Opinião

Transação tributária no RS: o programa Acordo Gaúcho e seus impactos

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  • é advogado sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) professor de Direito Tributário na Faculdade Brasileira de Tributação (FBT) coordenador do Canal Descomplicando o Tributário no YouTube e Instagram (@descomplica_tributo).

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2 de fevereiro de 2025, 13h20

A transação tributária tem ganhado crescente relevância no Brasil, representando um novo paradigma na relação entre a administração tributária e os contribuintes. Ao invés de um modelo baseado no conflito permanente e prolongado, com elevados custos para ambas as partes, a transação possibilita a composição de posições divergentes, estabelecendo um equilíbrio que visa à estabilização das disputas fiscais em bases razoáveis.

Esse movimento busca imprimir maior consensualidade nas relações tributárias, eliminando incertezas e custos relacionados às disputas judiciais. De um lado, a transação atende aos interesses do Fisco, pois a execução dos créditos tributários enfrenta uma crise de eficiência. De outro, beneficia os contribuintes, ao proporcionar um meio estruturado de retorno à regularidade fiscal, com condições adaptadas à sua realidade financeira.

Além de funcionar como ferramenta de arrecadação, a transação tributária visa estimular a conformidade fiscal, prevenindo externalidades negativas, como a inadimplência estratégica e o acúmulo excessivo de litígios tributários. A Lei nº 13.988/2020, que regulamentou a transação no âmbito federal, teve justamente esse objetivo: romper o ciclo vicioso de parcelamentos reiterados e oferecer uma solução estruturada e definitiva para a recuperação do crédito público.

A transação tributária difere dos parcelamentos extraordinários, como o Refis, que historicamente influenciaram negativamente o comportamento dos contribuintes. Estudos demonstram que a recorrente oferta de programas de parcelamento especiais desestimula o pagamento regular de tributos, pois os contribuintes passam a prever novos programas de benefícios futuros, optando pela inadimplência estratégica como forma de reduzir encargos tributários e obter vantagens competitivas.

Esse fenômeno cria um ambiente de insegurança jurídica, pois o Estado acaba por reforçar a expectativa de concessão de anistias futuras, enquanto contribuintes que se mantêm adimplentes percebem-se em desvantagem em relação àqueles que postergam o pagamento para obter descontos e prazos mais vantajosos. Em contrapartida, a transação tributária se diferencia por estabelecer critérios objetivos e transparentes, ajustando-se à capacidade contributiva dos devedores e exigindo compromissos concretos de regularidade futura.

Seguindo essa tendência nacional, o estado do Rio Grande do Sul adotou um modelo próprio de transação tributária por meio do programa Acordo Gaúcho, instituído pela Lei nº 16.241/2024. Esse programa oferece condições especiais para a regularização de débitos inscritos em dívida ativa, alinhando-se à necessidade de recuperação fiscal do Estado e ao propósito de promover segurança jurídica e previsibilidade para os contribuintes.

O Acordo Gaúcho segue a lógica da transação tributária federal e de outros estados, mas traz particularidades próprias, como critérios específicos de concessão de descontos e modalidades de adesão. A seguir, analisaremos suas disposições e impactos.

A Lei nº 16.241/2024 estabelece as diretrizes para que o estado do Rio Grande do Sul, suas autarquias e outros entes estaduais celebrem transações tributárias e não tributárias, com o objetivo de regularizar créditos vencidos e inscritos em dívida ativa. Segundo o art. 1º, o programa busca:

“Estabelecer os requisitos e as condições para que o estado do Rio Grande do Sul, suas autarquias e outros entes estaduais, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos vencidos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, inscritos em dívida ativa.”

Ao instituir o programa Acordo Gaúcho, a lei estabelece um conjunto de princípios essenciais para sua aplicação e regulamentação, buscando assegurar que a transação ocorra dentro de parâmetros claros, objetivos e equitativos. Dentre esses princípios, destaca-se a cooperação, que incentiva a colaboração entre Fisco e contribuinte, permitindo a negociação de créditos de forma mais eficiente e reduzindo litígios desnecessários. O princípio da isonomia, que visa garantir que os benefícios concedidos pela transação tributária sejam acessíveis de maneira equilibrada a todos os contribuintes, sem privilégios indevidos.

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Além disso, a capacidade contributiva se apresenta como um critério fundamental na avaliação da possibilidade de concessão de benefícios, assegurando que os descontos e as condições de pagamento sejam proporcionais à realidade financeira do devedor. Diferentemente dos parcelamentos convencionais, que oferecem benefícios padronizados sem considerar a real condição econômica do contribuinte, a transação tributária exige uma análise mais aprofundada da capacidade de pagamento do devedor.

No âmbito do Acordo Gaúcho, essa avaliação se baseia em critérios objetivos definidos pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) e pela Receita Estadual, conforme estabelecido no artigo 13 da Lei nº 16.241/2024. A regulamentação permite que a transação esteja condicionada a uma entrada mínima, à apresentação de garantias ou mesmo à manutenção de garantias já existentes, fatores que variam de acordo com a classificação da dívida e o histórico do contribuinte.

Além disso, a aferição da capacidade de pagamento do devedor leva em consideração diversos elementos, incluindo o tempo de inscrição da dívida na Dívida Ativa, a liquidez das garantias associadas ao crédito, a existência de parcelamentos anteriores e o histórico de regularidade fiscal do contribuinte. Outros fatores incluem a perspectiva de êxito de eventuais execuções fiscais, o custo da cobrança administrativa e judicial e a situação cadastral e econômico-financeira do sujeito passivo, conforme demonstrado pelo cumprimento de suas obrigações acessórias. Essa análise detalhada minimiza os riscos de inadimplência futura e assegura que a transação seja aplicada de maneira justa e equilibrada, evitando concessões excessivas ou ineficazes.

Critérios próprios

O Acordo Gaúcho adota um modelo similar à transação tributária federal promovida pela PGFN, mas com algumas particularidades. Entre suas principais diferenças, destacam-se a adoção de critérios próprios para a concessão de descontos sobre juros, multas e encargos, bem como a abrangência ampliada para créditos não tributários inscritos na dívida ativa.

Além disso, um importante ponto do programa gaúcho é a possibilidade de utilização de precatórios e créditos de ICMS para compensação de débitos fiscais, tornando o modelo mais atrativo e flexível para empresas e contribuintes com dificuldades financeiras. Essa alternativa permite que empresas e contribuintes utilizem valores já reconhecidos pelo Estado para quitar até 75% do valor devido, abrangendo dívida principal, multas e juros. Isso representa uma vantagem estratégica para empresas que possuem créditos tributários acumulados, possibilitando uma redução significativa no desembolso financeiro necessário para regularização. A compensação de ICMS-ST também está prevista, oferecendo um mecanismo adicional para a utilização eficiente de créditos fiscais.

No que se refere às modalidades de transação disponíveis no Acordo Gaúcho, o programa prevê duas formas, garantindo maior flexibilidade e previsibilidade aos contribuintes. A primeira delas, a transação por adesão, segue os termos fixados em editais da PGE-RS e da Receita Estadual, nos quais os contribuintes interessados devem aceitar integralmente as condições estabelecidas, sem possibilidade de negociação individual.

Já a transação por proposta individual permite uma negociação personalizada, podendo ser iniciada tanto pelo devedor quanto pelo Fisco. Nessa modalidade, são analisadas as circunstâncias específicas do contribuinte, sendo possível negociar valores, garantias e prazos de pagamento. No entanto, a adesão a essa modalidade está sujeita a uma avaliação detalhada da viabilidade econômica do acordo, garantindo que os benefícios concedidos estejam alinhados à capacidade financeira do devedor e assegurem a efetividade da arrecadação.

Entre os incentivos oferecidos pelo programa, destaca-se a redução de juros, multas e encargos, que pode chegar a 70% para pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte e até 65% para demais contribuintes. O programa também prevê prazos de parcelamento diferenciados, permitindo a quitação em até 120 meses para a maioria dos contribuintes e até 145 meses para micro e pequenas empresas.

Além disso, o programa traz condições especiais para empresas em dificuldades financeiras, incluindo benefícios diferenciados para empresas em recuperação judicial e tratamento especial para negócios impactados por calamidades climáticas, especialmente aqueles afetados pelos eventos climáticos extremos de abril e maio de 2024. Para esses contribuintes, o desconto máximo e os prazos de pagamento podem ser ampliados, assegurando maior viabilidade para a recuperação econômica e manutenção das atividades empresariais.

Riscos da adesão

Apesar dos benefícios significativos, é fundamental que os contribuintes estejam atentos às restrições e riscos da adesão ao programa. Determinados débitos não podem ser transacionados, como multas penais e ICMS de empresas optantes pelo Simples Nacional, salvo autorização expressa do Comitê Gestor. Além disso, a PGE-RS e a Receita Estadual estabelecem critérios rigorosos de elegibilidade, exigindo comprovação da capacidade de pagamento e a manutenção da regularidade fiscal ao longo do período de cumprimento do acordo. O descumprimento das obrigações assumidas pode resultar na rescisão da transação, levando ao restabelecimento do débito original, sem os benefícios concedidos.

O Acordo Gaúcho representa um avanço significativo na modernização do sistema de cobrança tributária do Rio Grande do Sul, proporcionando um meio estruturado e seguro para que os contribuintes regularizem suas pendências fiscais. Ao introduzir critérios mais flexíveis de negociação e conceder condições diferenciadas de pagamento, o programa busca não apenas aumentar a recuperação de créditos tributários, mas também promover maior previsibilidade e segurança jurídica, evitando o acúmulo de litígios e contribuindo para a estabilidade financeira das empresas e dos indivíduos que aderirem à transação.

Diante da complexidade das normas e das diferentes condições oferecidas, é essencial que os contribuintes avaliem cuidadosamente os impactos da adesão ao programa, considerando sua capacidade de pagamento e a viabilidade financeira a longo prazo. A assessoria de profissionais especializados em direito tributário é fundamental para analisar os benefícios e as obrigações da transação, garantir o cumprimento dos requisitos exigidos e evitar riscos que possam comprometer a regularidade fiscal no futuro. Dessa forma, o Acordo Gaúcho se torna uma ferramenta importante para a redução de passivos tributários, mas sua adesão deve ser realizada com planejamento e orientação adequada.

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  • é advogado, sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados, mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor de Direito Tributário na Faculdade Brasileira de Tributação (FBT), coordenador do Canal Descomplicando o Tributário no YouTube e Instagram (@descomplica_tributo).

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