cada um com o seu

Dispensa de aval do cônjuge para outorga de dívida facilita concessão de crédito

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4 de fevereiro de 2025, 8h53

Entre as mudanças que o projeto de reforma do Código Civil — apresentado na semana passada no Senado — propõe, a dispensa do aval do cônjuge para outorga de dívida deve facilitar o acesso ao crédito, de acordo com especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Isso porque, sem a possibilidade de anulação da dívida pelo Judiciário, há maior segurança para as instituições financeiras e para terceiros de boa-fé.

Segundo Renata Oliveira, advogada sócia de contencioso em recuperação de crédito do escritório Rayes & Fagundes, a mudança traz mais segurança jurídica porque muitos devedores se valem da falta de autorização do cônjuge para invalidar a garantia e impedir que a dívida seja executada. “Quando o crédito é concedido, leva-se em consideração a fiança que foi dada. Às vezes, a proposta fica mais barata por conta do aval. Com a possibilidade de anulação da dívida pelo Judiciário (porque o cônjuge não autorizou), cria-se insegurança para o mercado. Do ponto de vista empresarial, a proposta é um grande avanço para a sociedade.”

CASAL / DICÓRCIO / UNIÃO ESTÁVEL

Hoje, sem a autorização do cônjuge, aval pode ser desfeito judicialmente

Flávio Tartuce, relator do projeto de reforma do Código Civil, esclarece que a proposta segue o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Para ele, além de facilitar o crédito e sua circulação, a dispensa do aval cumpre um dos motes da reforma, que é desburocratizar a vida do cidadão. “Trará mais segurança jurídica para terceiros de boa-fé e para o mercado. E também para o cônjuge, que sempre terá a sua meação reservada.”

A desembargadora aposentada e pesquisadora em Direito de Família Maria Berenice Dias, que também participou da comissão de juristas que produziu o texto do projeto, acredita que é descabido exigir que qualquer dívida assumida por uma pessoa seja também pela outra. Ela lembra também que o entendimento dos tribunais é no sentido de proteger o terceiro. “Ser avalista sempre gera responsabilidade. Não é só um garantidor. No fundo, a pessoa se torna um principal pagador.”

Por outro lado, Ivone Zeger, advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, vê a questão com preocupação. Diferentemente dos outros estudiosos do tema, ela acredita que a medida leva à insegurança jurídica por causa de outro ponto: a preservação da meação (metade do patrimônio comum do casal) do companheiro que não adquiriu crédito, no caso de execução da dívida.

Meação garantida

O texto da reforma diz que, quando um bem do casal estiver em jogo, o cônjuge pode apenas reservar os 50% que são seus. Isso afeta tanto a concessão de crédito quanto os trâmites de compra e venda de bens.

“Em minha visão, a preservação piora a questão. Antes, o cônjuge conseguia invalidar a garantia como um todo, porque não tinha dado sua anuência com relação àquele aval. Com o projeto, ele não consegue fazer isso. Pode somente reservar os 50% que são seus, e a parte do outro vai embora”, explica Renata Oliveira.

Na prática, o texto dispensa a autorização do cônjuge sobre a dívida somente quando o vendedor de um bem é casado em separação total de bens ou no regime da separação obrigatória, ou ainda na participação final dos aquestos, quanto aos bens particulares, de acordo com Ivone Zeger. Ela lembra que o pacto antenupcial é imprescindível para que todas essas situações tenham validade legal.

Salvo essas exceções, quando um bem é adquirido na constância do casamento ou da união estável — exceto quando é fruto de dinheiro comprovadamente particular, doação ou herança —, ele corresponde ao casal.

“Mesmo que o Código Civil venha a adotar essa premissa, eu não deixaria que um cliente comprasse um bem sem a anuência de seu cônjuge. Mesmo que você jogue isso aos tribunais, lá para frente, dizendo que o terceiro de boa-fé comprou e que não havia necessidade do aval porque, agora a lei está dispensando; está, mas a pessoa tem direito e o outro não poderia ter vendido. Acho muito preocupante. E se houver um único bem entre o casal, onde está a segurança jurídica? Eu acho que não há”, comenta Ivone.

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