Fachin propõe medidas de controle da atividade policial e redução da letalidade no Rio
5 de fevereiro de 2025, 18h38
O Plenário do Supremo Tribunal Federal voltou a analisar nesta quarta-feira (5/2) a ação que discute a imposição de medidas para diminuir a letalidade policial no Rio de Janeiro, em um caso apelidado de “ADPF das Favelas”.
O relator da matéria, ministro Edson Fachin, apresentou um voto denso, de 182 páginas. Nele, reconhece que ainda há um estado de coisas inconstitucional na segurança pública do estado do Rio e propõe a adoção de uma série de medidas para reduzir a letalidade policial e de controle externo das polícias. O caso será retomado em data a ser marcada. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente da corte, sugeriu pautar a retomada do julgamento para entre duas semanas e um mês.
Fachin propôs que sejam adotadas políticas para dar transparência a dados de letalidade policial; que o uso de força letal seja avaliado em cada situação concreta; que operações próximas a escolas, creches, hospitais ou postos de saúde respeitem uma série de diretrizes; entre outras propostas.
O voto proíbe, por exemplo, a atuação de peritos vinculados à Superintendência-Geral de Polícia Técnico-Científica em casos de crimes cometidos por policiais civis. E também determina que o Ministério Público investigue crimes cometidos por forças de segurança.
A ação foi movida em 2019 pelo PSB e por entidades de direitos humanos. Os autores pedem que seja reconhecida a situação de grave violação aos direitos cometida pelas forças de segurança do Rio e que sejam determinadas medidas para reduzir a letalidade policial.
Fachin já havia proferido decisões nesse caso anteriormente. Ele determinou, por exemplo, o uso de câmeras corporais por policiais e nas viaturas e o aviso antecipado de operações para autoridades de saúde e educação, para que escolas sejam protegidas. Também barrou, durante a crise da Covid-19, operações em comunidades.
Nesta quarta, o relator propôs a homologação parcial de atos normativos apresentados pelo estado do Rio para diminuir a letalidade policial, mas determinou diversas adições.
Veja as principais determinações do voto do ministro:
— Homologar parcialmente o plano de redução de letalidade policial apresentado pelo estado do Rio;
— Determinar adequações normativas e administrativas quanto a mensuração e monitoramento da letalidade policial para que sejam divulgados dados relativos à letalidade;
— Reconhecer que há um estado de coisas inconstitucional na segurança pública do Rio, cujo enfrentamento e superação devem ser objetos de acompanhamento;
— Determinar a criação de um comitê de acompanhamento, com caráter administrativo, da decisão proferida pelo Supremo. O comitê deverá conter representantes do Ministério Público; da Defensoria; da Secretaria de Segurança Pública do Rio; da procuradoria do Estado do Rio; do Conselho Nacional de Justiça; do Conselho Nacional do Ministério Público; da sociedade civil; e de especialistas em gestão e políticas públicas;
— Determinar que o Rio observe uma série de legislações a respeito da atividade policial, entre as quais o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotada pela Assembleia-Geral da ONU, em especial no que se refere ao uso de força letal, sendo avaliado o uso da força em cada caso;
— Determinar alterações normativas para regulamentar a aferição da incidência de letalidade em até 180 dias;
— Condicionar a utilização de helicópteros em operações aos casos em que houver necessidade comprovada por meio da produção, ao término da operação, de relatório circunstanciado;
— Determinar que, em buscas domiciliares, seja observada uma série de diretrizes constitucionais, como a necessidade de mandado;
— Determinar a presença obrigatória de ambulâncias em operações policiais com risco de conflito armado;
— Determinar que os agentes de segurança e profissionais da saúde preservem todos os vestígios de crimes cometidos em operações policiais;
— Determinar que operações próximas a escolas, creches, hospitais ou postos de saúde observem uma série de diretrizes, como o respeito rigoroso às exigências de proporcionalidade e do uso diferenciado de força;
— Proibir a utilização de equipamento educacional ou de saúde como base operacional das Polícias Civil e Militar;
— Determinar que o Ministério Público e o estado do Rio de Janeiro elaborem, armazenem e disponibilizem relatórios detalhados ao fim de cada operação policial;
— Determinar que o estado do Rio comprove, em até 120 dias, a implantação de câmeras corporais na Polícia Civil, com a publicação da respectiva regulamentação;
— Determinar aos órgãos de polícia técnico-científica que documentem, por meio de fotografias, as provas periciais produzidas em investigações de crimes contra a vida;
— Vedar a atuação de peritos vinculados à Superintendência-Geral de Polícia Técnico-Científica quando a investigação tratar de possível cometimento de crime por parte de policial civil;
— Determinar que sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infração penal, a investigação seja conduzida pelo Ministério Público.
Estado de coisas inconstitucional
Fachin afirmou na sessão desta quarta que, embora os índices de violência no Rio tenham diminuído, ainda há um estado de coisas inconstitucional no estado.
“Entendo persistir um estado de coisas inconstitucional no estado do Rio de Janeiro. O reconhecimento de avanços com a redução concreta da letalidade policial não tem o condão de descaracterizar a procedência dos pedidos deduzidos. Houve um ciclo de implementação e monitoramento de uma série de medidas, abrindo-se, com a decisão de mérito, um segundo momento.”
Segundo ele, o controle de territórios por organizações criminosas é um problema grave. Não é possível, no entanto, reduzir esses espaços “a complexos criminosos a serem militarmente combatidos e confinados”.
“Boas práticas, como temos verificado, como a utilização de câmeras corporais, devem ser confirmadas, replicadas e consolidadas, e não tomadas circunstancialmente, pois seus resultados concretos devem perdurar no tempo.”
O ministro, por fim, sustentou que são mentirosas as críticas de que as decisões do Supremo levaram ao fortalecimento das facções criminosas no Rio de Janeiro. Esse argumento foi usado pelo governo fluminense nas sustentações orais, em novembro do ano passado.
“As evidências indicam também que, ao contrário de ilações segundo as quais as restrições impostas por esta corte estariam a impedir o trabalho adequado das forças policiais e fortalecer organizações criminosas, o número de operações policiais aumentou, com registro oficial de 457 operações policiais somente no primeiro quadrimestre de 2024, segundo dados do Ministério Público do Rio de Janeiro”, afirmou Fachin.
“Temos todos notícia da gravidade e complexidade das disputas territoriais, da presença de foragidos de outros estados sob proteção armada, da ilegal circulação de fuzis e armamento pesado e das dificuldades de trabalho das forças policiais, especialmente com o crescimento do número de barricadas impedindo qualquer aproximação. É uma realidade gravíssima aquela com a qual estamos a lidar. Todavia, imputar problemas crônicos e de origem anterior à presente arguição a medidas impostas por esta corte consiste não apenas em grave equívoco, mas em inverdade.”
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ADPF 635
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