O direito sucessório é frequentemente desafiado por situações em que, após a morte do autor da herança, um dos herdeiros passa a utilizar com exclusividade um bem indivisível do espólio, notadamente um imóvel. Essa ocupação exclusiva levanta questões sobre a necessidade de indenização aos demais herdeiros e sobre a responsabilidade pelo pagamento de encargos, como IPTU e taxa condominial.
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiteradamente enfrentado esse tema, e suas decisões revelam um amadurecimento importante na interpretação do tema à luz dos princípios da equidade e da vedação ao enriquecimento sem causa.
No julgamento do REsp 570.723/RJ, a 3ª Turma do STJ firmou entendimento de que a ocupação exclusiva do imóvel só gera o dever de indenizar os demais herdeiros caso haja manifestação de oposição, seja judicial ou extrajudicial. O uso exclusivo, por si só, não configura situação indenizável automática. Essa interpretação preserva a estabilidade das relações entre os herdeiros e evita a imposição de encargos retroativos sem o devido contraditório.
Responsabilidade do espólio
Em outro julgamento paradigmático, o REsp 1.704.528/SP, o STJ decidiu que, em situação na qual o herdeiro ocupa o imóvel com exclusividade e sem qualquer contrapartida financeira, como o pagamento de aluguel, não é razoável que as despesas de IPTU e de taxa condominial sejam suportadas também pelos demais herdeiros. Nessas hipóteses, é possível descontar essas despesas do quinhão do herdeiro ocupante, de modo a evitar o enriquecimento sem causa. A Corte ressalvou, no entanto, que tais encargos, embora propter rem, são de responsabilidade do espólio até a partilha, sendo possível ajustar a compensação internamente, no âmbito do inventário.
Importante destacar que a legislação civil brasileira, ao tratar do regime jurídico da herança indivisa, remete expressamente às regras do condomínio, conforme previsto no artigo 1.791, parágrafo único, do Código Civil. Nessa linha, o artigo 1.319 do mesmo diploma impõe ao condômino a obrigação de responder pelos frutos percebidos da coisa comum e pelos danos causados aos demais. Por analogia, aplica-se aos coerdeiros a obrigatoriedade de compensar os demais quando um só deles usufrui do bem comum, desde que haja oposição expressa dos demais.
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Dupla compensação
O STJ ainda enfrentou situação em que já havia sido fixada indenização pelo uso exclusivo do imóvel, correspondente ao valor do aluguel proporcional. Nesse caso, a Corte considerou que não seria cabível exigir que o herdeiro ocupante arcasse, isoladamente, também com o pagamento do IPTU. Fazer isso, segundo o relator ministro Antonio Carlos Ferreira, configuraria dupla compensação pelo mesmo fato, violando o princípio que veda o enriquecimento sem causa.
Essas decisões, analisadas em conjunto, demonstram coerência e sensibilidade por parte do STJ. A Corte Superior tem aplicado os princípios da boa-fé, do contraditório e da proporcionalidade de forma equilibrada, assegurando que os direitos hereditários sejam exercidos com responsabilidade e respeito recíproco entre os coerdeiros.
Conclui-se, portanto, pelo acerto das decisões do STJ sobre a matéria. Ao condicionar a indenização à oposição formal, permitir a compensação proporcional de despesas apenas em certas hipóteses e coibir a dupla penalização do herdeiro ocupante, o Tribunal tem preservado a segurança jurídica e o equilíbrio na partilha de bens. Trata-se de um avanço jurisprudencial que deve ser observado tanto por operadores do direito quanto por magistrados na condução de inventários litigiosos.
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