malabarismo tributário

Carf vai decidir se Itaú terá de pagar R$ 4 bilhões à Receita Federal

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3 de fevereiro de 2025, 20h23

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) deverá julgar nesta terça-feira (4/2) se o Itaú deve pagar R$ 4 bilhões à Receita Federal. O órgão vai julgar um recurso voluntário que trata das consequências tributárias da incorporação de R$ 20 bilhões ao Unibanco, adquirido em 2010, que retornaram ao comprador por meio de Certificados de Depósito Interbancário (CDI). Caberá ao Carf decidir se essa operação se caracterizou como um planejamento tributário abusivo por parte do Itaú.

calculadora, prancheta e lápis

Carf decidirá se Itaú deve devolver R$ 4 bilhões à Receita

Quando foi comprado, o Unibanco possuía saldo de prejuízos fiscais, decorrente dos resultados negativos nos anos anteriores, na apuração da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O Itaú, por sua vez, gerava sucessivos lucros, mas a legislação não permite que os prejuízos fiscais de uma empresa sejam transportados para a sua incorporadora, na hipótese de incorporação.

Com a emissão de CDIs para o Itaú, o Unibanco passou a ter receitas financeiras referentes aos juros pagos, os quais eram compensados com seus saldos de prejuízo, ao passo que o Itaú tinha despesas financeiras correspondentes a essa capitalização por meio de dívida com a empresa vinculada, que carreou recursos empregados em suas atividades.

“Não se autoriza que se incorpore o prejuízo fiscal quando há a incorporação de uma empresa. A lei não permite. Por outro lado, não há nenhuma vedação a que a controladora, antes da incorporação, aloque na controlada ativos geradores de receitas, com a finalidade de compensar esses prejuízos antes da derradeira incorporação e extinção da sua investida”, explica Carlos Augusto Daniel Neto, advogado tributarista, sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária e ex-conselheiro do Carf.

Na época, o Itaú cobriu os R$ 20 bilhões que o Unibanco devia. Na sequência, o Unibanco fez um empréstimo de volta para o Itaú no mesmo valor, mas por meio de CDIs, que são títulos financeiros. Por causa desse crédito, o Itaú passou a ser devedor do Unibanco. E, como devedor, paga juros a ele.

Esses juros se transformaram, então, em lucro para o Unibanco, que reduziu seu prejuízo com a Receita. Pelo lado do Itaú, os juros são despesas, e com elas o banco consegue reduzir a CSLL e o Imposto de Renda.

O que a Receita diz é que os juros pagos ao Unibanco foram uma despesa de captação de recursos do mercado e que, sendo assim, não estão sujeitos à dedução nos tributos sobre a renda.

A Receita também cobra PIS e Cofins da operação. A Lei 9.701/98 (que dispõe sobre a base de cálculo do PIS devido pelas pessoas jurídicas), em seu artigo 1º, inciso 3º, permite que bancos excluam da base de cálculo (sua receita bruta) as despesas de captação de recursos por meio de operações no mercado interfinanceiro.

A vantagem tributária da operação, segundo Carlos Augusto Daniel Neto, é que “uma ponta deduz integralmente o valor dos juros, enquanto a outra não tributa integralmente esse valor, pois parte será compensada com os prejuízos acumulados. Em um exemplo hipotético, é como se o Unibanco tributasse R$ 0,70 para cada R$ 1 que o Itaú deduz”.

Insegurança para as empresas

De acordo com os especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a operação promovida pelo Itaú é legal e foi feita de maneira clara. Dessa maneira, segundo eles, a iniciativa da Receita de questioná-la pode resultar em insegurança para as empresas.

Carlos Augusto Daniel Neto acredita que o problema são os critérios para analisar a validade de operações feitas entre empresas de um grupo. A integralização de capital em uma companhia adquirida por outra é comum e esperada, e, da mesma forma, emitir um título de dívida para outra empresa também é uma atividade típica.

“Se, por um lado, o Fisco pode contestar, e a jurisprudência do Carf vem contestando, as operações que são feitas só com a finalidade de reduzir tributos, da mesma forma, não pode ser validada a imposição ao contribuinte de uma forma que seja mais onerosa do que seria normalmente. Só porque ele alocou uma parcela da geração de receitas para a empresa que tinha prejuízos, isso não inviabiliza o negócio.”

O professor de Direito Econômico, Financeiro e Tributário Fernando Facury Scaff acredita que o tempo decorrido para a resolução da questão é que gera a insegurança, já o Carf vai julgar agora a  contestação de uma decisão de 2022.

“Trata-se de mais um capítulo do conhecido debate sobre os limites do planejamento fiscal e o que pode ser considerado fraude ou abusivo na visão do Fisco, em um contexto em que o único motivo para a realização da operação é a redução da carga tributária efetiva. Fato é que não há uma norma tributária com força de lei explicitamente vedando aquilo que foi feito pelo banco e não é ilegal utilizar brechas da legislação para otimização da carga tributária”, complementa o advogado tributarista Thales Belchior.

Para ele, o Fisco deveria solucionar as brechas da legislação tributária por meio do devido processo legislativo, e não mediante interpretações que enxergam ilegalidade onde ela não existe formalmente.

Caio César Morato, advogado tributarista do escritório Rayes e Fagundes, acrescenta que o voto de qualidade — aquele que desempata um julgamento no Carf — tende a ser favorável à Fazenda. “Não é possível afirmar que o julgamento do Carf trará a segurança jurídica almejada. A questão se torna turbulenta em razão das várias alterações promovidas na aplicação do voto de qualidade ao longo dos anos e ainda não está resolvida da melhor forma.”

Processo 16327.720945/2018-36

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