Decisão do STJ abre debate sobre pagamento de demurrage em meio a greve da Receita
1 de fevereiro de 2025, 9h53
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que isentou um importador de pagar os custos de demurrage (sobrestadia) provocada por retenção de mercadoria por parte da Receita Federal.
A demurrage é a taxa cobrada pelos armadores — donos dos navios e contêineres — quando o tempo contratado pelo importador para armazenamento da mercadoria é excedido.
No caso julgado pelo STJ, o armador acionou judicialmente o dono da carga para cobrar uma taxa de US$ 410 mil (R$ 2,5 milhões, em valores aproximados). Ocorre que o importador conseguiu demonstrar que o prazo foi excedido por causa da retenção e apreensão dos contêineres por decisão da Receita.
Os desembargadores da 16ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP entenderam que a retenção de mercadorias pela autoridade alfandegária é subjetiva e não pode gerar despesas ao consignatário. Mais tarde, essa decisão foi confirmada pelos ministros integrantes da 4ª Turma do STJ. Desse modo, o importador não vai arcar com os custos da demurrage dos produtos nos contêineres.
“Realmente esse obstáculo que é imprevisível, uma vez que a Receita é que faz a escolha de forma subjetiva, não pode gerar despesas ao consignatário, sobretudo quando se trata de comerciante ou empresa de pequeno porte, que fatalmente não suportaria absorver o valor cobrado”, diz trecho do acórdão do TJ-SP.
O especialista em Direito Aduaneiro Augusto Fauvel explica que a decisão é importante por criar um precedente positivo para o importador em um de seus maiores dilemas. “O que essa nova tese discute é o atraso na devolução dos contêineres que resulta na cobrança da demurrage quando não há uma justa causa. Em momentos de greve, como o que estamos vivendo, esse precedente é ainda mais importante.”
Iniciada em novembro, a greve dos auditores fiscais da Receita completou dois meses recentemente. Segundo estimativas da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado, a paralisação já provocou a retenção de 75 mil remessas de mercadorias para exportação e importação nos terminais alfandegários do Brasil.
Conforme dados do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros de São Paulo (Sindasp), as greves anteriores resultaram em perdas de R$ 3 bilhões em apenas seis meses. Nesse contexto, as taxas de demurrage representam um dos encargos com maior chance de judicialização nos próximos meses.
Renata Amarante, sócia do escritório BRATAX, concorda que a decisão abre um precedente relevante para o importador, sobretudo nesse atual contexto de greve. “Interessante observar que a decisão do TJ-SP aponta que, mesmo que o ato da Receita não tenha sido arbitrário, ainda assim, não seria possível atribuir responsabilidade ao importador, pois os contêineres não estavam sob sua custódia.”
A especialista lembra que funcionários da Receita têm declarado greve de forma recorrente e que a paralisação deste ano não é um fato isolado. “É primordial que se destaque a responsabilidade da Receita nessa discussão da sobrestadia, que, ao final, resulta em incremento de custos que desfavorece o comércio exterior.”
Quem paga a conta?
A advogada marítima e aduaneira Cristina Wadner questiona o entendimento do STJ, já que, segundo ela, o dono do contêiner é contratado única e exclusivamente para o transporte e, portanto, nada tem a ver com a carga. “Vale a reflexão: a quem interessa a carga e toda sua logística? A quem cabe o pedido de nacionalização da mercadoria? A quem cabe a apresentação de toda documentação relativa à carga à Receita Federal? O risco da importação é do importador.”
Ela afirma que o armador não tem acesso ao processo de desembaraço aduaneiro das mercadorias e, se a Receita entende por bem apreender determinada carga a fim de averiguar a documentação apresentada pelo importador, cabe a ele tomar as providências necessárias, inclusive para devolver o equipamento à frota do armador ou indenizá-lo pela retenção, podendo posteriormente tentar recuperar com a Receita seu prejuízo.
Essa última possibilidade é defendida pelo especialista em Direito Aduaneiro e sócio do DDTAX Advocacia Tributária Leonardo Branco. Para ele, em casos de atraso no desembaraço das mercadorias por erro da administração ou por greve da Receita, o importador deve buscar reparação do Estado.
“Casos de força maior podem gerar uma ação de indenização contra o Estado. E tem jurisprudência favorável, por exemplo, em São Paulo e em vários outros estados dizendo que isso é possível, e inclusive cobrar danos morais por danos causados à imagem da empresa. Então, além da relação da empresa com o armador, podemos também pensar na relação do importador com o Estado, que ocasionou esse prejuízo, o que vai ser discutido em um segundo momento.”
Clique aqui para ler a decisão do STJ
AREsp 2.479.015
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Processo 1017296-83.2020.8.26.0562
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