Teocracia americana

Igrejas tentam na Suprema Corte dos EUA um novo avanço no território do Estado

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5 de fevereiro de 2025, 14h24

A Suprema Corte dos Estados Unidos aceitou julgar uma dupla de ações que pretende dar a escolas religiosas o status de instituições públicas e, consequentemente, acesso a verbas dos governos estaduais, como qualquer escola pública.

Nos dois casos agora consolidados, o Oklahoma Statewide Charter School Board v. Drummond e o St. Isidore of Seville Catholic Virtual School v. Drummond, a corte vai examinar se uma igreja católica em Oklahoma pode criar a primeira charter school religiosa do país — e abrir caminho para outras tantas escolas “baseadas em fé” fazerem o mesmo.

Criar uma charter school é uma maneira de transformar uma escola privada em uma instituição de ensino com características de escola pública e, portanto, com direito a receber recursos financeiros do governo estadual, entre alguns privilégios.

escola dos EUA

Escolas religiosas nos EUA querem ganhar  status de instituições públicas

Uma escola obtém a designação charter quando é estabelecida por meio de contrato com o governo, que lhe concede uma espécie de alvará de funcionamento, desde que cumpridas certas condições.

Isto feito, a escola passa a operar de forma independente do distrito escolar. Pode estabelecer a própria missão, objetivos acadêmicos, procedimentos operacionais, sistema de contratação e o próprio currículo, para incluir, por exemplo, ensino religioso. Em troca, tem de cumprir certas metas de desempenho, para não perder os privilégios.

Diferentemente das tradicionais escolas públicas, que só podem matricular alunos de seu distrito residencial, uma charter school pode receber estudantes de qualquer parte da cidade. E pode não aceitar alguns. Há uma dúvida, por exemplo, se uma charter school religiosa aceitaria estudantes gays ou estudantes com alguma deficiência.

Violação da lei estadual

A pretensão da igreja católica St. Isidore of Seville não passou pelo escrutínio do Tribunal Superior de Oklahoma. A mais alta corte local declarou que a criação de escolas públicas pelo estado é ilegal, porque viola a lei estadual.

Além disso, “viola os princípios de longa data da Constituição dos EUA, que protegem a separação da igreja e estado, bem como Constituição de Oklahoma, que proíbe o uso de dinheiro público para o uso, benefício ou apoio de qualquer seita, igreja, denominação ou sistema de religião”, diz a decisão da corte.

Com essa decisão, o tribunal concordou, exatamente, com os argumentos do procurador-geral de Oklahoma, Gentner Drummond (que é republicano). Drummond acrescentou que uma decisão a favor da St. Isidore iria ameaçar a liberdade religiosa, por permitir laços mais estreitos entre o governo e algumas organizações religiosas.

Já na Suprema Corte, o caso apresenta duas questões fundamentais aos ministros. A primeira: o ensino de uma escola privada, operada de forma independente, constitui uma ação do governo, simplesmente porque assinou um contrato com o estado? Em outras palavras, uma charter school é uma atora estatal?

A segunda: os ministros vão analisar se as cláusulas sobre religião da Primeira Emenda da Constituição se aplicam às escolas baseadas em fé. A emenda diz: “O Congresso não deverá aprovar qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião; e não pode proibir seu livre exercício”.

Fundamentalmente, os religiosos perguntam à Suprema Corte se o estado viola a cláusula do livre exercício da religião ao excluir suas escolas do programa charter, simplesmente porque são religiosas? Se esse é o caso, a exclusão é justificada por preocupações do governo sobre estabelecimento de religião?

Em decisões passadas, a Suprema Corte, com uma maioria conservadora-republicana de 6 a 1, abriu brechas no muro que separa a igreja do estado.

Em Carson v. Makin (2022), por exemplo, a corte decidiu que “o estado não é obrigado a subsidiar a educação privada, mas, quando um estado oferece vouchers para ajudar as famílias a pagar pela educação privada, “ele não pode desqualificar algumas escolas particulares apenas porque são religiosas”.

Fundos governamentais

A igreja pede à Suprema Corte que estenda a decisão em Carson à sua atual pretensão de se tornar uma charter school — com base nesse e em outros entendimentos prévios da corte.

Em 2017, por exemplo, o presidente da corte, ministro John Roberts, escreveu no voto da maioria a favor de um centro cristão de assistência à infância, que pleiteava financiamento do estado para construir um playground:

“Excluir uma entidade cristã de um benefício público, para o qual ele é qualificado, somente por ser de uma igreja, é odioso a nossa Constituição, e não pode prevalecer”.

Nessa e em outras decisões dos últimos anos, a corte de John Roberts adotou uma teoria favorável às igrejas: a da acomodação dos interesses da religião e do estado. A corte considerou necessário promover uma cooperação entre a religião e o governo, desde que o estado não favoreça alguma religião em particular.

No momento, cinco ministros conservadores — John Roberts, Clarence Thomas, Samuel Alito, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh — se mostram predispostos a aceitar essa teoria. Em consequência, seriam a favor de dar maior ajuda às organizações religiosas.

As três ministras liberais — Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson — provavelmente não irão votar a favor da pretensão das igrejas de criar charter schools. A ministra conservadora Amy Coney Barrett se declarou impedida. Mas, de qualquer forma, tudo indica que há cinco votos a favor desta “acomodação”.

Há outra teoria em jogo, chamada de “teste criança-benefício”. De acordo com essa teoria, as crianças e seus pais, não as instituições religiosas em si, são os beneficiários primários dos fundos governamentais.

A Suprema Corte acelerou o julgamento do caso, em comparação com seu andamento normal. Deu um prazo até 5 de março para os peticionários apresentarem seus argumentos sobre o mérito da questão, e até 31 de março para a resposta da parte adversária. A audiência de sustentação oral será em abril e a decisão deverá sair até o fim de junho.

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