade depois que sanar a dúvida sobre o cabimento recursal ou impugnativo, seja decidindo pelo agravo de instrumento, correição parcial ou reclamação.
[1] “São hipóteses controversas, na doutrina e na jurisprudência, por força de razões mais ou menos convincentes, a respeito do recurso próprio contra algum ato decisório. Só em casos tais se pode cogitar, razoavelmente, do aproveitamento do recurso impróprio no lugar do próprio, inclusive no CPC de 2015.” ASSIS, Araken de. Manual de recursos. 8a. ed. São Paulo: Ed. RT, 2017. p. 64.
[2] Tema Repetitivo 1281 – afetado e em tramitação para julgamento.
[3] Tema Repetitivo 1267 – afetado e em tramitação para julgamento.
[4] 3. Não acarretando a decisão o encerramento do processo, o recurso cabível será o agravo de instrumento ( CPC/2015, arts. 550, § 5º, e 1.015, II). No caso contrário, ou seja, se a decisão produz a extinção do processo, sem ou com resolução de mérito (arts. 485 e 487), aí sim haverá sentença e o recurso cabível será a apelação. 4. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1680168 SP 2017/0147426-8, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 09/04/2019, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/06/2019)
[5] 7- Havendo dúvida objetiva acerca do cabimento do agravo de instrumento ou da apelação, consubstanciada em sólida divergência doutrinária e em reiterado dissídio jurisprudencial no âmbito do 2º grau de jurisdição, deve ser afastada a existência de erro grosseiro, a fim de que se aplique o princípio da fungibilidade recursal. (…) STJ – REsp 1746337, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a. Turma, DJe 12/04/2019).
[6] 3. Demonstrado que há previsão explícita na legislação processual, a qual indica de forma clara a espécie recursal apropriada para o caso concreto, a equivocada interposição de um recurso em lugar de outro revela um erro inescusável, e não uma dúvida objetiva, configurando um equívoco material que conduz à decisão de não conhecimento” (AgInt no REsp 2123895 / MG – Rel. Min. Humberto Martins – J. 26/08/2024 – DJe 28/08/2024).
[7] Entendendo que o tema repetitivo definirá todas as questões, inclusive sobre a natureza da decisão: ARAÚJO, José Henrique Mouta. Tema 1.281/STJ e o recurso cabível contra decisão na 1ª fase da ação de exigir contas. https://www.conjur.com.br/2024-out-04/tema-1-281-stj-e-recurso-cabivel-contra-decisao-na-primeira-fase-da-acao-de-exigir-contas/
[8] Enunciado nº 207 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpa ção da competência do tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de apelação.
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