Segunda Leitura

Resolução sobre sustentação oral coloca CNJ e OAB em lados opostos

Autor

  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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2 de fevereiro de 2025, 10h49

Em 23 de setembro de 2024, o CNJ baixou a Resolução 591, sobre os “requisitos mínimos para o julgamento de processos em ambiente eletrônico no Poder Judiciário e disciplina o seu procedimento”. [1] Nos considerandos do ato administrativo ressalta-se a informatização do processo judicial e a “necessidade de uniformização das diretrizes a serem adotadas nos julgamentos em ambiente eletrônico no Poder Judiciário”.

Spacca

Tal regramento suscitou grande quantidade de dúvidas e divergências, muitas delas oriundas das grandes diferenças existentes no tamanho dos Tribunais e no número de recursos que julgam. Por tal razão sua vigência foi suspensa até agosto do ano em curso.

Mas, uma coisa é certa. Goste-se ou não, os julgamentos eletrônicos, estimulados pelo isolamento da Covid-19, tornaram-se uma realidade irreversível. Se assim é, realmente é preciso que os julgamentos sejam uniformes, não se criando formas diferentes para cada tribunal, seja qual for a Justiça ou o estado da Federação.

Causa

É inquestionável que a Resolução é mais uma consequência de um sistema de Justiça que permite quatro instâncias e uma infinidade de recursos, o que torna as ações civis ou penais infindáveis. Esta é a causa da qual a Resolução 591 é consequência.

Enquanto não houver mudança na Constituição ou na sua interpretação pelo STF (p. ex., necessidade de trânsito em julgado para executar a sentença penal), todas as medidas serão paliativas. Por exemplo, a convocação pelo STJ de 100 juízes para auxiliar os ministros da Corte nos seus julgamentos. Muito embora seja válida e bem-intencionada esta iniciativa, ela não resolverá o problema de diariamente serem distribuídos 70 habeas corpus a cada ministro do STJ com jurisdição criminal.

Entretanto, por hora não se cogita de qualquer solução para a causa da crise judiciária.

Inconformismo dos advogados

A sustentação oral nos julgamentos colegiados, no Brasil alcançou proporções elevadas, seja por força da lei processual, seja por entendimento dos Tribunais. Isto não é uma regra internacional. Há países que não a admitem, como nossos vizinhos Uruguai e Paraguai. Na Argentina os recursos criminais nos processos são orais e no cível tudo depende dos Códigos de Processo estaduais.

Na Corte Suprema não há sustentação oral. Em outros países a sustentação oral é admitida em circunstância diversas, como é o caso das Cortes Supremas dos Estados Unidos e Peru, onde os juízes que se achem em dúvida sobre algum ponto fazem perguntas diretamente aos advogados das partes.

A manifestação oral nas apelações e outros recursos, outrora mais rara, tornou-se rotina nos julgamentos. Se antes era preciso ir à capital do estado ou à capital federal para sustentar oralmente, agora basta ligar o computador ou o celular, inscrever-se e aguardar a vez. Não só isso, mas também porque o cliente quer que se esgotem todas as possibilidades na sua defesa, vê-se o advogado obrigado a valer-se também desta via. E por isso não pode ser criticado.

Os julgamentos nos tribunais podem ser presenciais ou virtuais. O artigo 945 do CPC previa a possibilidade de determinados recursos não admitirem sustentação oral, mas foi revogado pela Lei 13.256/16. Ainda assim, por dispositivos esparsos, muitos recursos não a permitem.

A Resolução 591 do CNJ, dispondo sobre os casos de julgamento virtual, dispôs que:

Art. 9º Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral, fica facultado aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 (quarenta e oito) horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual ou prazo inferior que venha a ser definido em ato da Presidência do Tribunal.

  • 1º O envio do arquivo de sustentação oral será realizado por meio do sistema de peticionamento eletrônico ou equivalente definido pelo Tribunal, gerando protocolo de recebimento e andamento processual.
  • 2º O arquivo eletrônico de sustentação oral poderá ser de áudio e/ou vídeo, devendo observar o tempo máximo de sustentação e as especificações técnicas de formato, resolução e tamanho, definidos em ato da Presidência do Tribunal, sob pena de ser desconsiderado.

 O CNJ, ao editar a Resolução 591, segue regra adotada pelo STF nos julgamentos virtuais, conforme previsão contida na Resolução 642 de 2019, [2] que assim dispõe:

Art. 5º O relator deverá inserir a ementa, o relatório e o voto no ambiente virtual para divulgação pública no início da sessão de julgamento.

  • 1º Iniciado o julgamento, os membros do órgão colegiado terão até 6 (seis) dias úteis para se manifestar.
  • 2º Os votos dos demais julgadores serão divulgados publicamente em tempo real, à medida que forem proferidos, durante a sessão de julgamento, no sítio eletrônico do Tribunal.

O envio de remessa de sustentação oral através de áudios ou vídeos baseou-se em Resoluções posteriores do STF que trataram da matéria, ainda que não explicitamente (693/2020 [3] e 806/2023), [4] bem como no Procedimento Judiciário 10/2020 do STF, que “Regulamenta o § 3º do artigo 5º-A da Resolução 642, de 14 de junho de 2019, quanto ao envio de arquivos de sustentação oral por meio eletrônico”. [5]

Esta substituição da sustentação oral é a grande reclamação dos advogados. E têm razão. Afinal, ninguém garante que eles serão vistos pelos julgadores ou mesmo por seus assessores. Tudo dependerá da preocupação e do tempo de cada um.

Posição do CNJ

Ao editar a Resolução 591, o CNJ pretendeu, sem dúvida, agilizar os julgamentos. Portanto, uma louvável iniciativa.

Para tanto, o CNJ aproveitou a prática do STF de admitir sustentação oral apenas por vídeo ou áudio, transportando-a para todos os tribunais do Brasil, sejam estaduais ou dos outros ramos da Justiça. Ocorre que a diferença entre as sessões da Corte e dos Tribunais de Apelação é enorme. Enquanto no STF se julga um número limitado de recursos, sujeitos a requisitos constitucionais de conhecimento, nos Tribunais de Apelação eles atingem cifras altíssimas. Tudo ou quase tudo vai para a segunda instância.

Vejamos um exemplo. A 4ª. Turma da 2ª. Seção do TRF da 3ª. Região tem pautados para a sessão do dia 20 de fevereiro de 2025, às 14 horas, cerca de 1.068 recursos. A pauta com a relação dos processos tem 356 folhas. [6]  Calculando-se que em cada folha há, em média, referência a 3 processos e multiplicando-se este número por 356, teremos 1.068 processos. Imagine-se que apenas 10% dos 1.068 recursos sejam objeto da juntada de vídeos com a duração de 10 minutos. Isto significaria 106,8 recursos x 10 minutos, ou seja, 1.068 minutos, que equivalem a 17,8 horas. No mínimo um dia inteiro por semana, com pouco mais de 6 horas e fração para o sono e outras atividades. É flagrante a total inviabilidade do atendimento, mesmo que o desembargador delegue tal função a assessores.

De sobra, a iniciativa traz outro inconveniente. É que, lançado o voto do relator, os demais julgadores colocarão seus votos no sítio eletrônico. A cada voto divergente do interesse de uma das partes, o advogado da outra pedirá audiência com o desembargador que ainda não votou para sustentar a correção de sua tese. O tempo do desembargador, que já é reduzido para tantos recursos, ainda menor ficará. E se ele se recusar a atender, o ambiente de cordialidade que deve prevalecer sofrerá arranhões, já que o advogado tem tal direito por força do artigo 7º, inciso VIII, da Lei 8.906/94.

Embate de posições, OAB x CNJ

Fácil é ver que, se mantidas as posições, o confronto irá ser levado ao STF. E no órgão maior do sistema a solução importará em desconfortável posicionamento para os julgadores. Por um lado, o Presidente do STF é o Presidente do CNJ e do outro, a maioria dos ministros são oriundos da classe dos advogados e disto serão lembrados na entrega de memoriais.

Caso o STF mantenha a Resolução 591 do CNJ, a discussão irá para o Congresso em tentativa de reformar-se o ato administrativo através de lei. Lá a decisão final será precedida de fortes posicionamentos antagônicos, com as associações de classe da magistratura, talvez, sustentando a posição do CNJ. Talvez, porque poderão ser pressionadas pelos Tribunais de Apelação, que podem ter posição diversa do STF. Além disto, se lei contrária sobrevier, alcançará também os julgamentos no STF.

Portanto, o que se recomenda é a busca de uma solução que atenda, pelo menos minimamente, aos interesses das duas instituições e, acima de tudo, aos jurisdicionados.

Conclusão

É preciso que as relações entre a magistratura e a advocacia sejam de cordialidade e respeito recíproco.  Certamente será encontrada uma solução que harmonize, ainda que parcialmente, os interesses conflitantes. Neste panorama, a que mais fácil atenderia aos interesses das duas entidades seria um dispositivo que desse ao advogado, na hipótese de julgamento virtual,  a oportunidade de pedir que seu processo fosse remetido à pauta presencial. Por ora só resta aguardarmos confiantes a chegada da melhor solução.

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[1] CNJ, Resolução 591, de 23 de setembro de 2024.  Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original231335202410236719831fd991a.pdf. Acesso em 31 jan. 2024.

[2] STF. Resolução nº 642, de 14 de junho de 2019. Disponível em: https://www.stf.jus.br/ARQUIVO/NORMA/RESOLUCAO-C-642.PDF

[3] STF. Resolução nº 693, de 17 de julho de 2020. Disponível em: https://www.stf.jus.br/ARQUIVO/NORMA/RESOLUCAO693-2020.PDF

[4] STF. Resolução nº 803, de 8 de fevereiro de 2004.  Disponível em: https://digital.stf.jus.br/publico/publicacao/348449#:~:text=Art.,9%20de%20fevereiro%20de%202024.

[5] STF. Procedimento Judiciário nº 10, de 19 de março de 2020. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processosSustentacaoOral/anexo/ProcedimentoJudicia769rio102020.pdf.

[6] TRF 3ª. Região, 4ª. Turma da Seção. Disponível em: https://www.trf3.jus.br/documentos/seju/Pautas_-_PJe/UTU4/UTU4_-_Ata_20.02.25_virtual.pdf.

Autores

  • é presidente da ALJP (Academia de Letras Jurídicas do Paraná); professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus ( Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

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