Tendências do STF: aposentadoria é revisada se não custar caro ao INSS
5 de fevereiro de 2025, 6h09
Em matéria de direito social, especialmente demandas que o réu aparece com o nome de Instituto Nacional do Seguro Social, tem causado aflição aos aposentados o posicionamento trilhado pelo Supremo Tribunal Federal. Se o caso tiver repercussão geral, pior ainda.
A considerar os julgamentos mais relevantes nesse perfil, os ministros do STF têm se preocupado mais com o valor da conta a ser paga pelo INSS do que propriamente com a qualidade do direito levado ao debate. O aspecto jurídico tem se apequenado em relação ao econômico.
A “sustentabilidade financeira do INSS” e o “equilíbrio financeiro e atuarial” são os argumentos de todas horas para negar direitos dos trabalhadores. Nos últimos 15 anos, tais argumentos anestesiaram o cérebro da maioria dos ministros. Estiveram presentes em 2013 na revisão do melhor benefício (Tema 334), em 2014 na limitação de revisar aposentadoria em até dez anos (Tema 313), em 2017 na desaposentação (Tema 503) e na constitucionalidade do fator previdenciário do professor (Tema 960), em 2021 no acréscimo de 25% a outras aposentadorias (Tema 1.095) e em 2024 na revisão da vida toda (Tema 1.102).
Repercussão que prejudica geral
O conceito de repercussão geral envolve os recursos nos quais a questão jurídica discutida é idêntica e se repete país afora. Engloba temas relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. Tal sistemática é conveniente ao Judiciário, pois com apenas um julgamento se resolve milhares de casos idênticos, desafogando o trabalho, diminuindo o acervo e melhorando as estatísticas oficiais.
No caso dos aposentados, quando o Supremo julga uma questão com repercussão geral, naquela oportunidade uma revisão previdenciária aceita pode automaticamente facilitar a vida de muitos iguais. Por outro lado, quando é negada sepulta-se em cova coletiva a esperança de milhares de aposentados de uma só vez. Ultimamente, a segunda hipótese tem sido mais frequente.
Repercussão geral, indiretamente, representa volume de pessoas. Logo, tem potencial de o julgamento representar risco de sair mais caro ao INSS. São nestas questões que os argumentos econômicos têm praticamente dominado os jurídicos. Invariavelmente, nestes casos a Advocacia Geral da União tem dispensado maior atenção e renovado a sensibilidade dos ministros acerca da sustentabilidade financeira do Instituto. Já nas questões de menor expressão financeira, tendente a alcançar ‘meia dúzia’ de interessados, o argumento jurídico volta a povoar a razão.
A virada de chave do STF
Dos casos de grande repercussão previdenciária, tem um que chama atenção pela guinada e pela metamorfose que o STF se transformou com o passar dos anos. Talvez seja um dos últimos direitos aceitos como viável, ao lado da revisão do teto (RE 564.354/SE), e que o Supremo foi bondoso o suficiente em reconhecê-lo, mesmo possuindo status de repercussão geral e beneficiando uma quantidade significativa de aposentados. O Tema 334 versa sobre o “direito a cálculo de benefício de aposentadoria de acordo com legislação vigente à época do preenchimento dos requisitos exigidos para sua concessão”.
Nele, em 2013 já se fazia presente o argumento do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência. Mas naquela altura uma minoria de ministros o encampava. Nessa linha, cita o voto do ministro Dias Toffoli que rechaçou a revisão, pois “isso abre todo o sistema para um quadro de enorme insegurança jurídica, com reflexos sérios em todo o sistema que busca um equilíbrio atuarial”. Na época, esse tipo de entendimento ainda era minoritário. Não foi suficiente para deter a revisão do Tema 334.
Assim, a revisão do melhor benefício consiste em aplicar o direito adquirido, para que o segurado tenha o benefício calculado do modo mais vantajoso, consideradas todas as datas de exercício possíveis desde o preenchimento dos requisitos para a aposentadoria. Mesmo que lei posterior revogue o dito benefício, estabeleça requisitos mais rigorosos para a sua concessão ou, ainda, imponha critérios de cálculo menos favoráveis, será garantido que o aposentado aplique a regra antiga mais benéfica, mesmo o requerimento tendo ocorrido posteriormente no INSS, numa época que o cenário jurídico seja hostil.
No fundo, a tese ajudou a situação de muitos segurados que precisaram pagar pequena fortuna ao INSS a título de salário de contribuição. Antigamente a contribuição previdenciária tinha a capacidade de alcançar salários de até 20 vezes o maior salário mínimo vigente no país. Em valores atuais, seria o correspondente ao segurado recolher sobre o valor de R$ 30.200,00.
Além de ficar conhecido por tentar controlar a inflação com vários planos econômicos, o ex-presidente José Sarney foi responsável em 1986 de criar o Decreto-Lei 2.318 que afastou o teto de 20 salários mínimos das contribuições previdenciárias, para no seu lugar reduzi-lo a 10 salários mínimos.
Muitos trabalhadores comemoram esta economia de gasto, mas outros tantos tiveram enorme prejuízo com a novidade. Pagaram por um valor e nem todos puderam usar na aposentadoria. Lembrando que em tal situação o INSS não costuma (nem costuma atualmente via de regra) a devolver contribuição paga. Quem sonhava em se aposentar com melhor renda, com a mudança da regra, muitos conheceram ali a insegurança jurídica de mudanças repentinas de normas, atualmente tão banalizada. Além de muitos segurados amargarem o enriquecimento indevido do INSS, sem oferecer a respectiva contrapartida.
Como a revisão do melhor benefício só foi julgada pelo STF em 2013, após 27 anos da mudança de Sarney em 1986, poucos aposentados se beneficiaram na prática de usar as contribuições vertidas ao INSS no patamar de até 20 salários mínimos, sobretudo em razão do prazo de dez anos para se revisar aposentadoria. A revisão do melhor benefício foi boa, mas terminou sendo inócua para quem pretendia incluir na aposentadoria salários mais elevados.
O aspecto econômico nas lides previdenciárias de grande repercussão
Com exceção das questões previdenciárias resolvida pelo STF há muito tempo, os debates dos últimos quinze anos estão infestados do posicionamento acerca da sustentabilidade financeira da Previdência Social e do equilíbrio financeiro e atuarial. Nunca foi tão fácil para a Advocacia Geral da União fazer a defesa do INSS nos tribunais superiores. Se tornou previsível que as grandes teses previdenciárias estarão fadadas à solução jurídica de inviabilidade da revisão em razão do impacto financeiro que ela provocará nas contas públicas.
Uma rápida digressão nas principais teses previdenciárias analisadas pelo STF, infelizmente, endossa esse raciocínio.
Em 2014, no julgamento que limita o prazo de revisar aposentadoria em até dez anos (Tema 313), o STF podou o direito de aposentados consertarem erro praticados na concessão do benefício após esse prazo. Essa foi uma das principais decisões negativas que o Supremo proporcionou aos aposentados, causando abalo vitalício no patrimônio jurídico e financeiro de aposentados que não se aperceberam do erro do INSS no ato concessório. Mesmo a matéria previdenciária sendo de trato sucessivo e que o serviço do INSS é muito falho, boa parte de aposentados — inclusive os de hipossuficientes, baixa renda e analfabetos — terão que conviver com erros praticados pelo INSS, que teima em se omitir silenciosamente diante de erros em massa.
Mesmo assim, ali não deixou de se invocar o zelo que os ministros têm com as contas do INSS, ficando estampado logo no item 2 da ementa do Tema 313 a necessidade de observar o equilíbrio financeiro:
“RECURSO EXTRAODINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. […] 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário. […]”
Em 2017, na desaposentação (Tema 503), o ministro Dias Toffoli externou novamente sua sensibilidade com os gastos do INSS:
“Não obstante, há de se pensar o excepcional interesse social também sob outro prisma: o do equilíbrio atuarial da Previdência Social. Muito mais gravoso seria onerar em bilhões o erário com base em um benefício que esta Corte já entendeu carecer de qualquer previsão legal.”
Nessa mesma oportunidade, o ministro Luís Roberto Barroso usou o argumento ad terrorem, de caráter estritamente econômico para justificar as contas do governo na construção da decisão judicial:
“Caso essas fontes diretas de financiamento tornem-se insuficientes, o desequilíbrio do sistema teria de ser compensado por recursos dos orçamentos públicos, estendendo e agravando o impacto financeiro suportado por toda a sociedade. Longe de constituir especulação ad terrorem, a situação dos países mais desenvolvidos revela um quadro grave de deterioração da base de custeio da previdência social, o que tem exigido medidas severas de realinhamento dos respectivos sistemas.”
No tema 960, ao se analisar a incidência do fator previdenciário no cálculo da renda mensal inicial de aposentadoria por tempo de contribuição de professor, quando reunidos os requisitos após a edição da Lei n. 9.876/1999, no voto do ministro Edson Fachin há a citação repetida acerca da necessidade de se observar o equilíbrio atuarial, justificando assim o indeferimento da revisão.
Em 2021 no acréscimo de 25% da aposentadoria (Tema 1095), o ministro Dias Toffoli novamente falou da “necessidade da prévia fonte de custeio para a criação ou a extensão de benefícios, visando ao equilíbrio financeiro do sistema previdenciário”, a fim de negar a extensão do percentual para outros benefícios que não fosse a aposentadoria por invalidez.
‘Revisão da vida toda’: nova chance de usar as contribuições de 20 salários mínimos
Com o passar dos anos, os aposentados reacenderam a esperança de usufruir do valor que pagaram ao INSS nas décadas de 1970/80 no patamar de 20 salários mínimos. A “revisão da vida toda”, preconizada no Tema 1.102 no STF, busca extrapolar a base de cálculo da aposentadoria para contemplar períodos longínquos e anteriores a 1994. Seria um caminho jurídico de o aposentado ter o direito de gozar por aquilo que pagou com sacrifício, inclusive contribuições expressivas anteriores ao decreto de Sarney de 1986.
Todavia, em 2024, a formação de ministros do STF é totalmente diferente da que se via no início dos anos 2010. A Corte chegou ao ápice de usar sem comedimento o argumento econômico para rechaçar revisões previdenciárias. Em tantos anos, ocorreu uma evolução negativa do tribunal de aplicar irrestritamente o argumento da sustentabilidade financeira, independente do contraponto e da qualidade da questão jurídica. Embora a revisão da vida toda até tenha resistido a essa tendência do STF, ela terminou sendo encaminhada para uma frustração.
Nos últimos 15 anos, a maioria dos ministros se dignou a negar direitos previdenciários em larga escala nas questões realmente importantes e de repercussão geral.
Apesar de o Tema 1.102 ter se mostrado viável por três vezes no plenário do Supremo, prevaleceu a engenhosidade e a criatividade processual de maioria de ministros em fazer prevalecer o argumento econômico em detrimento do jurídico.
Na “revisão da vida toda”, o voto do ministro Nunes Marques está impregnado do aspecto econômico como determinante para repelir revisões previdenciárias de repercussão geral:
“Não custa lembrar que o acolhimento do pedido implicaria vultoso impacto econômico, a ser suportado pela autarquia previdenciária num primeiro momento — e, posteriormente, pelos novos segurados, em sucessivas reformas previdenciárias que decerto se mostrariam necessárias […]
Dados reunidos neste processo sinalizam despesa na ordem de 46,4 bilhões de reais apenas para quitar o passivo decorrente das aposentadorias por tempo de contribuição no período de 2015 a 2029 (Nota Técnica nº 4.921/2020 da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia). […]
Por fim — e este é um ponto que considero de grande importância —, não se deve menosprezar o efeito de uma possível decisão favorável sobre a inflação do país. É que as remunerações anteriores a 1994 (ano do implemento do Plano Real), ao serem corrigidas para os dias de hoje, trarão embutidos os altos índices inflacionários daqueles anos de descontrole dos preços, o que recrudesceria um fantasma que considerávamos extinto.”
O “custo da revisão” foi um argumento que prevaleceu entre a maioria dos ministros, inclusive o ministro Luiz Fux:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 3° DA LEI 9.876/99. REGRA DE TRANSIÇÃO PARA CÁLCULO DE BENEFÍCIOS. EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. RECURSO PROVIDO COM FIXAÇÃO DE TESE. […]
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Norma legal impugnada que cria regra de transição para garantir a higidez do sistema previdenciário após cenário de hiperinflação anterior ao Plano Real. Impossibilidade de o Judiciário criar nova forma de cálculo mais favorável a um grupo específico de segurados, ameaçando o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o RGPS, em desarmonia com o princípio da solidariedade. 4. PROVIMENTO DO RECURSO com fixação de tese, nos termos do voto do Min. Nunes Marques”.
Apesar de a “revisão da vida toda” ainda pender de desfecho, mas por si só revela a voluptuosidade e a fragilidade de entendimento da maioria dos ministros.
Conclusão
Em demandas previdenciárias, os ministros do STF vêm formando uma consciência coletiva de que devem repelir revisões previdenciárias, sobretudo em questões de repercussão geral e que afetem uma população significativa de aposentados, em razão do custo financeiro que isso pode causar nos cofres do INSS. Não é nada oficial, mas é uma espécie de tendência que infelizmente a Corte resolveu abarcar.
Mesmo em casos que houve prévia fonte de custeio, isto é, o aposentado pagou previamente para usufruir do que pagou no cálculo da aposentadoria, o STF já se pronunciou outrora que isso pode estremecer o caixa público. Ao proceder assim, ignora por completo que o segurado permeou o lastro financeiro da revisão que reivindica em juízo.
Nem mesmo os argumentos mais racionais parecem comover a ideação dos ministros de observar ou defender a todo custo a sustentabilidade financeira do INSS. Isso já aconteceu por exemplo no caso da desaposentação e da “revisão da vida toda”.
A possibilidade de revisão de cálculo de benefício já concedido, seja por meio do aproveitamento de contribuições posteriores (no caso da desaposentação), seja por meio do resgate de contribuições anteriores a 1994 (no caso da revisão da vida toda), foi suscitada ao STF com base em contribuições previdenciárias efetivamente recolhidas aos cofres do INSS e que se objetivava apenas recalcular para considerar algo que já foi pago pelo trabalhador. Existiu em ambos os casos prévia fonte de custeio, mas mesmo assim venceu o argumento que isso causaria prejuízo ao INSS.
Se em questões mais pragmáticas e com prévia fonte de custeio, o STF tem sido hostil em tais revisões previdenciárias, com muita mais repulsa os ministros da corte tratarão questões que dependam de maior boa vontade na interpretação normativa. Infelizmente, o que se aparenta no STF é a tendência de que as revisões previdenciárias com potencial de atingir um grande público serão sufocadas em razão do custo que podem causar ao INSS.
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