Opinião

Da soberania dos veredictos à presunção de inocência: debate sem vencedores

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5 de fevereiro de 2025, 17h25

O Tribunal do Júri, previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição de 1988, representa um dos pilares do sistema democrático, assegurando a participação popular no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Divulgação/Comarca de Joinville
tribunal do júri

Esse instituto consagra a soberania dos veredictos, um princípio que confere aos jurados a decisão final sobre a culpabilidade ou inocência do réu. No entanto, o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da mesma Carta Magna, estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Importante mencionar um momento histórico que foi a primeira Sessão do Tribunal do Júri em fevereiro de 1933 [1].

Este artigo busca analisar o embate entre esses dois princípios fundamentais e as consequências jurídicas e sociais desse confronto.

Soberania dos veredictos e sua importância no sistema penal brasileiro

A soberania dos veredictos significa que a decisão dos jurados deve ser respeitada e não pode ser reformada por um órgão superior em razão de seu mérito. Essa característica reforça a legitimidade do Tribunal do Júri, conferindo à população o poder de julgar seus pares em crimes de extrema gravidade.

Contudo, questiona-se até que ponto essa soberania pode ser absoluta, especialmente quando confrontada com a necessidade de garantir um julgamento justo e em conformidade com outros princípios constitucionais.

Princípio da presunção de inocência e a necessidade de resguardar direitos fundamentais

A presunção de inocência é um princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, impedindo que um indivíduo seja considerado culpado sem que haja uma decisão transitada em julgado. Esse princípio visa evitar condenações prematuras e erros judiciários, protegendo o cidadão contra abusos do Estado.

Para Bitencourt, a presunção de inocência é um dos princípios norteadores no Brasil, responsável por proteger a liberdade dos indivíduos, sendo previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que destaca: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Partindo no sentido que a Constituição é a nossa lei maior, toda a legislação infraconstitucional, portanto, deverá absorver e obedecer a tal princípio. O texto constitucional não deixa margem para interpretações errôneas, ou seja, foi eloquente e incisivo em afirmar a exigência do trânsito em julgado para posteriormente determinada pessoa ser considerada culpada. Ainda, a nossa Constituição Federal é a mais garantista que as outras constituições, mas foi a extensão que nosso legislador constituinte quis dar a essa cláusula pétrea [2].

Para Faucz, diz que o princípio da presunção de inocência deve ser interpretado a partir de três prismas: como norma de tratamento,  que assegura ao acusado que não seja tratado como culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória; norma probatória, cabe unicamente à acusação comprovar a culpa do acusado; e a norma de juízo, é quando o magistrado precisa demonstrar que com as provas produzidas pelo órgão acusador alcançaram o standart probatório para a decisão condenatória [3].

Neste mesmo sentido, Lopes nos ensina que o in dubio pro reo é uma manifestação da presunção de inocência enquanto regra probatória e também como regra para o magistrado, no sentido que não somente compete ao acusado nenhuma carga probatória, mas também que para condená-lo é necessário prova robusta e que supere a dúvida razoável. Na dúvida, a absolvição é medida que se impõe [4].

Spacca

O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, mas não é seu proprietário. A titularidade da Constituição pertence ao povo brasileiro, uma vez que ela emana do poder constituinte originário e reflete a soberania popular. O STF tem a função de interpretar e aplicar a Constituição, garantindo sua supremacia e coerência no ordenamento jurídico.

A insegurança jurídica pode surgir quando o Supremo emite decisões conflitantes ou quando há mudanças abruptas em sua jurisdição. Isso pode ocorrer por diversos fatores, como a evolução do entendimento dos ministros, novas composições da Corte ou a necessidade de adaptação do direito às mudanças sociais. No entanto, essa oscilação pode gerar incertezas para cidadãos e operadores do direito, que esperam previsibilidade nas decisões.

As garantias constitucionais são flagrantemente desrespeitadas e negadas, como observou-se no julgamento do Habeas Corpus 126.296/SP, datado de 17/02/2016. Neste Habeas Corpus, teve como teve relator o ministro Teori Zavascki, do qual estava para ser decidida a possibilidade da prisão em segunda instancia em face do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição.

Em 2016 foi crucial para os rumos do Brasil sobre a prisão em segunda instância, em especial, com o advento da operação “lava jato”. O STF, por maioria de votos e conforme o voto do relator, denegou a ordem, com a imediata revogação da liminar, para retomar a prisão preventiva do acusado [5].

No entanto, há situações em que a decisão soberana do Tribunal do Júri conflita com esse princípio, especialmente quando a condenação ocorre em primeira instância e ainda está sujeita a inúmeros outros recursos.

Conflito entre princípios e suas repercussões

O embate entre a soberania dos veredictos e a presunção de inocência gera inúmeras discussões, principalmente no tocante à execução provisória da pena. O Supremo Tribunal Federal enfrentou esse debate sobre a possibilidade de iniciar o cumprimento da pena mesmo antes do trânsito em julgado da condenação proferida pelo júri.

Este debate foi apreciado no julgamento do Recurso Extraordinário 1.235.340, com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal, com a apreciação o tema 1.068, firmou o entendimento de que “soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada” [6].

Com o advento desta decisão, sob maioria de votos pelo Supremo Tribunal Federal, essa discussão se intensificou com o advento da nova tese que permite a imediata execução da pena nos casos de condenação pelo Tribunal do Júri, sob o argumento de que a decisão soberana dos jurados deve ser respeitada.

De pronto, em que pese, todas as decisões devam ser respeitas, no entanto, essa interpretação deve receber críticas por contrariar a presunção de inocência e a necessidade de esgotamento das vias recursais.

Considerações finais

O duelo entre a soberania dos veredictos e a presunção de inocência demonstra um conflito de grande relevância jurídica e social. Enquanto a soberania do júri busca garantir a participação popular e a autonomia das decisões, a presunção de inocência visa assegurar que ninguém seja condenado injustamente.

Não há solução simples para esse impasse. O desafio consiste em encontrar um equilíbrio que respeite ambos os princípios, garantindo a efetividade do Tribunal do Júri sem comprometer os direitos fundamentais dos indivíduos. A evolução da jurisprudência e o debate doutrinário são essenciais para mitigar os efeitos desse embate e aperfeiçoar a justiça criminal no Brasil.

 


[1] TORRES, Margarinos. Processo penal do jury no Brasil. Livraria Jacinto, Rio de Janeiro/RJ, p. 03, 1939.

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão, causas e alternativas. ed. Saraiva Jur, São Paulo, p. 32, 2017.

[3] FAUCZ, Rodrigo. A defesa no Tribunal do Júri, guia para análise, planejamento e estratégias. ed. Emais, Florianópolis, p. 55, 2024.

[4] LOPES, Aury Jr. Direito processual penal. 21ª ed. Saraiva. São Paulo, p. 410, 2024.

[5] SOARES, Leandro da Cruz. Inconstitucionalidade da Prisão Obrigatória Perante Decisão do Plenário do Tribunal do Júri. ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, p. 48, 2023.

[6] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RE 1.235.340/SC, Pleno, Rel. Ministro José Roberto Barroso, 12/09/2014).

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