Sobre a definição do dano estético
1 de fevereiro de 2025, 6h30
Maria foi vítima de um acidente de trânsito. A responsável pelo sinistro foi Carla, que desrespeitou a via preferencial da avenida em que trafegava, colidindo com o veículo de Maria. Em decorrência do acidente, além dos danos materiais ao automóvel, Maria sofreu um corte profundo no rosto e múltiplas escoriações.
Neste artigo, pretende-se discorrer sobre o conceito e a caracterização do dano estético. Diante disso, questiona-se: o corte profundo no rosto sofrido por Maria configura dano estético? Os tribunais têm reiteradamente reconhecido que cortes profundos [1], especialmente em regiões visíveis, como o rosto, podem ensejar a caracterização do dano estético.
Todavia, há divergência em determinados contextos. O dano estético pressupõe a existência de uma deformidade permanente, ou seja, uma alteração definitiva na aparência da vítima. Assim, para que o dano estético seja caracterizado, é necessário que a lesão altere a forma da vítima de maneira permanente, seja visível ou não, cause constrangimento e não seja passível de cirurgia reparadora.
Diante disso, cabe indagar: o dano facial de Maria é irreversível ou há possibilidade de reparação completa por meio de cirurgia plástica especializada? Caso existam recursos tecnológicos e médicos capazes de restaurar a integridade estética da vítima, o prejuízo deve ser enquadrado como dano material, e não como dano estético.
Esse é o ponto central da presente análise: um dano passível de reparação configura dano material, e não dano estético. O dano estético, como já mencionado, exige a irreversibilidade da deformidade. Assim, uma mulher que sofre um corte profundo no rosto, cuja cicatriz não possa ser eliminada por meio dos procedimentos médicos disponíveis, caracteriza-se como vítima de dano estético. Nesse cenário, a vítima pode pleitear indenização por dano material, visando à realização da cirurgia plástica e, caso a deformidade permaneça mesmo após o procedimento, poderá ainda requerer indenização pelo dano estético.
Portanto, de forma objetiva, o dano estético deve estar associado à irreversibilidade da deformidade. Se houver possibilidade de reparação completa por meio de recursos médicos disponíveis, trata-se de dano material. É imprescindível, por exemplo, questionar se há tecnologia suficiente para eliminar a sequela estética visível. Se a resposta for positiva, deve-se reconhecer o dano como material; caso contrário, ou seja, na inexistência de técnicas aptas a eliminar a deformidade, estar-se-á diante de um dano estético.
Equívocos
O equívoco, e esse é o ponto central deste artigo, reside na confusão entre dano material, dano estético e dano moral, como ilustrado no caso apresentado. Se houver possibilidade de cirurgia reparadora, a vítima poderá pleitear o dano material na forma de obrigação de fazer, impondo à parte responsável o custeio da intervenção cirúrgica, ou ainda requerer o ressarcimento das despesas. Nesse contexto, poderá também pleitear eventual dano moral em razão dos transtornos e do sofrimento experimentado. Contudo, uma vez reparado o dano por meio de intervenção cirúrgica eficaz, inexiste fundamento para a caracterização do dano estético.
Qualquer deformidade de ordem não permanente poderá, portanto, ser indenizável por meio dos valores correspondentes ao tratamento necessário, sem prejuízo de eventual indenização por dano moral pelo período em que a vítima esteve com a deformidade.
É certo que deformidades permanentes de grande monta deverão ser indenizadas por meio da condenação ao pagamento de dano estético, assim como danos de menor monta também poderão ensejar tal indenização. Uma simples cicatriz permanente na face, por exemplo, pode acarretar danos imensuráveis para uma menina. Destaca-se que, mesmo em situações em que a vítima possa utilizar um olho de vidro, uma perna mecânica, dentadura ou peruca, isso não é suficiente para afastar a obrigação de indenização por dano estético.
Por fim, reitera-se a necessidade de delimitação clara entre os distintos tipos de danos passíveis de indenização. O sofrimento vivenciado pela vítima e os danos temporários podem ensejar reparação por danos morais, mas, se forem efetivamente reparados, não há que se falar em dano estético, pois este pressupõe uma deformidade permanente e irreversível.
[1] Veja pesquisa completa em FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Acidentes de trânsito : responsabilidade civil e danos recorrentes / Bruno Augusto Sampaio Fuga. – 6. ed. rev., atual. e ampl. — Londrina, PR: Thoth, 2025.
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