CONFLITO DE COMPETÊNCIA

Decisão do STJ provoca debate sobre flexibilização de cláusula arbitral na recuperação judicial

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5 de fevereiro de 2025, 8h49

Uma decisão do ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, que apontou a inaplicabilidade de cláusula arbitral em contrato de DIP Financing, tem esquentado o debate em torno da flexibilização de obrigações arbitrais previamente acordadas em processos de recuperação judicial e falência. 

A discussão que provocou a decisão girava em torno de um suposto conflito de competência: uma empresa em recuperação judicial pediu o reconhecimento de duas cláusulas do contrato de empréstimo DIP firmado com outra companhia.

Decisão do ministro Raul Araújo tem esquentado o debate em torno da flexibilização de obrigações arbitrais na recuperação judicial

Decisão do STJ estabeleceu a competência do juízo da recuperação judicial

Ao decidir, o ministro entendeu que, se a própria contratação do empréstimo DIP dependia da autorização do juízo recuperacional, é também deste a competência para julgar conflitos relacionados ao contrato, e não do tribunal arbitral.

O inciso 9º do artigo 6º da Lei de Recuperação e Falências (Lei 11.101/2005) estabelece que “o processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impedindo ou suspendendo a instauração do procedimento arbitral.”

O advogado Gabriel de Britto Silva, árbitro e integrante da comissão de arbitragem da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), criticou a decisão do ministro Raul Araújo. 

“A existência ou não de culpa por uma das partes, a configuração ou não do inadimplemento e a ocorrência de lesão ou não a qualquer dos contratantes é matéria a ser dirimida pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral. O STJ mostra-se um defensor e guardião do instituto da arbitragem, de modo que essa decisão monocrática mostra-se isolada. Espera-se que seja reformada em caso de recurso à turma.”

A advogada e administradora judicial Lívia Gavioli Machado, sócia da Ativos Administração Judicial, explica que a maioria dos casos de arbitragens envolvendo empresas em recuperação judicial representa um desafio. Afinal, é preciso equilibrar o sigilo imposto ao procedimento arbitral e o dever de publicidade dos atos em processos de insolvência, para reduzir a assimetria de informações entre credores e devedor. “Além disso, é preciso fazer uma análise do impacto de uma decisão no cumprimento das condições propostas no plano de recuperação judicial, sob o risco de torná-lo inexequível e inviabilizar as condições aprovadas pela coletividade de credores.”

Ela lembra que o STJ já havia pacificado o entendimento da soberania das decisões de cada tribunal, por isso, a decisão do ministro Raul Araújo é de suma relevância para que os profissionais do Direito repensem em que medida as cláusulas se aplicam.

“Na falência, a cláusula arbitral impõe um sacrifício coletivo para pagamento das custas, beneficiando um credor em detrimento dos demais. Salvo em raríssimas hipóteses, a cláusula arbitral, que antes tratava de direito disponível, perde sua exequibilidade por tratar não mais de direito de um ou outro credor, mas, sim, de todos os credores, sobretudo pelos altos valores dispendidos com procedimento”, completou Lívia.

Princípio da competência-competência

Um dos principais questionamentos levantados após a decisão do ministro é se ela flexibilizou, ou mesmo violou, o princípio da competência-competência, que estabelece a prioridade do árbitro para decidir sobre questões em torno da validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Brenno Mussolin Nogueira, coordenador do Contencioso Empresarial e Recuperação de Créditos do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, acredita que a decisão flexibilizou o princípio. “A decisão indica o início de uma discussão, possibilitando que a corte superior se debruce sobre o tema, com uma análise aprofundada, e permita a construção de um entendimento forte que traga segurança jurídica aos contratos vinculados ao âmbito da recuperação judicial.”

A doutora em Direito Comercial e professora do curso de Direito da FGV-SP Adriana Pugliesi tem entendimento diferente. “A decisão não flexibiliza o princípio da competência-competência. E isso ocorre porque nem todas as matérias submetidas ao procedimento concursal são arbitráveis. Nesse sentido, o STJ consolidou, há tempos, a orientação de que, se a inarbitrabilidade é evidente, não há necessidade de provocar a jurisdição arbitral, e o próprio juízo estatal pode declarar sua competência.”

Segundo Adriana, o cerne do processo que provocou a decisão do ministro não representa uma exceção ao princípio da competência-competência porque trata de uma hipótese manifestamente inarbitrável, ou seja, não há dúvida de que a arbitragem não se aplica ao caso e o conflito de competência sequer existe. “É preciso considerar que há uma significativa diferença na lógica que envolve a arbitragem e a que prevalece na insolvência.”

Vis atractiva

A advogada Grasiele Roque da Silva, líder da equipe Middle do Benício Advogados, acredita que não houve flexibilização do princípio da competência-competência na decisão do STJ, mas a valorização do princípio da vis atractiva (juízo atrativo). 

Conforme destaca a especialista, esse princípio estabelece que todos os temas que possam afetar o patrimônio de uma empresa recuperanda devem passar pelo juízo da recuperação judicial. “Assim, não se trata propriamente de uma flexibilização de competência, mas, sim, do reconhecimento da necessidade de se observar a vis atractiva do juízo recuperacional, que advém da própria lei, e que sempre irá privilegiar o soerguimento da empresa, a manutenção da geração de riquezas e o adimplemento do plano de recuperação judicial.”

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