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Após um ano e meio de debates, projeto da reforma do Código Civil é apresentado no Senado

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3 de fevereiro de 2025, 17h18

O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) protocolou na última sexta-feira (31/1) o projeto de lei de reforma do Código Civil. O PL 4/2025 é baseado em um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas a pedido do próprio Pacheco, quando ainda era presidente do Senado — ele deixou o cargo no sábado (1º/2) . O texto foi entregue pela comissão aos parlamentares em abril do último ano.

Ministro Luis Felipe Salomão ao lado do senador Rodrigo Pacheco

Salomão entregou o anteprojeto a Rodrigo Pacheco em abril de 2024

O projeto de reforma sugere mudanças em diversos temas, como herança, partilha de bens, divórcio, direitos dos animais, Direito Digital, responsabilidade civil etc. A comissão foi composta por 38 membros e presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, que classificou a apresentação do PL como “um momento histórico para o Direito Civil”.

Segundo o magistrado, a proposta busca colocar o Código Civil “em linha com o que vem acontecendo no resto do mundo”, já que a sociedade “evoluiu nos últimos 20 anos de uma maneira exponencial”.

Para ele, o impacto das novas tecnologias, as mudanças na dinâmica das relações sociais e o “mundo sem fronteiras” recomendam que o Código Civil esteja “de acordo com o seu tempo” e possa ser projetado para as gerações futuras.

Também participaram da comissão de reforma outros ministros do STJ: Isabel Gallotti, João Otávio de Noronha, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze, além do ministro aposentado Cesar Asfor Rocha. Os relatores foram a desembargadora aposentada Rosa Maria de Andrade Nery e o advogado Flávio Tartuce, ambos professores de Direito Civil.

Criada em agosto de 2023, a comissão de juristas promoveu audiências públicas em São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Brasília. Nelas, foram ouvidos mais de 30 especialistas em Direito Civil. Os membros também receberam mais de 280 sugestões da sociedade civil.

Veja a seguir os principais pontos do projeto:

Responsabilização das redes

O texto do projeto propõe a revogação do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que isenta as plataformas digitais de responsabilização por conteúdos publicados por terceiros, exceto nos casos de descumprimento de decisão judicial.

A sugestão chega ao Congresso enquanto o Supremo Tribunal Federal discute a constitucionalidade dessa mesma regra. O julgamento foi iniciado no final do último ano, mas ainda não foi concluído.

O tema também chegou a ser abordado no PL das Fake News, que propunha mais incentivos para que as plataformas combatessem conteúdos potencialmente problemáticos. Mas essa proposta deve recomeçar do zero, pois a Câmara já criou um grupo de trabalho para construir uma nova versão do projeto.

Enquanto defensores da regulação tentam trazer questões como a moderação desses conteúdos feita pela própria plataforma, de ofício, e as responsabilidades subjetiva e objetiva dessas empresas, que têm faturamentos bilionários, outros argumentam que há riscos à liberdade de expressão e ao modelo de negócios das big techs.

Correção de dívidas

Para a correção de dívidas civis, o PL 4/2025 propõe juros moratórios de 1% ao mês quando eles não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada. Isso vai de encontro à recente Lei 14.905/2024, que estipulou a aplicação da Selic menos o IPCA (ou outro índice previsto em eventual lei específica).

O texto da reforma está alinhado à tese que Salomão propôs em um julgamento do STJ sobre o tema no último ano. Na ocasião, o ministro ficou vencido.

Antes da lei de 2024, tribunais de todo o país não corrigiam dívidas civis pela Selic. A opção mais comum era impor justamente os juros de 1% ao mês, mais correção monetária por algum índice à escolha da corte (entre IPCA, IGP-M, INPC e outros).

Indenizações

Na parte de responsabilidade civil, o projeto traz parâmetros para quantificar o dano moral: prevê que o juiz deve levar em conta critérios como o impacto em “projetos de vida relativos ao trabalho, lazer, âmbito familiar ou social”, o “grau de reversibilidade do dano” e o “grau de ofensa ao bem jurídico”.

Outro acréscimo às regras atuais é a possibilidade de inclusão de uma “sanção de caráter pedagógico” — até quatro vezes maior do que o valor dos danos morais — em casos “de especial gravidade” nos quais houver “dolo ou culpa grave”, além de situações de reincidência.

Civilistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico consideram que o texto tem uma boa intenção de evitar violações de direitos, mas acaba criando obstáculos para seu próprio objetivo.

Direito ao esquecimento

O direito ao esquecimento é a ideia de impedir a divulgação de informações consideradas irrelevantes ou desatualizadas sobre uma pessoa. Quando aplicado à internet, isso significa remover tais conteúdos dos seus sites de origem.

O PL diz que “a pessoa pode requerer a exclusão permanente de dados ou de informações a ela referentes, que representem lesão aos seus direitos fundamentais ou de personalidade, diretamente no site de origem em que foi publicado”, com base em alguns requisitos.

Quanto a esse ponto, há um receio de desrespeito à decisão de repercussão geral do STF que considerou esse conceito incompatível com a Constituição. Tal interpretação não é unânime, mas, mesmo na opinião de quem não vê conflito com o acórdão do STF e aprova a ideia, o texto da comissão possui imprecisões.

Desindexação

A desindexação consiste em excluir apenas das plataformas de busca (como o Google) o link que direciona para informações irrelevantes ou desatualizadas. A ideia é manter o conteúdo disponível no seu site de origem.

O projeto prevê que um indivíduo pode pedir a aplicação desse direito em casos de exposição de “imagens pessoais explícitas ou íntimas”, “pornografia falsa involuntária envolvendo o usuário”, “informações de identificação pessoal dos resultados da pesquisa” e “conteúdo que envolva imagens de crianças e de adolescentes”.

As principais controvérsias estão relacionadas à inclusão de ilícitos nas hipóteses de remoção do conteúdo dos mecanismos de buscas — já que a exclusão, em situações do tipo, deve ser feita não só nessas plataformas. Outra preocupação de especialistas é a grande abrangência das regras sugeridas, o que pode abrir espaço para abusos na aplicação do conceito.

Direito de Família

Pela proposta, os cônjuges deixam de ser herdeiros necessários — ou seja, são excluídos do grupo de pessoas para o qual metade da herança é obrigatoriamente destinada (essa parte do patrimônio é dividida entre elas). A medida é bem vista por boa parte dos especialistas em Direito de Família e das Sucessões.

Outra mudança é a possibilidade de divórcio unilateral (a pedido de apenas um dos cônjuges) diretamente no cartório (sem passar pela Justiça). Isso também é elogiado pelos advogados de Família.

O projeto prevê ainda que a valorização das cotas ou participações em sociedades empresárias, quando ocorrida durante o casamento ou a união estável, entre na partilha dos bens do casal, ainda que a aquisição das cotas seja anterior à convivência. Esse trecho, no entanto, contraria o entendimento do STJ sobre o tema.

Animais

De acordo com o PL 5/2024, os animais são seres sencientes — ou seja, capazes de ter sensações —, que podem ter proteção jurídica própria, devido às suas características peculiares.

Regras mais detalhadas são delegadas a uma futura lei especial. Até lá, a proposta é que sejam aplicadas aos animais as regras relativas aos bens — “desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza, considerando a sua sensibilidade” —, como já ocorre atualmente.

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