Opinião

Indisponibilidade de bens na nova Lei de Improbidade Administrativa: tese fixada no Tema 1.257/STJ

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15 de abril de 2025, 9h16

A indisponibilidade de bens, cabível nas ações de improbidade administrativa, constitui medida acautelatória, voltada a garantir eventual ressarcimento aos cofres públicos em caso de procedência da demanda, impedindo, assim, atos de disposição patrimonial pelo réu no curso do processo.

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No texto original da Lei nº 8.429/92, a indisponibilidade estava condicionada apenas à constatação de “ato de improbidade [que puder] causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito” (artigo 7º, caput, da antiga LIA). Antes do advento da Lei nº 14.230/2021, portanto, bastava a existência de indícios para o deferimento da medida, presumindo-se o perigo de dano. Esse entendimento foi consolidado no Tema 701/STJ [1], cuja tese expressamente afastou a necessidade de demonstração de atos de dilapidação, oneração ou alienação de bens para a decretação da indisponibilidade. Ao lado disso, entendia-se que a medida poderia abranger o valor de eventual multa civil (Tema 1.055/STJ [2]).

Como é de amplo conhecimento, a Lei nº 14.230/21 promoveu uma reforma profunda na LIA. Com o novo regramento, estabeleceram limites para a indisponibilidade de bens em ação de improbidade, exigindo expressamente a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora para a medida, nos termos do artigo 16, § 3º, da LIA, mediante prova concreta da dilapidação patrimonial e demonstração de probabilidade de ocorrência dos atos ímprobos alegados, a partir de “elementos de instrução” trazidos aos autos. Essa exigência probatória está ligada ao caráter sancionatório da demanda e, especialmente, ao fato de que ao Ministério Público é assegurado o direito à prova no âmbito extrajudicial [3].

Ficou também estabelecido que a indisponibilidade, porque voltada ao “integral ressarcimento do dano ao erário”, não incidirá sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial (artigo 16, § 10, da LIA).

Consequentemente, os Temas 701 e 1.055/STJ deixaram de ter amparo nas atuais previsões legais.

Houve então afetação do Tema 1.257/STJ, para se dirimir a seguinte questão jurídica: “Definir a possibilidade ou não de aplicação da nova lei de improbidade administrativa (Lei 14.230/2021) a processos em curso, iniciados na vigência da Lei 8.429/1992, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, inclusive a previsão de se incluir, nessa medida, o valor de eventual multa civil”. A decisão de afetação considerou não apenas o caráter multitudinário da discussão como também o impacto (e possível revisão) dos Temas 701 e 1.055/STJ.

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Foi finalmente fixada a seguinte tese: “As disposições da Lei 14.230/2021 são aplicáveis aos processos em curso, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, de modo que as medidas já deferidas poderão ser reapreciadas para fins de adequação à atual redação dada à Lei 8.429/1992”.

Decisão acertada

Para fundamentar tal entendimento, o STJ também se ancorou nas premissas estabelecidas no Tema 1.199/STF, reconhecendo a incidência das disposições da Lei nº 14.230/21 no exame das decisões sobre indisponibilidade de bens nos processos em curso. Ainda se aludiu à incidência dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (artigo 1º, § 4º, da LIA).

A decisão se demonstra correta, porque a indisponibilidade de bens não constitui direito adquirido ou ato jurídico perfeito, na medida em que indiscutivelmente sempre esteve sujeita ao regime das tutelas provisórias, como medida cautelar que é, o que hoje está expressamente consignado no artigo 16, § 8º, da LIA. Assim, a decretação da indisponibilidade no passado não se incorporou de forma definitiva ao patrimônio da parte autora na ação de improbidade administrativa, já que suscetível de revogação ou modificação a qualquer tempo.

Não há dúvidas, ainda, de que a interpretação da Lei nº 8.429/92 feita pelo STJ está em consonância com o disposto no Tema 1.199/STF. De forma prática, o que se tem hoje é que todo réu em ações de improbidade administrativa tem o direito de requerer a reconsideração da indisponibilidade.

Nessa linha, foi detectado julgado do TJ-SP no sentido de que a constatação do perigo de dano “não veio calcad[a] simplesmente no valor atribuído à causa. Ao contrário, o dano ao Erário é de grande monta e o valor tornado indisponível — até aqui — é o único que pode garantir o resultado útil do processo. E a possibilidade de reparação ao prejuízo causado ao Erário deve ser sempre preservada[4], o que sugere uma inclinação em prol do interesse público.

Assim, é preciso estar atento aos julgamentos dos tribunais pátrios que se sucederão à fixação da tese no Tema 1.257/STJ, especialmente para observar se os requisitos hoje previstos em lei estão devidamente atendidos e a fim de que a medida seja utilizada de forma correta, em consonância com os objetivos da norma.

 


[1] Tema 701/STJ: “É possível a decretação da ‘indisponibilidade de bens do promovido em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, quando ausente (ou não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a conclusão de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro’.”.

2 Tema 1.055/STJ: “É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na alegada prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos”.

3 Cf. Nathan Christian Coelho Silvestre, Fase postulatória no modelo norte-americano: do notice pleading para o plausibility pleading segundo a Suprema Corte dos EUA, Revista de Processo, São Paulo, vol. 358, p. 383/422, dez. 2024. p. 16-17.

4 TJ-SP, AI 2014196-38.2023.8.26.0000, Rel. Des. Fermino Magnani Filho, 5ª Câmara de Direito Público, j. 28/3/2025.

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