Fim de restrição para agentes públicos no Rerct tem prestígio entre tributaristas
3 de fevereiro de 2025, 8h28
A mais recente versão do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct), programa para regularizar ativos e bens não declarados ou declarados incorretamente, derrubou uma restrição do Rerct original e abriu a possibilidade de adesão para pessoas ocupantes de cargos públicos e seus parentes. A restrição era baseada no princípio constitucional da moralidade administrativa, mas tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico consideram que a mudança é positiva — ou, ao menos, uma escolha legítima do ponto de vista ético.
O novo Rerct, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em setembro do último ano e regulamentado pela Receita Federal em novembro, foi encerrado no último mês de dezembro. Esta versão foi direcionada a quaisquer bens de origem lícita que não foram declarados ou foram informados com dados incorretos. Para aderir, era necessário pagar Imposto de Renda de 15% sobre o valor e multa de regularização correspondente a 100% do IR.
O programa teve uma versão anterior, baseada em uma lei de 2016, que deu origem a duas rodadas de regularização — uma naquele mesmo ano e outra no ano seguinte. O antigo Rerct era voltado apenas a recursos mantidos no exterior e não podia ter a adesão de “detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas”, seus cônjuges e outros parentes até o segundo grau.
Na versão de 2024, essa restrição foi derrubada. Caio César Morato, advogado tributarista do escritório Rayes & Fagundes, entende que o fim dessa regra foi positivo, “no sentido de que mais pessoas pudessem aderir e, assim, aumentar a arrecadação do Estado”.
O tributarista José Andrés Lopes da Costa, sócio do DCLC Advogados, concorda que a medida é positiva, pois “alinha o novo Rerct com o princípio da não discriminação previsto na Constituição”.
Ele aponta que a restrição anterior diferenciava contribuintes com base apenas no exercício de cargo, emprego ou função pública, enquanto o inciso II do artigo 150 da Constituição proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situações equivalentes. Para Costa, isso inclui “distinções baseadas na ocupação profissional”.
O advogado também acredita que a restrição do Rerct de 2016 era, na prática, “contrapoducente”. Isso porque, no caso de agentes públicos, o programa “oferece um mecanismo adicional de controle e fiscalização da compatibilidade entre o patrimônio e os rendimentos declarados”. Assim, proibir sua adesão dificultava esse controle e incentivava que tais pessoas mantivessem ativos em situação irregular, não monitorados pelas autoridades.
Morato lembra que a legislação de 2016 já impedia a regularização de “rendimentos de atividades ilícitas”. Isso foi mantido na nova versão.
Costa ainda destaca que o Rerct anistia crimes como sonegação fiscal e evasão de divisas, mas não corrupção ou lavagem de dinheiro. Ou seja, se um agente público ou seu parente aderir ao programa, “não há qualquer anistia automática para eventuais infrações relacionadas à origem ilícita dos recursos”.
O Ministério Público e a Receita ainda podem investigá-los e puni-los por “eventuais ilícitos”. Assim, a nova versão “permite que eventuais incompatibilidades patrimoniais sejam verificadas pelas autoridades competentes, ao invés de permanecerem ocultas”. Na sua visão, isso “fortalece a transparência e a fiscalização, sem comprometer os princípios da probidade e da moralidade administrativa”.
Para Morato, a regra geral de restrição de 2016 era desnecessária. Por outro lado, ela facilitou o processo de investigação: “Isso porque, com a vedação em razão do cargo, ficou mais fácil restringir a adesão de pessoas suscetíveis de ter praticado corrupção”, assinalou o advogado.
Restrição anterior
O tributarista do Rayes & Fagundes recorda que o Rerct de 2016 foi lançado “em uma época conturbada, de notícias envolvendo grandes casos de corrupção”. Naquele momento, a limitação aos agentes públicos foi imposta “na tentativa de não permitir que fossem regularizados bens ou dinheiro decorrentes de corrupção”.
Já o sócio do DCLC indica que a restrição original era “uma escolha política que refletia preocupações legítimas com a moralidade administrativa”.
A ideia era que os agentes públicos “deveriam ter um padrão de conduta mais rigoroso”, como previsto no artigo 37 da Constituição. Havia o temor de que essas pessoas tivessem informações privilegiadas, por exemplo.
Mas Costa considera que essa escolha “mostrava-se questionável”, pois a restrição tratava contribuintes de maneira desigual “sem justificativa tributária objetiva” e, assim, criava um problema jurídico. Além disso, não impedia que agentes públicos mantivessem ativos no exterior.
“A vedação impunha um impedimento formal, mas sem um mecanismo efetivo de fiscalização, tornando a medida mais simbólica do que eficaz”, pontua o advogado.
De 2016 para cá, houve, na opinião do tributarista, “um amadurecimento do debate sobre a regularização tributária e o reconhecimento de que a transparência e a fiscalização são mais eficazes do que uma restrição absoluta”.
Ele acrecenta que agentes públicos “já estão sujeitos a normas de controle e prestação de contas sobre seus bens e rendimentos”. Tais pessoas são obrigadas, por exemplo, a entregar uma declaração de bens e valores para a Comissão de Ética Pública e outros órgãos de controle.
Questão parlamentar
Leonardo Branco, sócio do DDTAX Advocacia Tributária e especialista em Direito Aduaneiro e Tributário, acredita que a restrição ou não a agentes públicos no programa de regularização deve ser uma escolha do Legislativo.
Ele ressalta que “o espírito do Rerct é o de anistiar, ou seja, afirmar que alguns ilícitos devem ser relegados ao esquecimento”. Por isso, “existem escolhas que passam pelo plano ético”. Na sua visão, o melhor lugar para se fazer esse tipo de escolha é o Congresso.
Para o advogado, a restrição de 2016 “não violava a isonomia, pois é possível se considerar que os detentores de cargos públicos têm características que não os tornariam equivalentes aos particulares”.
Foi o que entendeu o Supremo Tribunal Federal em 2023, ao analisar a regra do antigo Rerct (ADI 5.586). Os ministros concluíram que a restrição era justificada pelo fato de que particulares e agentes públicos não estão no mesmo patamar, pois os integrantes da administração pública estão submetidos a um regime jurídico mais severo.
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