Critérios para a segregação de atividades
21 de abril de 2025, 15h16
A prática de planejamento tributário no Brasil é comum, notadamente para reduzir legalmente a carga fiscal. Frequentemente, constituem-se várias pessoas jurídicas com objeto social idêntico ou semelhante, de modo a fracionar receitas e permanecer no lucro presumido. Embora permitido em certos casos, esse arranjo exige cautela, pois o descumprimento de requisitos legais e jurisprudenciais pode configurar simulação ou fraude, segundo a administração tributária, conforme já tratamos em artigo publicado anteriormente nesta revista eletrônica Consultor Jurídico.
Esse cenário embasa a Solução de Consulta Cosit nº 72/2025, da Receita Federal, que trata da manutenção do regime de lucro presumido por uma empresa adquirida por outra, ambas com atividades idênticas.
A consulente, produtora e comerciante de ingredientes para alimentação animal a partir de resíduos animais, optava pelo lucro presumido. Em setembro de 2021, foi adquirida integralmente por outra empresa, esta optante do lucro real, com o mesmo objeto social. Apesar da aquisição, a consulente manteria operações independentes: sede em outro Estado, marca própria e gestão autônoma. Questionou, então, se poderia continuar no lucro presumido, desde que respeitados os requisitos legais, independentemente do regime da nova sócia única.
A Receita avaliou que o simples vínculo societário entre empresas de mesmo objeto não configura abuso ou planejamento tributário ilícito. Para tanto, deve haver autonomia patrimonial, operacional e administrativa, sem confusão de interesses ou desvio de finalidade. Grupos econômicos formados dentro dos parâmetros legais (Lei nº 6.404/1976, Capítulos XX e XXI), com independência jurídica e administrativa, não são presumidos artificiais ou fraudulentos. Nesse sentido, é possível a adoção de regimes tributários distintos entre pessoas jurídicas do mesmo grupo, se cada empresa cumprir os requisitos legais e exercer atividades segregadas de fato.
Ainda assim, caso se identifique estrutura única operando sob duas pessoas jurídicas formalmente separadas, com identidade de administração, quadro societário e operações, a fiscalização pode desconsiderar a personalidade jurídica e impor tratamento fiscal unificado, considerando-as um só contribuinte com dois estabelecimentos. Como embasamento, a Receita Federal cita o Decreto nº 9.580/2018 (RIR/2018), sobretudo os artigos 217, 257 e 587, e o artigo 13 da Lei nº 9.718/1998, que fixam limites e condições para o lucro presumido.
Exigência de segregação real
A Receita Federal também remete ao Parecer Normativo Cosit nº 04/2018, sobre responsabilidade solidária de integrantes de grupo econômico irregular e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica (artigos 124 e 123 do CTN e artigo 50 do CC) quando houver confusão patrimonial, unidade de direção ou abuso de forma societária.

Concluiu a Receita que a consulente pode manter o lucro presumido se permanecer efetivamente independente, com sede, produção, marca própria e receita segregadas, observando o RIR/2018 e a Lei nº 9.718/1998. Porém, se houver constatação de gestão comum, identidade operacional ou falta de autonomia administrativa e financeira, pode ocorrer autuação e aplicação de regime unificado de tributação.
O posicionamento da Receita está em linha com a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que, reiteradamente, desconsidera a divisão de atividades meramente para permanecer no lucro presumido, quando ausente substância econômica. O colegiado exige segregação real, fundada em razões legítimas (expansão, especialização ou eficiência), e não apenas motivos tributários. Indícios de simulação ou fraude incluem ausência de clientes, instalações, estruturas e contabilidade próprias.
O Acórdão nº 1302-002.062 do Carf reconhece a validade de cisões e reestruturações baseadas em propósitos econômicos efetivos. Em sentido oposto, a jurisprudência aplica o artigo 149, VII, do CTN para lançamentos de ofício por dolo, fraude ou simulação, desconsiderando atos que ocultem o fato gerador. No contexto do artigo 149 do CTN, deve-se considerar também o parágrafo único do artigo 116, que trata da desconsideração de atos ou negócios jurídicos que dissimulem o fato gerador, com o objetivo de coibir a evasão fiscal. Declarado constitucional pelo STF na ADI nº 2.446/2002, esse dispositivo possui eficácia contida, dependendo de regulamentação por lei ordinária, o que limita sua aplicação automática pela administração tributária.
Diante disso, a Solução de Consulta Cosit nº 72/2025 demonstra a interpretação técnica e razoável do Fisco, coerente com o Carf. A adoção do lucro presumido por empresas de um mesmo grupo econômico é viável, desde que mantenham efetiva autonomia operacional, patrimonial e administrativa, sem indícios de simulação ou fraude. A criação de múltiplas pessoas jurídicas apenas para fins tributários, sem propósito negocial, pode ser desconsiderada, resultando em penalidades e exigência de tributos com base no lucro real, via apuração centralizada. É essencial comprovar a legitimidade da estrutura societária, com governança e documentação robustas.
Em conclusão, o planejamento tributário por meio de fracionamento de receitas e multiplicação de CNPJs requer não apenas observância de requisitos formais, mas também boa-fé e critérios substanciais, sob pena de desconsideração e responsabilidade fiscal, o que, por certo, demanda cautela e diligência dos contribuintes na formatação de suas operações.
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